Apesar de citar o debate sobre mudança de meta como um dos fatores que podem ter levado à desancoragem de expectativas inflacionárias em prazos mais longos, o Banco Central evitou entrar no mérito da discussão e só repetiu que buscará a convergência para as metas definidas na ata do Comitê de Política Monetária (Copom) da semana passada. O debate sobre mudanças das metas ganhou força após as críticas do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, ao patamar atual, de 3,0% no longo prazo.

Lula também vem dando declarações fortes contra o nível de juros atual, de 13,75% ao ano, e à independência do BC. Mais recentemente, após o comunicado do Copom ser considerado duro, o presidente também tem atacado diretamente o presidente do órgão, Roberto Campos Neto.

Na ata, o BC frisou diversas vezes que a deterioração das expectativas longas traz “especial preocupação” e destacou três fatores que podem explicar essa desancoragem. As razões citadas foram uma possível percepção de leniência do Banco Central com as metas estipuladas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), uma política fiscal expansionista, que pressione a demanda agregada ao longo do horizonte de projeções, ou a possibilidade de alteração das metas de inflação ora definidas.

Em relação à leniência, o BC reafirmou seu compromisso em conduzir a política monetária para atingir as metas estabelecidas. “E avalia que, uma vez observada a desancoragem, é necessário se manter ainda mais atento na condução da política monetária para reancorar as expectativas e assim reduzir o custo futuro da desinflação.”

Quanto ao cenário fiscal, o comitê ponderou que os estímulos à demanda devem ser considerados avaliando o estágio do ciclo econômico e o grau de ociosidade na economia. O BC ainda destacou que a política monetária a variável de ajuste macroeconômico utilizada para mitigar os efeitos porventura inflacionários da política fiscal.

Já em relação à eventual mudança de metas, reforçou que o BC conduz a política monetária conforme as metas estabelecidas pelo CMN, composto pelos ministros da Fazenda e do Planejamento, além do presidente do BC. “Em resumo, mais importante do que a análise das motivações para a elevação das expectativas, o Comitê enfatiza que irá atuar para garantir que a inflação convirja para as metas”, ressaltou.

Arcabouço fiscal e pacote da Fazenda

Em meio às críticas do governo sobre o tom pouco “generoso” da comunicação do Copom, a ata da reunião frisou os riscos fiscais para o cenário inflacionário, mas informou que alguns membros do colegiado citaram que o pacote apresentado pelo Ministério da Fazenda tende a reduzi-lo.

Na segunda-feira, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que o comunicado do BC poderia ter sido “mais generoso” com as medidas já anunciadas pela a equipe econômica para reduzir o déficit primário deste ano, depois de renovadas críticas do presidente Lula ao nível de juros no início do dia. O Copom manteve a taxa Selic em 13,75% ao ano pela quarta vez consecutiva.

Na ata, o Banco Central tratou do âmbito fiscal na avaliação sobre o balanço de riscos para a inflação. Segundo o Copom, nesse tema, há dois conjuntos de riscos que se interseccionam. O primeiro deles é a revisão do arcabouço fiscal, em referência às novas regras que devem ser apresentadas pelo governo para substituir o teto de gastos. O comitê ressaltou que a revisão “diminui a visibilidade sobre as contas públicas para os próximos anos e introduz prêmios nos preços de ativos e impacta as expectativas de inflação”.

O segundo conjunto diz respeito aos estímulos fiscais. “O Copom seguirá acompanhando seus impactos sobre atividade e inflação e reforça que, em ambiente de hiato do produto reduzido, os impactos sobre a inflação tendem a se sobrepor aos impactos almejados sobre a atividade.”

Por outro lado, o BC disse que alguns membros do colegiado notaram que a execução do pacote apresentado pelo Ministério da Fazenda deveria atenuar o risco fiscal e que “será importante acompanhar os desafios na sua implementação”.

Dentre os outros fatores do balanço de riscos, o BC citou o referente a um hiato do produto mais estreito do que o esperado persiste. “O Comitê seguirá avaliando os dados e os modelos para um entendimento mais minucioso”, avisou.

Em relação aos riscos externos, o Copom avaliou que as pressões inflacionárias globais se atenuaram, mas que ainda há bastante incerteza sobre como se dará a desaceleração da inflação. “Tal processo tende a ser não linear. Os riscos devem persistir enquanto observarmos um mercado de trabalho apertado em várias economias avançadas.”