Há três séculos, um evento equestre promovido pela família real marca o início oficial do verão britânico. Chega com pompa e circunstância. Programa predileto da monarquia, o Royal Ascot atrai não só ingleses de todas as regiões do país, mas visitantes de vários cantos do planeta. Desde 1945, ainda em seu tempo de princesa, a rainha Elizabeth II nunca deixou de comparecer. A série de 30 páreos conquistou o status de ser o mais tradicional evento do calendário turfístico mundial, programado neste ano para o período de 14 a 18 de junho. A competição acontece no Ascot Racecourse, um dos principais hipódromos do Reino Unido, localizado na Fazenda Ascot, propriedade de Sua Majestade. Ascot fica na província de Berkshire, distante 50 quilômetros de Londres.

Para as corridas de 2011, foram mobilizados cerca de 500 animais de vários países europeus, do Oriente Médio, dos Estados Unidos, do Japão, da China, África do Sul, Nova Zelândia e Austrália. A premiação é baseada nas apostas, e a estimativa é que elas movimentem mais de 400 milhões de dólares. E não só a nobreza marca presença em Ascot. Plebeus aficionados pelo turfe também comparecem, lotando arquibancadas e circulando no paddock, local onde os “astros” do evento recebem massagens e são exibidos antes das competições.

Turfe disputado: neste ano, a corrida reunirá cerca de 500 animais, vindos de diversos países

Estimado em 300 mil pessoas, o público tem uma oportunidade especial de ver de perto a família real. De carruagem aberta e puxada por quatro cavalos, a rainha Elizabeth II percorre os seis quilômetros que separam o Castelo de Windsor do hipódromo. Chega acompanhada do marido, o duque de Edimburgo, e dos filhos, o príncipe Charles, herdeiro do trono, e Edward, conde de Wessex. Outras carruagens, com membros da realeza, seguem o séquito. Trajados a rigor, à frente vêm os cavaleiros da Guarda Real. A entrada triunfal do cortejo, instituído em 1820, durante o reinado de George IV, é um dos momentos mais esperados. Assim que atravessam os portões do Ascot Racecourse, as carruagens dão uma volta na raia. Em reverência à Rainha, a plateia, em pé, entoa “God Save The Queen”, o hino nacional inglês, tocado por uma pequena orquestra. Depois, os membros da monarquia seguem para a “Royal Enclosure”, a tribuna restrita à realeza e seus convidados. O espaço tem visão privilegiada que permite acompanhar de perto os últimos metros da emocionante chegada dos animais.

Os convidados do “Royal Enclosure” obedecem a um rígido código para se vestir, uma imposição da monarca, que em 2008 ficou contrariada com a indumentária das mulheres, de ombros e pernas de fora. Somente têm acesso ao recinto real homens de fraque e cartola e mulheres com vestidos comportados. Mas, se o vestuário tem suas regras, um dos acessórios, o chapéu feminino, não obedece a nenhum padrão. É um show à parte. Aí, literalmente, a imaginação é o limite. A indumentária virou instituição em Ascot. A variedade é enorme, e nem sempre o bom gosto dita as regras. Todo ano há uma profusão de estilos, modelos, cores e tamanhos. As plebeias seguem o figurino. E tem gente que parvai ao evento não para ver cavalo correr, mas apenas apreciar o desfile dos exóticos chapéus.

 

Glamour à parte, a história das corridas em Ascot remonta a 1711. Naquele ano, durante uma cavalgada pelo Windsor Great Park, a rainha Anne se viu em meio a uma clareira natural, nos arredores da aldeia de Eastcote, nome que posteriormente seria trocado para Ascot. Encantada com o lugar, ela incumbiu a duque de Somerset, seu “master of the buckhounds” – uma espécie de chefe de caça –, da tarefa de construir no local uma pista de corrida que possibilitasse aos cavalos “correr a todo o galope”. Meses depois, e a um custo de 607 libras, nascia a mais antiga corrida de turfe no mundo. A inauguração do hipódromo foi em 11 de agosto daquele mesmo ano. Batizada de Her Majesty’s Plate, a primeira corrida premiou o vencedor com 100 libras. A morte da rainha Anne, em 1714, levou ao cancelamento do evento. As pistas só voltaram a ser abertas 30 anos depois. Em 1768, o duque de Cumberland instituiu a primeira série de quatro dias de competição.

Outro ano histórico do hipódromo foi 1807, quando se disputou pela primeira vez a Gold Cup, que viria a se tornar a mais famosa dentre as corridas do Royal Ascot. Realizada no Ladies Day, na quinta-feira da semana do evento, é também conhecida como “Taça de Ouro”. A prova reúne animais de quatro anos e impõe um percurso de 4 mil metros, a mais longa distância numa prova de turfe. Mestre Jackey foi o primeiro campeão e seu proprietário recebeu o prêmio das mãos do rei George II e da rainha Charlotte. O atual campeão, vitorioso em 2010, foi Rito de Passagem. Conduzido pelo jóquei Pat Smullen, cruzou a linha de chegada no tempo de 4m16s92.

 

Dona de mais de 40 cavalos de corrida, a rainha Elizabeth II já conquistou 20 vitórias em diferentes provas do Royal Ascot. E, se o cavalo da monarca vence, a plateia levanta e tira o chapéu em reverência. Mas os verdadeiros “astros” do Royal Ascot são os cavalos, claro. Todos puro-sangue inglês (PSI), única raça a competir no turfe. Também conhecidos por thoroughbred, inglês de corrida ou puro-sangue de carreira, esses animais começaram a ser selecionados a partir do século XVII . Surgiram de uma série de cruzamentos entre os equinos que habitavam as Ilhas Britânicas com garanhões e éguas árabes, berberes e nedjed, levados à Grã-Bretanha pelas campanhas militares e pelos invasores muçulmanos. Posteriormente, Guilherme, o Conquistador, introduziu cavalos da Península Ibérica, de onde se originaram as Royal Brood Mares, matrizes selecionadas criteriosamente pelo haras real. Três garanhões orientais são apontados como os responsáveis pela base da seleção do PSI: os árabes Beberly- Turk e Darley Arabian, além do berbere Godolphin Barb. Desta “alquimia” genética nasceu o cavalo imbatível em corridas de longa distância que, disseminado pelo mundo, foi responsável pela formação das principais raças modernas para o esporte.

Em 1730, durante o reinado de Charles II, a raça foi estabelecida. E em 1791, por iniciativa da família Weatherby, foi instituído o Stud Book do Puro-Sangue Inglês, o mais respeitável livro de registro genealógico de cavalos no mundo.