Dentro de nove meses é esperado que nasça no Brasil uma nova ordem ambiental, quando cerca de cinco milhões de propriedades rurais, que ocupam 397,5 milhões de hectares, estarão legalmente quites com o Cadastro Ambiental Rural (CAR), um registro eletrônico obrigatório previsto desde 2012 pelo novo Código Florestal. O prazo para o preenchimento do CAR, que foi prorrogado até maio de 2016, agora é definitivo: o produtor que não fizer o cadastro terá problemas com a Justiça.

Em princípio, nove meses é muito pouco diante do desafio de mobilizar milhões de produtores. “Será preciso muito empenho para que todos consigam fazer o CAR nesse prazo”, diz Bernardo Pires, gerente de sustentabilidade da Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove). É por isso que o governo federal e os estaduais, ONGs e entidades do agronegócio estão envolvidos numa grande força-tarefa para fazer com que essa política saia do papel. A Abiove, por exemplo, já distribuiu mais de dez mil folders e cinco mil cartilhas e vai continuar promovendo palestras para explicar a legislação aos produtores. “Há uma grande dificuldade técnica e operacional, os produtores precisam de ajuda.”


AJUDA:Luís Fernando Guedes Pinto, do Imaflora, diz que o CAR é gratuito e que o governo tem obrigação de auxiliar os produtores no seu preenchimento

A dificuldade que Pires mensiona se reflete nos números. Segundo o levantamento mais recente do Serviço Florestal Brasileiro, até junho, 1,7 milhão de imóveis rurais foram cadastrados, o que corresponde a 227,6 milhões de hectares registrados, 57,3% do total passível de cadastro. Mato Grosso é o Estado que está na situação mais confortável nesse processo, liderando o cadastramento, que já atinge 72,6% da área coberta pelo CAR. Já o Rio Grande do Sul é o Estado que precisa acelerar o passo nessa corrida, pois apenas 2% do seu território estão registrados.

  No caso dos gaúchos, ocorreu houve um problema peculiar por causa do bioma Pampa, no qual estão os campos nativos. Segundo Carlos Sperotto, presidente da Federação da Agricultura do Estado do Rio Grande do Sul, os produtores tinham dúvidas sobre como cadastrar as terras com essa vegetação. Eles temiam a obrigação de reflorestar áreas nas quais originalmente não havia floresta, apenas para cumprir a legislação. “Havia muitos problemas de interpretação da lei”, diz Sperotto. “Após muito debate, chegamos a um entendimento que resolve a questão.” Em junho, o governo do Rio Grande do Sul assinou um decreto que estabelece regras claras sobre as características e a preservação do bioma Pampa, que cobre 63% do território estadual. Com o fim do impasse, o cadastro no Estado deve deslanchar. “Agora, não tenho dúvidas de que todos os produtores vão fazer o CAR”, afirma Sperotto. “Vamos intensificar esse trabalho.”

Além da dificuldade operacional, há uma barreira psicológica para zerar o CAR em todo o País. De acordo com Luís Fernando Guedes Pinto, gerente de certificação agrícola do Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora), boa parte dos produtores simplesmente não quer preencher esse documento. “Eles estão com medo de perder área produtiva”, diz. Contra essa crença generalizada, Guedes Pinto explica que os pequenos produtores não terão dor de cabeça. “Quem tem fazenda com menos de quatro módulos fiscais, ou que já tem 1% de área de reserva legal, está desobrigado a restaurar a área de preservação”, diz. “Essa lei é mais branda para todos.” Para ele, que tem ministrado palestras sobre o Código Florestal e o preenchimento do CAR pelo País, o maior desafio é levar informação aos produtores. “ Nosso esforço é traduzir a lei para uma linguagem que seja entendida”, afirma.

Outra preocupação é não deixar que o produtor faça  gastos desnecessários. Muitos deles estão desembolsando mais de R$ 300 para que o documento seja preenchido por um profissional. Mas, quem não tem condições ou não tem interesse em arcar com esse tipo de serviço deve exigir seus direitos. “A lei determina que o CAR seja gratuito e os órgãos públicos têm de ajudar os produtores”, diz Guedes Pinto. “Basta procurar a secretaria de meio ambiente para pedir auxílio.” O produtor nem mesmo é obrigado a contratar serviços de georreferenciamento. Segundo ele, ter bons mapas da propriedade é o suficiente. “O  CAR aceita que o produtor desenhe as divisas, ele só precisa ter as coordenadas da fazenda”, diz Guedes Pinto.

Os especialistas querem conscientizar os produtores sobre a urgência de fazer o cadastro. O advogado Lucas Baruzzi, do escritório Barros Filho e Almeida Prado Advogados, lembra que a partir de 2017 as instituições financeiras só vão conceder crédito agrícola para propriedades que tiverem o registro. “E há sanções para quem não fizer o CAR, como o pagamento de multas”, diz Baruzzi. Além disso, ele frisa que é necessário preencher o documento corretamente. “Se a pessoa sonegar alguma informação, estará sujeita à fiscalização e pode se envolver numa questão de crime ambiental.” A recomendação de Baruzzi é fazer o CAR com antecedência porque, havendo erros, é possível retificar o documento. “O CAR não vai analisar o direito de propriedade, mas sabemos que em locais com ocupações mais recentes pode haver confusões”, diz o advogado.

O CAR é um registro eletrônico obrigatório com a delimitação das áreas de preservação permanente (APPs) e de reserva legal, que vão compor um importante banco de dados para o planejamento ambiental do Brasil, para o monitoramento de vegetações e combate ao desmatamento. Mas, esse documento é apenas um registro inicial. Após o fim do cadastramento serão definidos os Programas de Regularização Ambiental. Somente nessa segunda etapa é que as informações fornecidas pelos produtores serão avaliadas pelos órgãos competentes e cada um saberá o que fazer para se adequar à legislação.