01/06/2012 - 0:00
Há solução? Com uma dívida de R$ 42 bilhões e sem incentivo fiscal, setor está agonizando
Nos últimos dez anos, o mercado brasileiro de etanol viveu duas situações completamente opostas: a prosperidade e a crise. A era positiva começou a ganhar forma no início dos anos 2000, quando a tecnologia flex – que permite abastecer os veículos com gasolina ou álcool – chegou às linhas produção das montadoras instalados no País. Em 2004, por exemplo, oito de cada dez automóveis que saíam das concessionárias possuíam motores bicombustíveis. Não por acaso, o etanol de cana-de-açúcar se tornou um dos principais cartões de visita do governo Lula mundo afora. Diante da instabilidade do petróleo e da necessidade global de reduzir as emissões de gases poluentes, o combustível brasileiro parecia uma grande oportunidade de bons negócios. Parecia. O que poucos puderam vislumbrar é que, anos depois, o setor viveria a mais grave crise de sua história, com o fechamento de usinas, endividamento gigantesco, problemas climáticos, ausência de um marco regulatório e instabilidade de preços, entre outros obstáculos. Diante desse cenário, mesmo depois de crescer a uma taxa média de 10,4% ao ano, entre as safras de 2000/2001 e 2007/2008, as usinas colocaram o pé no freio e desenharam um futuro ainda mais sombrio para a indústria do etanol. Sombrio não é uma definição exagerada. Segundo especialistas no setor sucroalcooleiro, sem uma política pública de incentivo ao etanol, a cadeia produtiva de combustíveis verdes pode desaparecer em poucos anos. “Estamos vivendo a idade da pedra no setor sucroenergético”, diz Arnaldo Corrêa, gestor de riscos em commodities agrícolas da Archer Consulting. “Todo o otimismo em torno desse mercado, seja por parte dos consumidores, seja pelos usineiros, se tornou uma grande decepção”. Atualmente, mais de 20% das usinas de açúcar e álcool do Centro-Sul do País estão à venda.
ARNALDO CORRÊA, DA ARCHER CONSULTING: “Estamos vivendo a idade da pedra no setor sucroenergético”
As perspectivas desanimadoras do mercado de etanol se explicam por uma única razão: baixa rentabilidade. De 2008 para cá, o custo de produção do etanol subiu 46% e a produtividade encolheu 13% – para cerca de 11 toneladas por hectare. Por essa razão, é quase uma unanimidade no campo a afirmação de que produzir combustível a partir da cana-de-açúcar é hoje um péssimo negócio. Com o etanol a R$ 1,70 nas bombas dos postos de combustíveis, por exemplo, a margem de lucro do usineiro varia entre zero e 1%, segundo estimativas da Archer Consulting. “A margem pode, em alguns casos, ficar negativa em 10%”, afirma Corrêa. “Os produtores estão pagando para vender etanol, e só ainda não quebraram porque o açúcar, por enquanto, compensa essas perdas.”
Não bastasse a baixa rentabilidade do etanol, o elevado endividamento das usinas desencoraja as empresas do setor a investir em aumento da produção. Superendividadas, as empresas não têm conseguido crédito para financiar a produção. Somadas as dívidas das 20 maiores usinas de processamento de cana-de-açúcar chegase à cifra de R$ 42 bilhões, segundo estudo do Itaú BBA, o que representa o equivalente ao faturamento de duas safras e meia. Ou seja, para quitar esse passivo, seria necessário vender toda cana plantada até 2015, sem gastar mais nenhum centavo. “A produção está muito abaixo da capacidade de moagem”, diz Pedro Collegari, superintendente da usina Dracena, no interior paulista. “E operar com volumes menores que os ideais provoca aumento de custos de produção e torna a atividade economicamente inviável.”
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Existe ainda um outro fantasma assombrando os canaviais brasileiros: a gasolina. Além de todas as dificuldades operacionais da indústria do etanol, os usineiros alegam que o controle de preços por parte do governo impede que os custos de produção sejam repassados ao preço final do derivado do petróleo. Isso porque, quando o litro do etanol supera 70% do valor da gasolina, deixa de ser vantajoso ao consumidor que possui carros flex. “O governo brasileiro estimulou o crescimento do setor de biocombustíveis, mas virou as costas quando percebeu que precisaria incentivar o setor com benefícios fiscais”, diz Everaldo Souza, economista da FR Consultoria Agrícola. “Agora essa indústria está agonizando, sem que nada seja feito para garantir a existência das usinas nos próximos anos.”
A desvantagem do etanol em comparação à gasolina não significa que esse combustível seja barato no Brasil. Muito longe disso, o preço do litro no País está entre os mais caros do mundo. O problema é que 55% do preço pago pelo consumidor referem- se a impostos. Os 45% restantes cobrem o preço cobrado pela Petrobras e às refinarias, transporte e margens de lucro. Sem impostos, a gasolina custaria aproximadamente R$ 1,30, enquanto é cobrado R$ 2,75, na média nacional. “Ninguém, em sã consciência, vai investir em produção de etanol diante de um cenário como este”, afirma Corrêa, da Archer Consulting. Sem dinheiro em caixa, endividadas, com margens girando em torno de zero e com condições climáticas instáveis, as usina viram a colheita de cana-de-açúcar na última safra cair 12% na região Centro-Sul, responsável por 90% de toda a produção nacional de etanol. Para 2012, a perspectiva é o que esse mau desempenho se repita. Em números, isso representa uma ociosidade de até 150 milhões de toneladas de cana. “Nossa esperança era de que o cenário melhorasse um pouco neste ano, mas não há qualquer sinal de mudança”, afirma Antonio de Pádua Rodrigues, presidente interino da União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica).