10/04/2018 - 10:00
E squeça a feijoada, a pururuca e a bisteca como únicos pratos à base de carne suína. Para um público cada vez maior, que aprecia novidades da alta gastronomia, a popular carne de porco vem sendo redimida como um produto nobre no prato do consumidor. Em capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte, ela tem feito parte de cardápios renomados, assim como ocorre em grandes steak houses de Nova York ou Madrid, por exemplo. Para os nova-iorquinos, o suíno é item obrigatório em casas como o Il Mulino, o Wolfgang’s ou o Peter Luger, sempre nas listas dos melhores endereços da cidade. No centro de Madrid, o Botín, atração turística como o mais antigo restaurante do mundo, aberto em 1725, serve o “cochinillo” assado, porco de 21 dias alimentado apenas com leite. “O brasileiro também está descobrindo os sabores da carne suína”, diz o pecuarista Valdomiro Poliselli Junior, de 56 anos. “E o melhor, com preço mais acessível que a carne bovina.” Não por acaso, Poliselli tem um projeto de verticalização da produção, para colocar no mercado carne suína destinada a restaurantes de alto padrão. A expertise para vender carne ele já tem em casa. Poliselli é dono da VPJ Alimentos, de Pirassununga (SP), empresa criada em 2004 para comercializar carnes premium de bovinos angus, ovinos dorper e, mais recentemente, frango caipira, criados em parceria com produtores. Na pecuária, como criador de gado, Poliselli começou seu negócio em 1996. Em 2017, a receita da VPJ Alimentos foi de R$ 130 milhões, um aumento de 35% comparado a 2016. “Neste ano, a meta é crescer acima desse percentual”, diz Poliselli. “A carne suína está na nossa estratégia. Vamos ser o melhor produtor do Brasil.”
O projeto da carne suína começou em 2014. Os primeiros resultados surgiram no final do ano passado, quando o pecuarista fechou o ciclo de um ano vendendo cortes de carne no mercado. A primeira fase do projeto, até o fim de 2016, foi a escolha da raça e a montagem de um grupo de fornecedores de animais para o abate. No primeiro caso, a escolha foi a duroc, raça americana de suínos. Ela foi concebida por produtores em 1875, a partir de animais importados de Portugal e da Espanha. Para a VPJ Alimentos, os animais precisam ir para o frigorífico aos seis meses, com peso abatido de até 110 quilos de carcaça. Um macho adulto e castrado pode chegar a 500 quilos. São os leitões jovens que atraem a alta gastronomia, animais com pouca gordura subcutânea e com marmoreio, que é a gordura entremeada no músculo. “Essas características resultam em sabor, suculência e maciez”, afirma Poliselli. “A carne derrete na boca.”
A segunda etapa do projeto era descobrir um grupo de criadores. Eles foram encontrados em Santa Catarina e no Paraná, Estados que abatem cerca de 11 milhões de animais, 25% do total nacional, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). “O principal desafio era encontrar grupos organizados de produtores e com o mesmo tipo de animal”, diz Poliselli. “Isso para garantir a qualidade, o padrão e a escala.” Hoje, 12 criadores entregam suínos para a VPJ Alimentos. Entre eles está o catarinense Helder Luis Flâmia, de Presidente Castelo Branco (PR), que toda semana envia até 80 animais para Poliselli, com cerca de 160 quilos de peso vivo. “Além da genética, outro trunfo para chegar ao padrão VPJ é a alimentação à base de leite, soro de leite e ração à vontade, com alto teor de energia”, afirma Flâmia. “É essa combinação que leva à qualidade.” Os produtores de leitões recebem uma bonificação de até 25%, de acordo com algumas exigências, entre elas padrão genético, peso e qualidade da carcaça. Em fevereiro, eles estavam recebendo da VPJ Alimentos R$ 5,80 pelo quilo. A cotação estava bem acima do preço base de mercado. Em frigoríficos como o Cooper Central Aurora, o Pamplona, o BRF e o JBS, a cotação era de R$ 2,90 a R$ 3,10 o quilo, com bonificação de até 10%.
