15/08/2018 - 12:11
“Da primeira vez que dormi num curral, almocei com uma comitiva de fazenda e tomei banho com água de bebedouro de boi, eu nunca mais quis voltar pra cidade.” O dono da frase é o analista de comércio internacional, Ilson Correa, 65 anos, que se diz muito mais confortável em sua atual profissão: diretor de fazenda. “Naquele dia eu descobri a minha vocação”, afirma ele. Correa se refere a essa passagem, ocorrida no final dos anos 1970, como um divisor de águas em sua vida. Atualmente, ele comanda os negócios rurais do empresário gaúcho Pedro Grendene, dono do grupo calçadista Vulcabras Azaleia, uma potência que faturou R$ 1,3 bilhão no ano passado e para quem Correa trabalha desde 1981. “Sempre pensei no melhor para a minha carreira e optei por ficar com quem estava crescendo.” Hoje, a Ressaca, nome da mais importante fazenda de Grendene, é referência em sistema Integração Lavoura-Pecuária (ILP), no Pantanal mato-grossense, em Cáceres, município que existe desde o fim dos anos 1700 e é patrimônio histórico-cultural do País.
Correa é um exemplo de profissional que trocou de carreira no ano de 1977, quando foi trabalhar em um frigorífico, em uma época na qual o feito era uma ousadia. Hoje não mais. Nos dias atuais, as empresas do setor do agronegócio buscam por diversidade em seu quadro de funcionários, contratando advogados, economistas, engenheiros, matemáticos e marqueteiros. Alexandre Moreno, diretor da Syntese, consultoria paulista especializada em desenvolvimento humano, diz que o atual ambiente de negócio necessita desse modelo de visão ampla, mais do que em outros tempos. “As empresas querem pessoas menos especializadas e com um olhar mais abrangente nos cargos de liderança”, afirma Moreno. “A busca é por líderes com uma visão holística, com conhecimentos em marketing e comércio exterior, por exemplo.” De acordo com o consultor, no setor de grãos, há uma grande demanda por líderes em regiões de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás e na nova fronteira agrícola formada pelo Maranhão, Tocantins e Piauí. “É uma chance de ouro poder desbravar novas áreas e ser protagonista desse momento em que o campo busca aumentar a produtividade”, diz ele. “Além disso, o custo de vida é mais acessível e os salários mais competitivos nessas regiões.” Há, também, procura por profissionais para os segmentos sucroenergético e frigoríficos em São Paulo. Em Minas Gerais, a demanda é na cafeicultura.
No caso de Correa, sua liderança foi determinante para que Grendene fizesse mudanças radicais em seu negócio. Um dos trabalhos de maior impacto foi reordenar o modo de criação do gado, a partir de meados dos anos 1990. “Na época, ou íamos para o gado de campo, para produzir touros, ou não íamos muito longe”, diz Correa. Grendene, que criava, em Andradina (SP), gado de elite com foco em exposições agropecuárias, acabou com esse projeto e passou a apostar todas as fichas na fazenda Ressaca, propriedade de 37 mil hectares. Em São Paulo são sete mil hectares que foram para a cana-de-açúcar.Em Mato Grosso, o rebanho é de 28 mil animais da raça nelore, dos quais 12 mil são puros de origem, selecionados em programa de melhoramento genético. Não por acaso, Grendene se tornou um dos maiores vendedores de touros do País, com 1,3 mil reprodutores por safra. Para mudar o perfil do negócio, Correa, que tem família no interior paulista, passou a morar metade do mês na Ressaca. Mas a maior transformação foi mesmo a decisão de apostar na ILP, em 2015, em uma nova visão de preservação do Pantanal, bioma onde o cuidado com o ambiente é pauta obrigatória na gestão do negócio. A ILP, por exemplo, ajuda a melhorar a estrutura física do solo, favorecendo a fertilidade. O cultivo de soja tem dois mil hectares por safra. A produtividade é de 66 sacas por hectare, volume 18,3% acima da média do Estado. E mais, a lavoura cultivada na área de pasto tem ajudado a melhorar os índices da pecuária. “É preciso inovar nos usos da terra que vêm para o bem da pecuária”, diz ele. “Com a integração, passamos de três animais por hectare para cinco animais por hectare.”
Para colocar seu plano em marcha, Correa diz que a formação de equipes sempre foi fundamental. São 140 funcionários que atualmente têm um perfil diferente de quando a propriedade lidava apenas com o gado. “O desafio é formar uma boa equipe e mantê-la”, afirma ele. “É importante valorizar as pessoas, criar motivação para que continuem no projeto e remunerá-las de forma justa.” Para fazer a passagem da pecuária para a ILP, e para qualquer decisão a tomar, Correa busca talentos na própria empresa e fica de olho nas pessoas que se destacam e evoluem junto com o projeto. “Sempre procurei me cercar de pessoas competentes”, diz ele. “Isso ajudou muito.” Ele também se refere a todo o tipo de apoio, inclusive externo. No caso da pecuária, por exemplo, as decisões são sempre compartilhadas com o zootecnista William Koury, da BrasilComZ, consultoria em melhoramento e gestão genética de bovinos. “Não vejo conflito entre equipes”, diz Koury. “Mas uma fazenda de pecuária, que introduz agricultura, demanda uma gestão mais eficiente, em função do ciclo rápido da atividade. Mas elas se encaixam perfeitamente.” Por conta dessa sinergia em andamento, Correa diz que a sua tarefa está quase cumprida e que o tempo da aposentadoria começa a se aproximar. Mas não sem antes executar mais uma tarefa. O principal leilão de Grendene, criado há seis anos para vender mil touros, deve dar um salto em 2022. Até lá, a meta é vender dois mil touros em um único leilão. “Continuo, já comecei a preparar o meu substituto e tudo está bem encaminhado”, diz ele. “A fazenda continua em frente.”