Os últimos anos não foram fáceis para o setor sucroenergético brasileiro. De acordo com a União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), desde 2008, 66 usinas suspenderam suas atividades ou fecharam definitivamente as portas no Centro-Sul do País. A região é a principal produtora de etanol, açúcar e bioeletricidade, responsável por 90% da produção nacional, mas na safra 2014/2015 a moagem foi de 571,3 milhões de toneladas de cana, volume que representa uma queda de 3,8% ante a safra 2013/2014. Com o fechamento de mais de 80 mil postos de trabalho, o setor se endividou e afundou em uma grave crise que parecia não ter fim. Porém, nesta safra, a tempestade vem dando indícios de que está amainando e o segmento começa a enxergar uma saída para a crise. Os reajustes sobre os preços da gasolina, anunciados pela Petrobras no final do mês de setembro, a volta da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide), o aumento da mistura de etanol anidro na gasolina e o bom momento do mercado global de açúcar deram um novo ânimo aos produtores. A previsão de colheita da safra 2015/2016,  iniciada em outubro é de 655 milhões de toneladas, dos quais 590 milhões no Centro-Sul. “Tudo indica que o pior da crise já passou, mas precisamos ter cautela”, diz Plínio Nastari, presidente da Datagro, de São Paulo, consultoria em bioenergia do País.

A cautela de Nastari tem fundamento. Nos últimos seis anos, o setor acumulou uma gigantesca dívida de cerca de R$ 90 bilhões, alimentada pelo congelamento dos preços dos combustíveis e pela baixa no ciclo do açúcar, um setor que passou os últimos quatro anos com superávit mundial na produção e consumo em queda. De acordo com Nastari, a situação que já era ruim, se agravou porque o governo federal não tinha uma visão de longo prazo para o segmento, não reconhecendo a importância do papel do etanol e da bioeletricidade como parte integrante da matriz energética. “Não há uma política fiscal clara na área de combustíveis, nem critérios de precificação na refinaria”, afirma Nastari. “Sem essas definições, o setor privado não tem condição de montar uma estratégia de investimentos consistente.”

Na tentativa de tirar o setor da crise, o governo anunciou algumas mudanças neste ano. A principal delas foi o retorno da Cide, tributação cobrada sobre os combustíveis e que era uma das grandes reivindicações do setor. O imposto foi criado em 2000, com a tributação de R$ 0,28 por litro de gasolina. Mas ela foi sendo reduzida gradualmente, até que chegou a zero em 2012. Com o retorno, a partir de fevereiro, o governo fixou a contribuição em R$ 0,22 por litro. Porém, boa parte dos produtores de cana-de-açúcar contestou o tributo porque o valor repassado foi visto como insuficiente. Para a Datagro, dois motivos fizeram com que o impacto da Cide fosse irrisório para o setor produtivo: considerando a correção da inflação nos últimos anos, o valor mínimo do tributo deveria ser de R$ 0,45 por litro; e para desovar o grande estoque de etanol guardado nas usinas durante a safra, elas não repassaram ao consumidor de etanol hidratado o valor do tributo para que a relação entre os dois combustíveis se tornasse atraente na bomba dos postos. “A Cide foi importante, mas não o suficiente para resolver os problemas acumulados”, diz Nastari.

Para reverter essa situação, a Unica encaminhou em setembro ao governo federal um documento no qual a entidade expõe o que seria necessário para aumentar a competitividade do setor sucroenergético. A primeira medida seria justamente aumentar a Cide na gasolina para R$ 0,60 por litro. A mudança geraria uma receita de R$ 14,9 bilhões, sendo R$ 5,5 bilhões apenas em Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Segundo Elizabeth Farina presidente da Unica, a recomposição da Cide é uma demanda recorrente do setor, pois o aumento do tributo tende a abrir uma remuneração potencial para o segmento, retomando a produtividade e a rentabilidade. “Há muitos anos essa reivindicação está na agenda da Unica”, afirma Elizabeth. “É muito importante debater o tema exaustivamente porque essa tributação é claramente um imposto sobre o carbono.”  


“A Cide foi importante, mas não o suficiente para resolver os problemas acumulados” Plínio Nastari, presidente da Datagro

ALÍVIO NAS CONTAS

Além do retorno da Cide, o reajuste de 6% no preço da gasolina em setembro já começou a dar mais um respiro de alívio ao setor da cana-de-açúcar. Com o preço do combustível fóssil mais alto, a receita das usinas deve aumentar em até R$ 6 por tonelada de cana-de-açúcar processada. Outro fator de impacto tem sido o aumento da mistura de etanol anidro na gasolina, de 25% para 27%, gerando um aumento da demanda de etanol de cerca de um bilhão de litros anuais. No ano passado, o País produziu 28,6 bilhões de litros do biocombustível. Para Alexandre Figliolino, diretor de agronegócios do Itaú BBA, com essas alterações a situação parece mais controlada, a oferta começou a ficar mais regulada e os preços do etanol tiveram uma boa melhora, com um aumento médio de quase 20% nos últimos dois meses. “Este ano tivemos uma safra alcooleira, e esperamos que o ambiente continue favorável”, afirma Figliolino. De acordo com o executivo, as usinas também vêm contando com um cenário mais favorável para o açúcar no mercado mundial. Para a safra 2015/2016, o déficit na produção está projetado em 2,3 milhões de toneladas. “Com o aumento da demanda mundial por açúcar, o nosso País terá grandes oportunidades”, diz o diretor.


Mudanças: setor cobra política fiscal mais clara na área de combustíveis e novos critérios de precificação nas refinarias

Para o Brasil, maior produtor mundial de açúcar com 35,8 milhões de toneladas e que na safra 2014/2015 exportou 24,2 milhões de toneladas do produto, o ciclo de alta da commodity coincide com uma elevação na taxa de câmbio, o que deixa o País mais competitivo lá fora. “Com a indicação de desaceleração da produção da cana-de-açúcar de países importantes, como a China e a Tailândia, o Brasil poderá navegar em mares mais tranquilos”, afirma Figliolino. No caso dos chineses que previam na safra 2014/2015 uma produção de 13,3 milhões de toneladas, a retração de quase um milhão de toneladas é atribuída à queda de produtividade nas lavouras. Já os tailandeses, devido a forte estiagem, tiveram uma diminuição na produção de 9,7%, alcançando 10,2 milhões de toneladas no mesmo ciclo. “Para os próximos anos, tudo indica que está surgindo um céu de brigadeiro para o setor”, diz Figliolino. “Mas, em função do endividamento de algumas empresas, essa recuperação deve levar um tempo maior, por conta das perdas acumuladas.” úlmos seis anos.”


“Com o aumento da demanda mundial por açúcar, o nosso País terá grandes oportunidades” Alexandre Figliolino, diretor do Itaú BBA