Ela é jovem, bonita e filha de um conhecido empresário do País, o argentino Juan Quirós, presidente do Grupo Advento, da área de engenharia civil, construção e infraestrutura, que faturou R$ 1,4 bilhão em 2010. Aos 23 anos, Priscila, formada em administração de empresas e filha mais velha de Juan, poderia ser o que quisesse em alguma das quatro empresas da holding comandada pelo pai. Mas não foi essa a carreira que resolveu seguir. Descendente de camponeses da região espanhola das Astúrias, Priscila decidiu fazer o caminho de volta ao campo.

Em Morungaba, município distante 100 km da cidade de São Paulo, a jovem empresária comanda, desde o final do ano passado, a cabanha Oviedo, nome que homenageia a capital das Astúrias. Priscila convenceu o pai a financiar seu projeto agropecuário, após lhe apresentar um minucioso plano de negócios no final de 2009.

E o negócio dela é criar ovinos, montar uma cooperativa com produtores dessa região do interior paulista, construir um frigorífico e abrir três butiques de carnes, nas cidades de Campinas, São Paulo e Brasília. “Minha meta é abastecer restaurantes finos que se dedicam à alta gastronomia”, diz Priscila. Mas ela não se refere apenas a cortes nobres quando fala de ovinos, como o carré francês, o filé-mignon e o pernil. Até as triviais costela, paleta e buchada, em sua opinião, podem originar pratos diferenciados. “Quem não aprecia uma costela na brasa, regada com molho de especiarias?”

O empreendimento para montar a marca de carne Premium Lamb Cabanha Oviedo já consumiu R$ 4 milhões de um orçamento inicial de R$ 6 milhões. Esses recursos foram utilizados para a primeira etapa do projeto, que contempla apenas a montagem do criatório em uma das propriedades que formam a cabanha Oviedo. No total, são três pequenas propriedades, compradas nos últimos quatro anos. Somadas, as áreas têm 507 hectares. Os lucros estão previstos para começar a aparecer dentro de um ano, quando Priscila espera movimentar algo em torno de R$ 2 milhões com o comércio de carne.

Rebanho de fêmeas: a raça poll dorset foi a escolhida para formar a base da criação

1. Confiança: o empresário Juan Quirós apoiou o projeto da filha Priscila desde o início

2. Manejo simples: cordeiros ficam 50 dias com as mães e depois são confinados

Para iniciar o processo de criação de cordeiro na propriedade de 290 hectares, na fazenda Santo Antônio, Priscila partiu de um rebanho de 1.500 fêmeas ovinas sem raça definida. Esses animais, que vinham sendo comprados desde 2008, serão substituídos. Dentro de 18 meses, no máximo, a meta é chegar a 3.500 fêmeas que tenham uma outra composição racial. Priscila visitou vários criatórios no Sul do País, pesquisou bastante e se decidiu por produzir animais cruzados de três raças.

A escolha foi por matrizes poll dorset, raça de origem inglesa, que tem duas vertentes principais de melhoramento genético, um americano e outro australiano. Na Austrália, segundo maior exportador mundial de carne ovina, com 300 mil toneladas por ano, e um rebanho de 42,3 milhões de cabeças, a poll dorset está presente em 80% dos cruzamentos com foco na produção de carne.

Na cabanha Oviedo, as fêmeas poll dorset, que começaram a ser compradas nos últimos meses, estão sendo cruzadas com machos da raça sul-africana white dorper e com a holandesa texel, próprias para a produção de carne. “A poll dorset é uma raça de dupla aptidão – carne e lã – com uma capacidade muito boa para desmamar cordeiros pesados, o que justifica a nossa escolha por ela”, diz Priscila.

Os cordeiros com sangue das três raças, os chamados treecross, são os que Priscila considera ideais para o abate, que ocorre quando eles atingem o peso vivo entre 35 kg e 40 kg, aos 110 dias de vida. Nesse intervalo de tempo, os cordeiros permanecem 60 dias com as mães e mais 50 dias em confinamento. Toda a alimentação do rebanho é produzida na fazenda Campo Verde, de 145 hectares. A dieta é composta por farelos de soja, milho e trigo, mais silagem de capim.

