GUARANÁ

A globalização tem a grande virtude de derrubar fronteiras e abrir portas antes fechadas. Mas ela também traz consigo algumas desvantagens, como a tendência de homogeneizar a cultura. Um exemplo é a proliferação dos fast-food. Rápidos e baratos, eles viraram febre e se espalham pelo globo. Na contramão dessa corrente, em 1989 foi fundada na Itália a associação internacional Slow Food. Como o próprio nome já diz, a organização se autodefine como: “uma resposta aos efeitos padronizantes do fast-food, ao ritmo frenético da vida atual, ao desaparecimento das tradições culinárias regionais e ao crescente desinteresse das pessoas na sua alimentação”. A bandeira da associação é uma alimentação mais prazerosa, em que a pessoa saiba a procedência e a história por trás daquilo que está comendo. Os produtos seguem a filosofia orgânica, embora nem todos sejam certificados em razão do custo do selo. De qualquer forma, os alimentos em questão representam um nicho de mercado, já que cada dia mais cresce o número de consumidores preocupados com os cuidados ambientais e socioculturais do local em que aquele alimento foi produzido. No Brasil, a Slow Food estabeleceuse em 2004, por intermédio de um acordo firmado com o Ministério do Desenvolvimento Agrário. “A parceria tem por objetivo adensar e integrar políticas públicas, promover e apoiar a preservação e valorização dos alimentos típicos nos territórios rurais onde se encontram os agricultores familiares e assentados de todo o Brasil”, explica Roberta Marins de Sá, coordenadora da Slow Food no Brasil.

Num primeiro momento, o trabalho da Slow Food consiste em identificar esses produtos típicos que correm o risco de extinção, se suas respectivas comunidades agrícolas, geralmente de agricultores artesanais, desaparecerem. A segunda etapa seria a conscientização dos produtores. Este é um processo longo, que começa em fazêlos entender a importância da comunidade, de seus produtos e tradições gastronômicas, passa pela adoção de normas para melhorar a cadeia produtiva e termina na troca de experiência com produtores de outros países que já tenham passado por uma situação similar. Este intercâmbio acontece no Terra Madre, um evento da Slow Food que reúne comunidades dos 132 países em que ela está presente. No Num primeiro momento, o trabalho da Slow Food consiste em identificar esses produtos típicos que correm o risco de extinção, se suas respectivas comunidades agrícolas, geralmente de agricultores artesanais, desaparecerem. A segunda etapa seria a conscientização dos produtores. Este é um processo longo, que começa em fazêlos entender a importância da comunidade, de seus produtos e tradições gastronômicas, passa pela adoção de normas para melhorar a cadeia produtiva e termina na troca de experiência com produtores de outros países que já tenham passado por uma situação similar. Este intercâmbio acontece no Terra Madre, um evento da Slow Food que reúne comunidades dos 132 países em que ela está presente. No Brasil, o primeiro projeto abraçado pela associação foi o do guaraná nativo produzido pelos índios sateré-mawé, uma tribo de 11 mil pessoas, que abrange 100 comunidades e está espalhada por quatro municípios, alguns no Amazonas, outros no Pará. “Uma das dificuldades foi convencê-los a não usar pesticidas e outras técnicas agrícolas convencionais, já que a aldeia possui escolas agrícolas introduzidas pelos padres”, diz Obadias Garcia, produtor que está no projeto desde o início. Mas, aos poucos, as comunidades foram se adaptando. Hoje, há 550 produtores cadastrados e 250 estão envolvidos diretamente na comercialização. O número só não é maior por causa da dificuldade imposta pela distância geográfica entre as comunidades. “Nosso principal produto é o pó de guaraná. Exportamos toda a produção, que é de quatro a cinco toneladas por ano”, diz Garcia.

Embora a Slow Food ajude as comunidades na comercialização de seus produtos, esse não é o foco principal. “Salientamos que a abertura de novos mercados é o resultado do percurso, não uma condição prévia”, diz o italiano Piero Sardo, presidente da Fundação Slow Food para Biodiversidade. A associação chama de “fortalezas” os grupos que recebem este respaldo da Slow Food. Em território brasileiro, são oito fortalezas, 14 produtos listados na Arca do Gosto, catálogo mundial que identifica e divulga sabores quase esquecidos e produtos ameaçados de extinção, e 42 comunidades do alimento, grupos de pessoas que operam de forma sustentável o setor agroalimentar desde a matéria-prima até a promoção do produto acabado. Por ser financiada pela doação de associados, a Slow Food não tem como intervir financeiramente em todos os grupos. “Mas temos uma função símile à do fermento de pão: começamos o processo, acionamos a energia e os recursos humanos”, explica Sardo. O tipo de ação realizada varia de acordo com a comunidade. “Nem todas as fortalezas têm foco em comercialização. Em algumas, o trabalho é de resgate cultural dentro da própria comunidade”, diz Roberta. Esse é o caso da Fortaleza do palmito Juçara, projeto realizado com índios da etnia guarani nos municípios paulistas de São Sebastião e Ubatuba. Há ainda fortalezas que atuam na defesa de produtos regionais e suas tradições gastronômicas. Exemplos: a fortaleza do umbu, fruto da caatinga, típico do semiárido nordestino; a do pinhão, semente da araucária, árvore que é símbolo dos Estados do Sul do Brasil, e a do baru, a castanha do baruzeiro, árvore nativa do Cerrado brasileiro. Enfim, é um trabalho de resgate de produtos e de toda a cultura gastronômica ao seu redor.

GUARANÁ NATIVO SATERÉ-MAWÉ: agricultora da região amazônica no processo de seleção do fruto

Biodiversidade em foco

Piero Sardo, presidente da Fundação Slow Food, fala sobre as atividades no Brasil

Segundo ele, a ideia não se resume a uma forma de abertura de mercados, e sim a uma maneira de ensinar os produtores a preservar sua identidade cultural

A quais critérios um produto deve satisfazer a fim de tornar-se um projeto da Fundação?

Quando estávamos somente na Itália, o prérequisito era que o produto satisfizesse os princípios da Arca do Gosto, como ser importante para o território onde é produzido, estar ligado à história local, ser produzido em pequena quantidade e estar em risco de extinção. À medida que fomos para zonas desfavorecidas, adaptamos os critérios, mas o prérequisito fundamental é que seja um produto proveniente de espécies e técnicas de produção locais e que esteja dentro do conceito de bom, limpo e justo

A SF ajuda os agricultores a vender os produtos em outros países?

Sempre as primeiras perguntas que nos chegam são: “Como podemos vender o nosso produto na Europa?” “Vocês nos ajudam a encontrar mercado?” É uma exigência compreensível. Não responder seria errado. Mas a Slow Food prima em salientar que a abertura de novos mercados é o resultado de um percurso, não uma condição prévia. Sensibilizamos os produtores para melhorar a cadeia produtiva e os colocamos com produtores de outros países que já tenham realizado um processo semelhante. Por fim, verificamos a possibilidade de um mercado local antes de acessar os mercados externos.

Qual é a importância do Brasil para a Fundação SF?

A fundação foca muito o seu trabalho aqui, porque o Brasil é um país com uma extraordinária riqueza étnica, cultural e ambiental. No Brasil foi realizado o primeiro “Terra Madre” fora do território italiano, evento durante o qual se organizaram debates, degustações e encontros entre os diversos atores da rede com a finalidade de valorizar produtos e métodos de produção que caracterizam a diversidade cultural. O maior desafio no Brasil é a mobilização de todos os setores na defesa da própria biodiversidade.