10/10/2020 - 12:15
A desconfiança com os rumos das contas públicas do governo chegou ao chamado “porto seguro” da dívida brasileira, as LFTs – papéis atrelados à taxa Selic, a taxa básica de juros, considerados de menor risco para os investidores e que lastreiam os fundos de curto prazo (DI).
Para comprar esses títulos, os investidores passaram a pedir uma remuneração acima da Selic (atualmente em 2% ao ano, piso histórico). Esse adicional já bateu em 0,42% ao ano, o equivalente a 42 pontos-base.
Segundo analistas, esse é mais um exemplo dos sinais de deterioração dos indicadores do mercado financeiro diante da falta de resposta do governo e do Congresso à trajetória de aumento da dívida pública. O estresse no mercado de LFTs se segue à forte desvalorização do real, ao aumento dos juros futuros e ao encurtamento dos prazos da dívida pública.
A preocupação com o alta do deságio das LFTs foi citada pelo presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em evento organizado pelo Itaú, na última quinta-feira. Ele apresentou um gráfico mostrando a rapidez desse processo.
“A situação é de estresse fiscal. A dúvida é se a gente volta ou não aos trilhos do gasto no ano que vem”, diz o ex-secretário do Tesouro Carlos Kawall. Atual diretor do ASA Investments, Kawall afirma que o problema com as LFTs indica um estágio mais avançado da piora das condições do mercado. A percepção é que o mercado não tem apetite para financiar um aumento do endividamento que não seja temporário.
O movimento vem desde 11 de setembro e melhorou um pouco após leilão do Tesouro na quinta-feira passada, e também por causa dos sinais dos últimos dias de manutenção do teto de gasto ( a regra que impede o crescimento das despesas acima da inflação) dado pelo governo e lideranças políticas, depois do “jantar da pacificação” entre o ministro da Economia, Paulo Guedes, e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), na segunda-feira.
No leilão de LFTs, o Tesouro conseguiu um alívio na escalada de alta do deságio com a oferta menor desses papéis. Ontem, estava em 0,28%, patamar considerado ainda elevado.
“A sequência é mais ou menos simples. Isso gera um encarecimento do custo da dívida, que fica mais cara. Isso acaba afetando o custo do próprio crédito e gera aumento de juros para o governo, setor privado, para quem está tomando o dinheiro no banco”, explica o ex-secretário do Tesouro.
Kawall alerta para o risco de uma crise de liquidez no segmento de fundos de renda fixa DI, gerando estresse em investidores conservadores que são avessos a risco e que não estão preparados para perdas em um produto sempre considerado isento de risco. “O problema é que, quando o prêmio da LFT abre, tem o risco da cota negativa dos fundos de investimento, o que aconteceu em setembro”, adverte.
Esse mesmo fenômeno ocorreu na crise de 2002. Chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto (Demab) naquela época, Sérgio Goldenstein destaca que as LFTs respondem por 40% da dívida em títulos do governo e ainda são um dos principais instrumentos de financiamento das despesas públicas, sobretudo em momento de crise. “As LFT sempre constituíram os títulos do conforto”, diz Goldenstein, hoje analista independente da Omninvest.
O processo, avalia ele, está atrelado também à queda da Selic. De 2017 a 2019, o Tesouro vendia em média 95% do que ofertava desse papel. Em 2020, a média caiu para 54%. Para ele, o risco desse processo é que o Tesouro está concentrando as suas emissões em títulos de curto prazo, as LTNs. A consequência é uma concentração maior de vencimentos. Segundo ele, só em abril de 2021 os vencimentos de LTNs já somam R$ 270 bilhões.
Procurado, o Tesouro disse que ao longo das últimas semanas houve aumento no prêmio das LFTs negociadas no mercado secundário (que contempla negociação entre empresas e bancos), o que pode indicar que no período recente houve maior fluxo vendedor do título.
O órgão reconhece que, dadas as características da LFT, essa flutuação nos prêmios é muito pouco frequente e tende a ocorrer apenas em momentos em que há um desequilíbrio mais significativo entre a oferta e demanda no mercado secundário. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.