“Estabelecemos um manejo simples para os animais porque vamos repassar o modelo aos nossos futuros parceiros”, diz Priscila. A capacidade de confinamento da cabanha Oviedo, para a engorda dos cordeiros, é de 10 mil animais por ano, uma quantidade que a propriedade dade não alcançará sozinha, mesmo quando todas as 3.500 fêmeas do plantel próprio estiverem produzindo suas crias.

Troca de time: ovelhas sem raça definida darão lugar a fêmeas mais produtivas

A conta é a seguinte: cada ovelha pode parir até três crias a cada dois anos, o que equivale a uma média anual de 5.250 produtos prontos para o abate. “Vamos trabalhar para que, até março de 2012, pelo menos 70% dessa meta seja alcançada”, diz Priscila. Para dar ritmo aos negócios, a empresária está iniciando a busca por produtores da região de Morungaba que queiram criar cordeiros. O projeto de Priscila é montar uma cooperativa para que haja regularidade na produção e no fornecimento de animais.

“Poderemos tanto comprar os cordeiros desmamados, para recriá-los, como prontos para o abate”, diz Priscila. Ela acredita na possibilidade de estabelecer mais uma atividade econômica em Morungaba, cujo entorno é composto de pequenas propriedades que se dedicam à produção de frangos e doces caseiros.

Para demonstrar a viabilidade do negócio aos futuros parceiros, Priscila pretende utilizar um detalhado levantamento fornecido por um programa de computador que registra as pesagens semanais dos ovinos, custo da dieta e a projeção de ganho de peso dos cordeiros. “Vamos abrir as planilhas de custos para mostrar que o negócio é rentável”, diz a empresária. Ainda neste ano, ela pretende visitar criações na Austrália e na Nova Zelândia, maior exportadora mundial de carne ovina. Desde a década de 1990, com ou sem crises econômicas, a Nova Zelândia vende perto de 380 mil toneladas de carne por ano. “Os neozelandeses são os mais eficientes fazendeiros do mundo, com propriedades de até 30 mil ovinos”, diz Priscila.

Com 1.500 fêmeas em seu rebanho, a cabanha Oviedo está abatendo atualmente apenas 100 cordeiros por mês, em um frigorífico da região, de forma terceirizada. No entanto, tão logo alcance uma produção mensal de 350 cordeiros – o que espera que ocorra em 2012 – Priscila pretende construir um frigorífico próprio na fazenda Capoeira Grande, de 72 hectares. Os recursos para esse investimento estão fora do orçamento inicial de R$ 6 milhões.

“O momento é propício porque o mercado consumidor está em franco crescimento, o que leva toda a cadeia produtiva a ganhar”, diz Priscila. Estimativas de analistas de mercado, baseadas em censos agropecuários, aponta o Brasil como produtor de cerca de 78 mil toneladas de carne ovina por ano, enquanto o consumo estaria na faixa de 86 mil toneladas. Trata-se da segunda maior produção das Américas, atrás apenas dos Estados Unidos, com 79,7 mil toneladas. Mas, ao contrário dos americanos, a cadeia da ovinocultura brasileira padece de uma desorganização absoluta.

A maior parte dos abates – com exceção dos praticados nos Estados do Sul, e alguns casos isolados no restante do País – são informais, sem o menor controle sanitário. Mesmo assim, como a equação entre produção e demanda não fecha, resultando em um déficit de oferta, os preços dos ovinos sobem. “Vamos crescer rapidamente também porque o Brasil não está conseguindo comprar carne ovina no Uruguai, como fazia antigamente”, diz Priscila.

As importações do país vizinho são as que abastecem o mercado mais elitizado, formado por restaurantes, supermercados e butiques de carnes. Em 2010, o País importou do Uruguai 5,9 mil toneladas de carne, volume 11,5% menor se comparado a 2009. Essa quantidade tende a diminuir ainda mais. Os uruguaios estão preferindo vender para mercados mais atraentes, como os Estados Unidos, a China e a União Europeia. “A oportunidade está criada para ocuparmos espaço como grandes produtores de carne ovina como somos de bovinos, suínos e aves”, diz Priscila.