SUCESSÃO NA LAVOURA: na família Wiedtheuper, Waldemar passou o comando da fazenda para o filho Alexandre

Alexandre Wiedtheuper, filho de Waldemar Wiedtheuper, é quem cuida do dia a dia da lavoura de milho e soja da família, que contabiliza 1.300 hectares. Descendente de imigrantes alemães, Waldemar trabalhou muito tempo como funcionário de uma fazenda. Mas em 1965 resolveu usar as economias e comprou junto com o patrão 12 hectares de terra. O investimento deu tão certo que, passados alguns anos, Waldemar desfez-se da parceria e começou a tocar o negócio sozinho. Atento às oportunidades, sempre que dava, comprava mais um pedaço de terra. Toda esta ligação com a agricultura acabou contagiando o filho, que se formou em agronomia. Em 1995, Waldemar passou para Alexandre a direção de uma parte da fazenda, 404 hectares. “Naquela época, a área era pequena e sobrava tempo. Eu era mais empregado do que patrão e pensava ‘posso fazer coisa mais rentável do que ficar o dia todo no trator'”, relembra. Esta percepção levou o agrônomo a percorrer o Brasil. De 1995 a 2001, Alexandre foi para o Piauí e Mato Grosso avaliar oportunidades de negócio. Mas o pai não queria que ele fosse embora e, em 2001, passou a gerência da fazenda.

“Minha vontade era que o meu filho Leandro fosse agrônomo, mas ele fez ciências contabéis”

JOÃO ILAIR DE SOUZA, agricultor em Não-Me-Toque (RS)

Hoje a Agropecuária Wiedtheuper é uma sociedade de Waldemar, Alexandre e Marinês, uma das irmãs de Alexandre, mas o patriarca tem a maior parte das terras. “Eu e minha irmã ganhamos em cima da área que temos. Estipulamos um salário anual de R$ 100 mil para cada um; o que sobra, sentamos e decidimos aonde investir”, explica o agrônomo. A unificação da gestão reduziu os custos, já que antes era tudo dividido por dois: duas sedes, duas turmas de funcionários, o dobro de maquinários. Hoje, Waldemar e Mercísio Schmitt, o marido de Marinês, ficam no escritório, enquanto Alexandre coordena as operações na fazenda. Mas a palavra final sobre decisões estratégicas continua sendo de Waldemar.

A história dos Wiedtheuper é a de uma sucessão familiar com final feliz. Este, no entanto, não é o caso mais recorrente no Brasil rural. A maioria dos jovens que nasceu em comunidades agrícolas já não quer seguir os passos dos pais e sonharam com uma vida diferente, na cidade. Esta nova realidade tem refletido nos números. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 40, 69% da população brasileira estava no campo, e agora a porcentagem é 17%. Mas o declínio populacional na zona rural é um fenômeno mundial. Estimativas da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) apontam que em 2010, pela primeira vez na história, a população urbana mundial superará a rural com a marca de 51,3% dos habitantes do globo. Uma das explicações é a concentração no campo. Os herdeiros de pequenas propriedades agrícolas que não dão uma rentabilidade mínima, na maioria das vezes, optam por vender a terra para o vizinho. Conclusão: os grandes fazendeiros ficam cada vez maiores e os pequenos se tornam exceção, a exemplo do que aconteceu nos EUA, que já tiveram 20% da população no campo e hoje têm apenas 2%. Atento a esta tendência, a Cotrijal, cooperativa agropecuária que congrega 4,6 mil associados na região de Não-Me- Toque (RS), está com uma série de programas para despertar o interesse dos jovens pela agricultura. Em 2002, a cooperativa lançou o Encontro de Jovens Produtores, já que uma pesquisa interna apontou que 67% dos filhos dos associados têm entre 11 e 30 anos. “Começamos a trabalhar o jovem para que ele permaneça no campo”, diz Nei César Mânica, presidente da Cotrijal, que viu na sua própria casa os filhos seguindo rumos diferentes.

No caso de Mânica, suas duas filhas nunca tiveram vocação para a terra. Já o seu filho, possuía uma certa predisposição, mas foi incentivado por ele a fazer engenharia civil. “Eu sempre gostei de construção e acabei influenciando”, diz. A história do presidente chega a ser engraçada. Afinal, de um lado ele tem a missão de coordenar um programa que visa, justamente, fixar o jovem no campo. Por outro, se viu diante do dilema de dar ao filho a oportunidade de ampliar os horizontes com a vida na cidade. Onde está o melhor caminho? A resposta é complexa e cada caso é um caso. Não implica apenas decidir entre ficar ou não no campo, mas uma série de fatores que envolvem desde a escolha de uma carreira até mesmo a autonomia dos filhos dentro da propriedade.

Produtor de milho e soja, Mânica tem experiência para tratar do assunto sucessão. Como tantos outros filhos de agricultores, ele teve de conquistar a confiança paterna para tomar a frente dos negócios. Hoje, como pai de família, vive na pele o drama de orientar seus descendentes. Com uma propriedade profissionalizada e tecnificada, seus filhos poderão ser donos da terra e administrá- la em paralelo às suas carreiras na cidade. Na região de Não-Me-Toque, a resistência dos pais às ideias inovadoras da juventude é ainda mais forte, devido à colonização europeia. Por isso, a Cotrijal está montando um programa e levará pais e filhos para conhecer novos modelos de gestão. “A intenção é que haja uma integração na família e o filho comece a assumir a propriedade gradativamente”, diz Mânica, que em sua própria casa terá de resolver o mesmo problema.

TECNIFICAÇÃO: a tecnologia tem permitido conciliar a administração da lavoura com o trabalho na cidade

Na família de João Ilair de Souza, a história se repete. Seus filhos, Leandro e Laércia, seguiram caminhos diferentes do agricultor, que conquistou tudo o que tem com o trabalho na lavoura, hoje cerca de 260 hectares. “Minha vontade era que o Leandro fosse agrônomo, mas ele fez ciências contábeis”, diz Souza. O fato é que o primogênito não tem a mesma vocação do pai. “No futuro, eu me vejo assumindo, mas quero conciliar um trabalho na cidade com a administração da fazenda”, diz Leandro. Enfim, o êxodo rural é uma realidade e é preciso medidas para manter a população no campo.

Um exemplo vem da Comissão Europeia, que anunciou para até 2010 a prioridade de conectar 30% de sua população rural à internet de banda larga. O Brasil precisa seguir o mesmo exemplo. Se o governo quiser manter a população no campo, terá que dar infraestrutura e parar de tratar o agricultor como Jeca Tatu. Afinal, os jovens estão conectados e não têm nenhuma relação com o personagem preguiçoso criado por Monteiro Lobato. Pelo contrário. Para trabalhar no campo, é preciso ter qualificação, já que as máquinas hoje vêm com computador de bordo e Sistema de Posicionamento Global (GPS).

ESTRATÉGIA: como presidente da Cotrijal, Mânica tem incentivado os programas para conter o êxodo rural