Leonardo Afonso Angeli Menegatti, diretor da Associação Brasileira de Agricultura de Precisão, fala sobre o futuro da agricultura

Dentro de alguns anos, a agricultura como ela é praticada nos dias atuais estará apenas nos livros de história. Uma revolução ruidosa no campo vem acontecendo com a agricultura de precisão, ou agricultura digital, na qual as informações captadas por satélite em uma propriedade, interligadas por sistemas de processamento de dados e dispostas em tablets e computadores, estão levando mais produtividade ao campo. “Daqui a alguns anos, toda a agricultura brasileira será de precisão”, diz o agrônomo Leonardo Afonso Angeli Menegatti, diretor da Associação Brasileira de Agricultura de Precisão (Abap), e CEO da InCeres, empresa do setor com sede Piracicaba (SP). A Abap, que nasceu em abril deste ano, reúne pesquisadores, consultorias e empresas fornecedoras de serviços e insumos.

No ano passado, a estimativa é a de que a tecnologia tenha crescido 20% no País, chegando a cerca de sete milhões de hectares monitorados. Isso equivaleria somente a 12% da área cultivada com grãos. O conceito de agricultura de precisão, porém, não é novo. Os fundamentos teóricos iniciais surgiram em 1929, nos Estados Unidos, e se tornaram mais conhecidos e estudados a partir da década de 1980. No Brasil, esse movimento embrionário viria a ocorrer uma década depois. Hoje, ela é uma fronteira que começa a ser rompida.  “A agricultura de precisão serve a todo produtor, independente do tamanho da propriedade”, disse Menegatti em entrevista à DINHEIRO RURAL.

DINHEIRO RURAL – Qual é o cenário atual da agricultura de precisão no Brasil?
LEONARDO AFONSO ANGELI MENEGATTI  –
Está crescendo. Estimativas e pesquisas de mercado por amostragem indicam um aumento de 20%, em área, de 2015 para 2016. Ou seja, somente sete milhões de hectares estão na agricultura de precisão.

RURAL – Depois de uma quebra de safra, como ocorreu no ciclo passado, o que faz a Abap acreditar no crescimento da agricultura de precisão?
MENEGATTI –
A tecnologia avança com a dificuldade do agricultor. Eu comparo a agricultura de precisão com o plantio direto. Tem produtores que ainda não fazem, mas toda a tecnologia de produção se expande a partir dele. Ninguém mais vai usar o termo agricultura de precisão, em um futuro próximo, pois ela será um conceito absorvido pelos produtores. Daqui a alguns anos, toda a agricultura brasileira será de precisão.


Versatilidade: mais utilizada entre os produtores de grãos, tecnologia pode gerar riqueza entre pequenos produtores

RURAL – A agricultura de precisão é acessível a todos os produtores?
MENEGATTI –
A agricultura de precisão serve a todos, independente do tamanho da propriedade. Há empresas no mercado que se dedicam a atender propriedades de até 15 hectares e com diversas culturas. E elas têm crescido, ao focar nesse perfil de cliente. Há muito dinheiro para vir à tona, à medida que as pequenas propriedades do País aderirem à agricultura de precisão.

RURAL – Qual é o custo e os resultados em produtividade da aplicação dessa tecnologia?
MENEGATTI –
O custo em investimento está em torno de R$ 25 a R$ 30 por hectare, para o estudo da área e a compra de um controlador de aplicação de insumos. Quem é bem assessorado consegue evitar desperdícios de insumos e ganhar em produtividade. Na soja, o produtor pode ter um acréscimo de duas sacas por hectare. Na cana-de-açúcar, o aumento é de até cinco toneladas por hectare. Na agricultura convencional, a aplicação de insumos se dá pela média obtida em uma análise de solo, com a precisão isso muda. Por isso, é um equívoco pensar na agricultura de precisão só como uma questão de máquinas. Ela é a interação entre planta, solo e clima.

RURAL – A agricultura de precisão pode minimizar os efeitos climáticos?
MENEGATTI –
Sim, porque, com a agricultura de precisão, a análise climática vem junto com a de solo. É possível manejar a área plantada e colocar a quantidade certa de nutrientes e na profundidade adequada para aumentar a resistência à seca. Hoje, somente quem tem áreas irrigadas controla a quantidade de água que uma cultura recebe, mas elas são uma parcela pequena da agricultura brasileira.

