Nas férias, as universidades brasileiras ficam vazias. Somente a Universidade de São Paulo (USP) deixa de receber, todos os dias, 89 mil alunos em seus vários campi. Mas em Pirassununga, a 200 quilômetros da capital paulista, numa fazenda de 2,3 mil hectares que abriga as faculdades de veterinária, zootecnia e engenharia de alimentos, mesmo nas férias os portões da USP raramente se fecham. Simplesmente porque os projetos de pesquisa em diversas áreas de saúde e reprodução animal não param. A passagem livre foi o mote para que a MSD, a unidade de negócios global de saúde animal do grupo farmacêutico americano Merck, fechasse uma parceria com a universidade. Entre os dias 2 e 6 de julho, voltaram às aulas 120 veterinários e zootecnistas da multinacional, que atuam no campo diretamente com os fazendeiros de sua unidade de pecuária.

Foi a primeira vez que um dos cursos da universidade corporativa da MSD, batizado internamente de intertemporada técnica, aconteceu dentro de um campus universitário. A intertemporada existe há três anos. “Fizemos dois movimentos neste ano”, diz Sebastião Faria Júnior, gerente técnico de pecuária da MSD. “O primeiro foi levar o curso para dentro da universidade. O segundo foi mudar o foco de saúde animal, que é o centro de nossa área de negócios, para nutrição e a sua influência na reprodução.”

Quatro professores da própria USP, um da Universidade de Alfenas (MG) e outro da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, foram convidados a dar aulas. “Montamos um conteúdo técnico com foco na atualização de processos”, diz Francisco Rennó, do Departamento de Nutrição e Produção Animal da USP e coordenador do evento da MSD.

A intertemporada técnica foi dividida em cinco módulos: gado de corte, gado de leite, reprodução, equinos e clínica médica. Temas como planejamento de pasto, dieta no confinamento e eficiência do sistema de engorda fizeram parte do módulo de gado de corte, coordenado pelo professor do laboratório de pecuária da USP, Luis Felipe Prada e Silva. “O pecuarista que gasta dinheiro para produzir um pasto e precisa de eficiência na colheita do capim”, diz Prada e Silva. “O manejo é fundamental.” Por isso mesmo, para o veterinário Roberto Gomes, de Alegrete (RS), que atende o confinamento do Marfrig no Estado, o profissional que domina a nutrição e os seus efeitos nas contas da fazenda tem espaço em qualquer lugar. Gomes já participou de três temporadas técnicas. “É um tempo de imersão total”, diz Gomes.

O zootecnista Jonatan Lopes também participou das três temporadas e diz que aprimorar-se é o seu foco no trabalho. Lopes trabalhava na região de Sinop, em Mato Grosso, mas há quatro meses pediu para ser transferido para Porto Velho, em Rondônia, de onde atenderá também o Acre. Nessas áreas, o agronegócio está mudando rapidamente. Hoje, as fazendas crescem verticalmente, por meio de tecnologias. Estão deixando de ser horizontais, com aumento da produção somente em função da expansão de área. “A informação que levo ao campo pode ajudar mais no negócio do produtor do que uma vacina”, diz Lopes. “Para vender produto veterinário, temos nossa equipe comercial.”

Na opinião de Faria Júnior, um dos mentores da universidade corporativa da empresa, o espírito é exatamente esse. “A gestão do conhecimento é o ativo mais valioso da economia contemporânea”, afirma. “Sempre houve muito conhecimento dentro da MSD, mas ele estava disperso.” O Programa para a Pecuária (Propec), por exemplo, voltado à capacitação (veja quadro), existe desde o ano 2000 e já recebeu mais de sete mil peões de fazenda, em cursos de boas práticas, vacinação, manejo sanitário e ordenha. A Universidade do Leite, lançada em Goiás, há dois anos, e da qual participam os produtores, não tem mais vagas para os cursos deste ano.

Com o aumento da demanda interna por cursos, a MSD criou no final do ano passado um portal na internet, exclusivo para ensino a distância. “A partir deste ano, estamos oferecendo cursos para veterinários que não fazem parte de nossa equipe e gerentes de fazendas”, diz Faria Júnior, veterinário formado pela USP. Ele diz que a criação da universidade corporativa está levando a empresa a sair da era do treinamento técnico para a da educação continuada. “Mas esse não é um processo simples.” Para estruturar a gestão da universidade da MSD, Faria Júnior voltou a ser estudante, desta vez nos cursos da Fundação Getulio Vargas. Também foi conhecer a Universidade do Hambúrguer, do McDonald’s, e fez muita pesquisa sobre a Motorola University, criada na década de 1980 e referência mundial em educação corporativa. “Com eles, aprendemos a sair do lugar-comum.”