Registros do Conselho de Controle das Atividades Financeiras (Coaf) indicam que, no ano passado, órgãos de investigação fizeram o menor porcentual de demandas para o tema corrupção ante outros ilícitos na comparação com dados desde 2014, quando teve início a série histórica. A partir do atual governo do presidente Jair Bolsonaro, em janeiro de 2019, os pedidos de intercâmbio de informações relacionados a este tipo de crime perderam espaço para o tráfico de drogas.

As quedas se verificam nos números que reúnem pedidos de informação da Polícia Federal e de outros órgãos de investigação, como Receita, Controladoria-Geral da União (CGU) e Ministério Público. Em 2018, ainda no fim da gestão de Michel Temer, pedidos direcionados ao Coaf com o tema da corrupção representavam 28,6% do total das demandas feitas pelos órgãos. Em 2021, esse porcentual caiu para 17,5%, sendo que nos dois anos anteriores o volume de demandas com o tema corrupção já havia diminuído.

Em 2018 foram 2.134 pedidos sobre corrupção num total de 7.445 englobando outras temáticas, como tráfico de drogas e crimes contra o sistema financeiro. Em 2021, os pedidos sobre corrupção foram 2.519, mas dentro de um total de 14.404. Assim, apesar de o Coaf ter sido mais demandado no geral, os pedidos de informação sobre esquemas de corrupção em todas as instâncias governamentais perderam relevância entre as solicitações por informações por parte de agentes de órgãos de investigação.

Pela primeira vez, o órgão responsável pelo fluxo de informações que mais evidenciam circulação de dinheiro deixou de ter a corrupção como principal demanda. Agora, o posto é do tráfico de drogas, que foi o tema de 3.772 pedidos recebidos pelo Coaf em 2021 – equivalente a 49% mais do que os pedidos sobre corrupção no ano. O Coaf não informa quantos dos pedidos sobre esses temas foram da PF, mas, como esse é o principal órgão em número de pedidos, é possível captar a mudança no foco da polícia.

Pandemia

Nos últimos anos, as operações sobre grandes esquemas de corrupção envolvendo autoridades do Executivo federal e parlamentares do Congresso deram lugar a ações concentradas em desvios de verbas em prefeituras ou governos estaduais pelo Brasil, muitas vezes com recursos relacionados à pandemia de covid-19.

Uma ação da Polícia Federal de grande repercussão neste período foi a operação que levou ao afastamento do governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. A Operação Placebo, em maio de 2020, mirou desvios de recursos públicos destinados ao combate da pandemia e foi autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).

Os dados da própria PF sobre prisões por corrupção, no entanto, sofreram queda significativa. Em 2018, foram 668. Entre os presos naquele ano estavam possíveis candidatos, como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que planejava concorrer a um novo mandato presidencial, e o ex-governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), que concorria ao Senado. No ano seguinte, 2019, foram 486 prisões. Em 2020, foram 411. Mas, em 2021, apenas 167 prisões relacionadas à corrupção foram efetuadas pela PF. No número de operações relacionadas à corrupção, houve queda entre 2020 e 2021: de 654 operações para 539.

O atual governo é alvo de denúncias de interferências na Polícia Federal e de patrulhamento sobre as atividades do Coaf e da Receita Federal. Bolsonaro é investigado em inquérito no Supremo Tribunal Federal (STF) por suspeita de interferir no comando da corporação e seu filho mais velho, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), alvo de denúncia de um esquema de rachadinha na Assembleia do Rio, fez pressão contra servidores da Receita que atuaram no processo. A 2ª Turma do Supremo arquivou no fim do ano passado a investigação contra Flávio e a acusação formal voltou à estaca zero.

Políticos, porém, continuaram sendo alvos de operações da PF no período do atual mandato. O senador Chico Rodrigues (DEM-RR), em outubro de 2020, enquanto era vice-líder do governo, foi afastado do mandato por 90 dias após ser flagrado escondendo dinheiro nas partes íntimas durante ação da Polícia Federal. Já voltou ao mandato e ainda não foi denunciado criminalmente.

Em outro caso, o deputado federal Josimar Maranhãozinho (PL-MA) foi flagrado manuseando maços de dinheiro que, de acordo com a PF, tinham origem em desvio de recursos de emendas parlamentares. Ele voltou a ser alvo da PF numa operação de busca e apreensão realizada na última sexta-feira. O deputado é acusado de desviar 25% de recursos repassados pelo governo federal a partir de emendas direcionadas ao Maranhão.

Prudência

O advogado Sérgio Rosenthal, especialista em crimes financeiros, enxerga uma diminuição no ritmo da PF em realizar atividades investigativas sobre corrupção. Mas, embora considere isso uma inoperância no atual governo, ele ressalta que a queda nos números pode demonstrar também uma “postura mais prudente e menos espetaculosa por parte das autoridades” após a Operação Lava Jato. “É inerente à atividade de persecução criminal o confronto entre o poder e o dever de investigar e os direitos fundamentais dos investigados, de modo que o arrefecimento das atividades empreendidas pela Polícia Federal no combate à corrupção pode estar relacionado à necessidade de se evitar os excessos e arbitrariedades que pautaram muitas das operações policiais realizadas no passado”, disse Rosenthal.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.