RURAL – Quanto tempo é necessário para implantar um projeto de agricultura de precisão?
MENEGATTI –
A coleta de solo para análise e os mapas da área a ser monitorada demoram em torno de um mês. Geralmente, são decisões tomadas após a colheita da safra. Terminada essa etapa, o produtor define com o agrônomo o plano para o solo. Mas já há informação disponível que pode ser útil. Hoje, se um produtor quiser imagens de satélite de sua lavoura, de safras passadas, possivelmente conseguirá com uma empresa que contrata um serviço de captação de imagens de satélites. Assim, já dá para investigar as causas de determinada área de cultivo ter se desenvolvido menos ou mais.  Em relação aos equipamentos, muitos agricultores já têm na propriedade o básico necessário, porque tecnologias como o GPS, por exemplo, estão embarcadas nas máquinas há quase dez anos. Em geral, o único equipamento que pode faltar é um controlador de aplicação de insumos.

RURAL – Quais os setores com maior participação na agricultura de precisão?
MENEGATTI –
A agricultura de precisão está preponderantemente na produção de grãos, em especial na região do Cerrado, no Centro-Oeste. Os produtores de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo também utilizam, embora os períodos de medição sejam diferentes, pois a renovação do canavial é feita apenas a cada cinco anos. No caso dos grãos, o ideal é fazer a avaliação do solo a cada dois anos, o que geralmente equivale a quatro safras entre soja, milho e algodão.

RURAL – Quais são hoje os grandes centros de pesquisa de agricultura de precisão no País?
MENEGATTI –
O município de Piracicaba, por conta da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP), é pioneiro. Foi ela que, em 1999, realizou o primeiro Congresso Brasileiro de Agricultura de Precisão. Santa Maria, no Rio Grade do Sul, também é um polo importante por causa da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). As cidades mineiras de Lavras e Viçosa, com suas universidades federais, são menos proeminentes, mas também realizam um trabalho local importante. De forma mais descentralizada, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) tem um papel forte.

RURAL – Como é a oferta de mão de obra para esse segmento?
MENEGATTI –
A formação de mão de obra para desenvolver e aplicar projetos é um problema. A Abap está tentando levantar quais são as faculdades de agronomia que já têm suas grades curriculares conteúdo sobre o tema, mas já sabemos que isso ocorre em um número ainda bastante restrito de universidades. A pequena inserção do tema agricultura de precisão no universo acadêmico é um limitador ao seu crescimento.


Cana: setor é exemplo de uso da agricultura de precisão para a renovação das áreas plantadas

RURAL – O que a Abap tem feito para divulgar a agricultura de precisão?
MENEGATTI –
No mês passado, organizamos o 7o Congresso Brasileiro de Agricultura de Precisão, em Goiânia (GO). Assumimos esse congresso, depois que ele passou por vários organizadores nos últimos anos.  O número de participantes mais que dobrou em relação ao de 2014, em Ribeirão Preto (SP). Foram 511 congressistas, ante 200. Além disso, havia 38 expositores de produtos.

RURAL – Qual a contribuição do governo ao setor?
MENEGATTI –
Na época do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o então Ministro da Agricultura Roberto Rodrigues deixou como diretriz para a pasta organizar a agricultura de precisão. Assim surgiu a Comissão Brasileira de Agricultura de Precisão, que é um órgão consultivo, formado por profissionais ligados ao setor. A necessidade de criação da Abap veio justamente desse diálogo na comissão. Percebemos a importância de reunir, fora da esfera pública, acadêmicos, fornecedores, indústria e prestadores de serviço, como agrônomos e consultores. Aliás, o prestador de serviços é fundamental porque é quem  leva a informação ao produtor.

RURAL – A Abap possui hoje alguma reivindicação política para o setor?
MENEGATTI –
O Projeto de Lei do Senado PLS-330/2013, que dispõe sobre a “Proteção, Tratamento e Uso de Dados Pessoais” é uma preocupação para os profissionais da agricultura de precisão, mesmo que ele seja um projeto para toda a sociedade. Procuramos os senadores para mostrar-lhes que a agricultura é impactada por essa proposta. O ponto nevrálgico do PLS é a proposta de restrição a dados classificados como pessoais.

RURAL – Qual o impacto para esse setor?
MENEGATTI –
Os estudos da agricultura de precisão dependem de dados para evoluir.  Hoje, a partir de uma análise de solo, por exemplo, é possível descobrir em um cartório quem é o dono das terras. Com esse PLS, um mapa de produtividade se torna um dado pessoal e não uma informação pública. Para a Abap é preciso manter livre o acesso a esses dados.