A prisão do deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ) reacendeu a polêmica sobre os limites da imunidade parlamentar. Afinal, quais são os seus limites? Até onde um parlamentar pode chegar ao seu discurso? O que diferencia uma declaração íntima à sua atuação no Congresso e mera ilação? Os juristas ouvidos pelo Estadão são unânimes no entendimento de que no caso apreciado pelo ministro Alexandre de Moraes, acerca dos conteúdos veiculados por Silveira contra o Supremo em redes sociais, houve extrapolação do direito à imunidade. O entendimento é que o parlamentar incitou a violência e o desrespeito às instituições democráticas.

O professor do programa de mestrado em Direito da Uninove Guilherme Amorim Campos da Silva é categórico em sua análise. Pondera que não existe qualquer previsão na Constituição que trate as ofensas e ataques à normalidade democrática como direitos assegurados pela liberdade de expressão. “A defesa da instalação do arbítrio ou de uma ditadura é crime contra a democracia e a Constituição Federal e a resposta deve ser a prisão, e não a imunidade parlamentar”, avalia. No mesmo sentido, Belisário dos Santos Júnior, membro de Rubens Naves Santos Jr Advogados, sustenta que a Câmara dos Deputados deve sustentar a decisão do STF: “Ou a democracia se defende ou se acovarda e perece”, diz. O advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, no entanto, mostra-se descrente da concretização de tal hipótese: “A questão é que este ato de soltar vai impulsionar os fascistas contra o Supremo. Muito grave. E esta Câmara sequer irá cassar este Deputado”, prevê.

Guilherme Amorim pondera que a determinação de prisão por Moraes está em consonância aos princípios constitucionais. “A decisão liminar do Ministro Alexandre de Moraes que determinou a prisão do deputado federal Daniel Silveira prestigia a Constituição Federal, o Estado Democrático de Direito, as instituições republicanas e a separação de poderes”, diz. “Em nenhum momento a Constituição autoriza a propagação de ideias contrárias à ordem constitucional e ao Estado Democrático (CF, artigos 5º, XLIV; 34, III e IV), nem tampouco a realização de manifestações que objetivem o seu rompimento, com a extinção de cláusulas pétreas, como defendido pelo deputado ao defender o fim da separação dos poderes, o que ofende diretamente o artigo 60, §4º. A defesa da instalação do arbítrio ou de uma ditadura é crime contra a democracia e a Constituição Federal e a resposta deve ser a prisão, e não a imunidade parlamentar”. O professor e sócio do escritório Rubens Naves Santos Jr. Advogados acrescenta ainda que ‘a imunidade parlamentar e seus discursos têm lugar e limites constitucionalmente assegurados, não sendo, por óbvio, ilimitados. Excede a atuação justamente quando atenta contra a Constituição e o Estado Democrático de Direito’.

Belisário dos Santos Júnior pondera que ‘A liberdade de expressão é fundamental para o Estado de Direito. Mas ela tem limites’. Ele explica que ‘não há liberdade para divulgar discurso de ódio, discurso que incita violência. A imunidade parlamentar igualmente protege o exercício do mandato, mas não é absoluta. Não se sustenta quando um parlamentar, fora do ambiente do Congresso, e sem nenhuma relação com o mandato, reitera afirmações gravíssimas contra as instituições, contra a democracia’. “O exercício do mandato não comporta o combate permanente e reiterado – caso do Deputado preso – às instituições, ao STF, com as armas do ódio e da intolerância. A democracia não protege com instrumento excepcional como a imunidade a esse crime”, argumenta. “Preso logo após a publicação da incitação e enquanto ela ainda persistia nas redes sociais há flagrante, como afirma o Ministro Alexandre de Moraes. Caberá ao Supremo e na sequência à Câmara Federal manter a prisão legal. A reiteração dessa conduta – afirmada com orgulho pelo parlamentar preso, não pode ser tratada com condescendência. Vivemos tempos difíceis. Esse parlamentar não está só. Ou a democracia se defende ou se acovarda e perece”, completa o advogado, membro da Comissão Internacional de Juristas.

O criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, por sua vez, salienta que ‘o caso desta prisão é de extrema gravidade’. Ele alerta que houve ‘o conceito de flagrante já havia sido elastecido no caso da prisão do Delcídio, e agora foi também aplicado de maneira larga”. Sendo assim, ele argumenta que ‘a discussão sobre imunidade é o que mais vai pegar fogo’. “Afinal a imunidade é absoluta? Não existe direito absoluto.Pode o Deputado pregar contra o estado democrático? Pode o Deputado ir para as redes sociais e pregar a invasão do Supremo, um Poder constituído ? O velho trocadilho: é imunidade ou impunidade?”, questiona. “Quando o Delcídio foi preso o Renan era Presidente do Senado e me ligou às 6 da manhã. Defendi que o Senado determinasse a soltura imediata do Senador , um direito constitucional. E fui ao Supremo pela manhã ver a Turma convalidar a prisão que havia sido deferida por uma decisão democrática. A Turma convalidou. O Senado resolveu não revogar e abriu o precedente. Entendo a decisão do Alexandre pois o discurso nas redes sociais é criminoso e atenta contra a estabilidade democrática e os poderes constituídos”, relata. “Se a Câmara mandar soltar também estará cumprindo a Constituição. A questão é que este ato de soltar vai impulsionar os fascistas contra o Supremo. Muito grave. E esta Câmara sequer irá cassar este Deputado.Devemos ficar atento pois a fala do Deputado, ofensiva e criminosa, se deu, pretensamente, em defesa de um General que desafiou o Supremo, ou seja é a extrema direita, fascista, se oferecendo aos militares que se sentem tutores da Constituição. É necessário fortalecer e apoiar o Supremo”, encerra.