Para tornar o projeto atraente aos parceiros e aos consumidores, a VPJ Alimentos investiu R$ 3 milhões nos três primeiros anos. O recurso foi utilizado para desenvolver o modelo de genética animal, as embalagens e os 18 cortes de carnes. Entre eles estão picanha, assado de tira, costela, paleta, carré, steak, prime rib e short rib. Mas há também a linguiça e o hambúrguer. “O nosso desafio, com uma oferta grande de cortes, é estimular o consumo que ainda é baixo no País”, diz Poliselli. “Por isso, uma das ideias é apostar também no churrasco de porco.” No Brasil, o consumo anual de carne suína é de apenas 14,7 quilos per capita, menor do que países como Áustria, com 73 quilos, e Espanha, com 67 quilos. É inferior também ao consumo de carne bovina no País, que é de 26,4 quilos, e ao de carne de frango, de 42 quilos. “Mas acredito no crescimento da demanda de cortes especiais e na produção em escala de hambúrgueres de paleta, lombo e pernil”, diz Poliselli. “O mercado ainda não tem esses produtos.”
Para a atual fase do projeto da VPJ Alimentos, a demanda mensal é de 1,1 mil animais. Mas, de olho no aumento, Poliselli comprou um frigorífico, em Itapetininga (SP), no ano passado, para abater suínos e ovinos. Ele não diz quanto investiu, mas a estrutura tem capacidade para abater até 700 animais por dia. De acordo com o zootecnista Adriano Rubio, gerente de originação, o objetivo é incentivar produtores do município paulista e de seu entorno a investir na raça duroc. Hoje, os animais criados em Santa Catarina são abatidos na origem. “Os abates em São Paulo devem começar neste mês de março”, afirma Rubio. “Já estamos trabalhando com um grupo de criadores de suínos de Itu e de Itapetininga.” O desafio é grande. O Estado de São Paulo tem pouca tradição como criador. Em 2016 foram abatidos apenas 1,2 milhão de animais, ante 6,7 milhões de leitões em Santa Catarina, o maior produtor do País. Mesmo assim, de acordo com Poliselli, com a organização dos criadores, ele espera cobrir a demanda de seu frigorífico. “Vamos ajustando conforme o mercado”, diz ele. Atualmente, a linha de cortes, chamada Duroc Red Pork, está em lojas como as da rede Pão de Açúcar, e em especializadas, como o Empório Santa Luzia, na capital paulista. Em restaurantes, ela pode ser encontrada nos cardápios do Barbacoa, do Marche Eataly Brasil, do Santo Dica e do Arimbá, também em São Paulo. E em casas do interior do Estado, como o Vila Itália, em Piracicaba, ou o Zin Bar, em Campinas. “Neste ano, queremos distribuir carne em todo o País”, diz Poliselli. “Mas não vamos perder o foco, que é São Paulo e Rio de Janeiro.”
No restaurante Arimbá, a chef capixaba Angelita Gonzaga começou servindo o steak de nuca da VPJ Alimentos em 2017. Depois, colocou no cardápio o assado de tiras e a paleta. “A carne suína é magra, saudável e as pessoas estão descobrindo o seu sabor e a sua versatilidade”, diz Angelita. “É bom que ela seja selecionada, macia, em porções padronizadas e com controle de qualidade.”
Os cortes especiais da vpj:
Mas, no universo gastronômico, a grande estrela do momento é o chef Jefferson Rueda, que em outubro de 2015 abriu no centro de São Paulo a Casa do Porco. Em 2017, o restaurante serviu 14 mil clientes por mês, cerca de 30% acima de 2016. “A carne suína pode ser consumida de todas as formas”, afirma Rueda. “Do tartar ao sushi.” Ambos os pratos são à base de carne crua, receitas impensáveis até pouco tempo atrás. Para Rueda, oferecer esse tipo de comida é uma forma de derrubar mitos, como o de que o porco provoca doenças, entre elas a cisticercose causada por um parasita. “Eu me preocupo com toda a cadeia, do que o animal come até o corte que chega ao restaurante”, afirma ele. Rueda tem nove fornecedores exclusivos, todos no interior paulista. A carne preparada por ele tem ganhado elogios de celebridades. Um deles é do chef catalão, Ferran Adrià, 55 anos, dono do lendário restaurante El Bulli, três estrelas no guia francês Michelin, fechado em 2011 depois de 27 anos. No mês passado, Adrià esteve em São Paulo e não perdeu a oportunidade de se encontrar com Rueda para jantar na Casa do Porco.