02/09/2020 - 19:41
Por 14 a 1, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu nesta quarta-feira (2) manter o afastamento de Wilson Witzel (PSC) do governo do Rio. Desde que foi criado, em 1988, o STJ já mandou governadores para a cadeia durante o exercício do mandato – como José Roberto Arruda e Luiz Fernando Pezão -, mas esta foi a primeira vez que um chefe do Executivo local foi afastado do cargo sem ser preso.
Em quase cinco horas de julgamento, Benedito Gonçalves e os ministros Francisco Falcão, Nancy Andrighi, Laurita Vaz, Maria Thereza Assis de Moura, Og Fernandes, Luís Felipe Salomão, Mauro Campbell, Raul Araújo, Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi, Sérgio Kukina e o presidente do STJ, Humberto Martins, defenderam o afastamento de Witzel.
Por comandar o tribunal, Martins não era obrigado a votar no caso, mas fez questão de deixar explícita sua posição e chancelar a decisão monocrática (individual) de Gonçalves.
Kukina, no entanto, foi além dos colegas e votou para que Witzel não fosse apenas afastado do cargo, mas também preso. “Há elementos que sinalizam e direcionam ser ele o ‘cabeça’ da organização criminosa. Não faz sentido que os demais (alvos da operação) estejam presos e os demais em liberdade”, afirmou Kukina.
Apenas Napoleão Nunes ficou a favor de Witzel. A determinação de Benedito Gonçalves, acompanhada pela maioria, é para que Witzel fique afastado por 180 dias.
Eleito em 2018 tendo como um dos pilares de sua campanha o discurso contra a corrupção, Witzel – um ex-juiz federal que fazia sua estreia na política – foi acusado de obter vantagens indevidas em compras fraudadas na área de saúde durante a pandemia do novo coronavírus. A defesa de Witzel alega que o afastamento foi determinado sem que o ex-juiz federal prestasse depoimento às autoridades.
“Entendi que a prisão preventiva era mais gravosa, entendi por optar por medida menos gravosa, que era afastamento”, disse o relator do caso, ministro Benedito Gonçalves, em uma rápida leitura do voto no início do julgamento.
Para o ministro Francisco Galvão, as acusações contra Witzel são graves e devem ser apuradas. “No momento em que vivemos, numa pandemia, onde já tivemos mais de 120 mil vítimas, é impossível que alguém que esteja sendo acusado e investigado possa continuar exercer o cargo tão importante de maior dirigente do Estado do Rio de Janeiro”, disse. “Diante da gravidade dos fatos, não vejo como não referendar a decisão proferida pelo ministro Benedito Gonçalves.”
Na avaliação da ministra Nancy Andrighi, a “ordem pública não está só em risco, mas em grave lesão”. “Realmente a ordem pública está não só em risco, como em atual, intensa e grave lesão, a situação de enfrentamento à pandemia tem sido aproveitada para dar continuidade à prática de atos criminosos”, afirmou a ministra.
Quarta a votar, a ministra Laurita Vaz concordou com os colegas. “Da decisão do ministro relator, extrai-se elementos que demonstram que a ordem pública estava vulnerada de modo a justificar medidas enérgicas para sustar as atividades supostamente criminosas”, disse.
Críticas. Mesmo acompanhando o entendimento dos colegas, a ministra Maria Thereza de Assis Moura criticou o fato de Witzel ter sido afastado do cargo por uma decisão monocrática (individual).
“Na minha modesta opinião, essa decisão não deveria ter sido monocrática, mas submetida ao órgão colegiado desde logo. Trata-se aqui de governador de Estado, eleito com mais de 4,6 milhões de votos”, ressaltou. “Acredito eu, que em se tratando do afastamento de autoridade com prerrogativa de foro, eleita pelo voto popular, a submissão dessa matéria à Corte Especial constitui a meu ver uma medida de prudência, que me parece, ostenta maior compatibilidade com o princípio democrático.”
Mauro Campbell também questionou o afastamento de Witzel por uma decisão individual, mas acabou votando para que o ex-juiz seguisse afastado das atividades no Palácio Guanabara. “Os fatos falam por si só. As medidas cautelares estão baseadas em elementos concretos, havendo, portanto, ameaça à ordem pública.”
Para o ministro Og Fernandes, o afastamento de Witzel foi uma “avaliação adequada” tomada pelo relator do caso.
“Não há nenhuma decisão que se tome sobre esse caso indolor. Sei disso pela experiência já longa da profissão. E às vezes nós apanhamos da caneta ou do computador para firmar uma decisão que nós não gostaríamos como pessoas de ter que tomar. E é exatamente porque nós não somos eleitos pelo voto popular que a nossa legitimidade como poder do Estado se estabelece exatamente pela possibilidade de decidirmos matérias sem sofrermos o ônus de uma consequência popular. E é por isso que há juízes no Brasil.”
O único voto a favor de Witzel veio do ministro Napoleão Nunes. “O pouco amor que se tem tido ultimamente pelo justo processo jurídico e o desapreço que se tem tido pelas liberdade individuais tem conduzido alguns autores imprudentes a relacionar o garantismo com a impunidade”, disse Napoleão. “Será que podemos falar em ampla defesa num julgamento que não comporta fala de advogado?”
Defesa. No início da sessão, o pedido da defesa de Witzel para a sessão não ser transmitida pelo YouTube foi rejeitado. “Se estivéssemos sem YouTube, na chamada normalidade, como seria esse julgamento? Público. O instrumento hoje tecnológico de publicidade é YouTube, eu voto pela publicização pelo YouTube”, disse Benedito Gonçalves.
A defesa de Witzel contesta o afastamento, alegando que a medida extrema foi tomada sem que o governador prestasse depoimento às autoridades. “O afastamento cautelar verificou-se no incurso do inquérito e lá no inquérito, o governador em momento algum foi ouvido. Sequer escreveu uma linha. Sequer a sua defesa fora intimada para isso ou aquilo”, disse Nilson Naves, um dos advogados de Witzel.
A Corte Especial é formada por 15 dos 33 ministros mais antigos do tribunal. No julgamento, os ministros entenderam que são necessários um mínimo de 10 votos (quórum qualificado de 2/3) para que Witzel continue afastado do cargo de governador.
Os ministros Felix Fischer, João Otávio de Noronha, Jorge Mussi e Herman Benjamin se afastaram do caso, alegando suspeição ou impedimento. O presidente do STJ, Humberto Martins, convocou então quatro ministros substitutos para participar da sessão: Isabel Gallotti, Antonio Carlos Ferreira, Villas Bôas Cueva e Marco Buzzi. Um dos ministros substitutos teve de ser trocado – Paulo de Tarso Vieira Sanseverino avisou aos colegas que não poderia acompanhar a sessão. Como Cueva não compareceu, foi necessário convocar outro substituto: Sergio Kukina.