O uso de defensivos químicos na agricultura gera debates entre produtores e ambientalistas há muito tempo, sendo até mesmo um dos entraves para o acordo Mercosul-UE. Mas uma alternativa vem ganhando força como substituição sustentável aos químicos, os biológicos. Segundo especialistas, o uso desse tipo de defensivo no campo tem crescido cerca de 30% ao ano, mas ainda enfrenta resistências.

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De acordo com um relatório da FAO (Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura) divulgado em 2021, o Brasil utilizou pouco mais de 700 mil toneladas de agrotóxicos (ingredientes ativos), enquanto o consumo global total foi de 3,5 milhões de toneladas.

Em números absolutos, o Brasil é o país com maior consumo de agrotóxicos no mundo, seguido por Estados Unidos, Indonésia, Argentina e China.

Para Fábio Kagi, gerente de assuntos regulatórios no Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (Sindiveg), o que alavanca a utilização dos defensivos é a busca pela produtividade. Ele aponta que a agricultura moderna precisa produzir mais para abastecer uma população global maior, e que, sem os defensivos, isso não seria possível.

“A agricultura moderna precisa adensar a cultura, ela precisa de um crescimento da produtividade. A indústria foi lá e desenvolveu vários produtos para atender à necessidade do agricultor”, explica.

Culturas agrícolas com maior índice de aplicação de agrotóxicos

Área tratada por defensivos agrícolas (Crédito: Sindveg)

O produtor rural Cássio Oberherr, que planta milho, trigo e soja em sua fazenda no município de Pinhalzinho, em Santa Catarina, contou À Dinheiro Rural que a aplicação de defensivos é essencial, apesar dos custos que giram em torno de R$ 150 por aplicação, mas podem chegar a R$ 400 se combinados com fungicidas e inseticidas.

“Se eu não precisasse passar nenhuma vez, eu ia ‘soltar fogos’, porque é muito dinheiro que gastamos nisso. Mas, sem ele, não vai produzir, e acaba ficando inviável. Se eu não aplicar nada, eu não vou colher a semente que eu plantei”, diz.

Alternando entre defensivos químicos e biológicos desde 2022, Oberherr se diz satisfeito com ambos, mas ainda cita uma eficácia maior dos químicos.

“Se sua produção está cheia de pragas e você quer usar o biológico, vai queimar o dinheiro. Ele funciona muito bem se você aplicar no início, antes de aparecer a praga. Depois que está instalada a doença, ele não faz mais efeito, ele não mata. Ele vai proteger a folha nova, mas o que já tá contaminado, não limpa”, explica.

O papel dos defensivos agrícolas

Também chamados de agroquímicos, agrotóxicos, pesticidas, praguicidas ou produtos fitossanitários, os defensivos são substâncias químicas ou biológicas que estão entre as tecnologias usadas nas lavouras.

Esses produtos existem para proteger os cultivos contra a proliferação de fungos, bactérias, ácaros, vírus, plantas daninhas, nematoides e insetos considerados pragas ou causadoras de doenças.

Por seu clima tropical que alterna entre quente e úmido, o Brasil acaba sendo mais suscetível a uma série de pragas, que são organismos nocivos que atacam e podem transmitir doenças às plantas. Elas diminuem a capacidade da cultura de produzir e reduzem também a qualidade dos produtos agrícolas.

A discussão em torno dos agrotóxicos

Em 2024, o Brasil bateu recorde de liberação de agrotóxicos e defensivos biológicos, após uma queda nos registros em 2023, segundo o Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa). Ao longo do ano passado, foram aprovados 663, sendo 541 químicos e 106 biológicos, uma alta de 19% na comparação com o ano anterior (555).

Grande parte dos defensivos químicos foi aprovada em cumprimento de decisões judiciais.

Ambientalistas criticam veementemente o uso dos agrotóxicos na agricultura brasileira.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT) estima que mais de 300 mil mortes ocorram anualmente devido a envenenamentos por pesticidas em todo o mundo. Segundo a organização, os óbitos estão relacionados à exposição a agrotóxicos no ambiente de trabalho. No Brasil, a Justiça do Trabalho tem alertado para os riscos à saúde causados pelo uso desses produtos, especialmente entre trabalhadores rurais.

No Brasil, a liberação dos produtos é uma decisão dos três órgãos: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa).

Alan Tyngel, que faz campanha permanente contra o uso de agrotóxicos, criticou a forma como o agronegócio brasileiro vem enfrentando as mudanças climáticas.

“A maior parte do agro brasileiro tem tido uma postura pouco inteligente diante dos desafios globais. As mudanças climáticas estão afetando a produção, dificultando cada vez mais a safra. Diante disso, seria esperado que o agronegócio priorizasse insumos de origem orgânica, renováveis e que não poluam o meio ambiente — ao contrário dos agrotóxicos”, explica Tyngel.

Já o gerente do Sindveg, diz que o lado do produtor que precisa colher para sobreviver precisa ser levado em conta.

“Sabe a história da empatia, que você só sente a dor do outro a hora que você calça o sapato do outro? Quem nunca viveu uma realidade agrícola talvez nunca vai conseguir entender a dor de um agricultor”, disse Fabio  Kagi

O crescimento dos biológicos

Desde dezembro de 2024, os biológicos deixaram de ser considerados agrotóxicos, devido à lei dos bioinsumos, sancionada em dezembro do mesmo ano.

O mercado global de biológicos deve atingir US$ 30 bilhões até 2030, com uma taxa de crescimento anual composta de 10,42%. Para a América Latina, enquanto no Brasil, essa taxa se aproxima de 30%.

Segundo uma pesquisa da Consultoria Blink Projetos Estratégicos com a CropLife, o mercado de produtos biológicos deve triplicar no Brasil até 2030, alcançando um valor de 3,7 bilhões.

A Embrapa estima que nos últimos 5 anos, a taxa anual de crescimento do mercado brasileiro de biopesticidas foi de 45%, enquanto para os agrotóxicos foi de 6%.

Diferentemente dos químicos que são sintéticos (produzidos artificialmente), os biológicos são produtos agrícolas desenvolvidos a partir de um ativo biológico, ingrediente ativo com origem natural.

A partir do ativo biológico, que podem ser organismos ou substâncias, empresas e pesquisadores desenvolvem formulações biológicas para a comercialização desse ingrediente ativo.

Os amplos resultados da nova agricultura de precisão foram alcançados com um grande uso dos defensivos químicos. Para Rafael de Souza, doutor em biologia molecular, genética e bioinformática pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), eles despontam em relação aos biológicos porque existe uma resistência de parte do setor pela necessidade de adaptação técnica.

“Tudo isso é difícil de mudar de uma hora para outra, porque tem um risco muito grande para o produtor. Ele não pode simplesmente apostar em algo novo e perder uma lavoura inteira. Então o crescimento dos biológicos vem, mas vem com muito critério, muita análise.”, explica. 

Para Rafael Souza, os biológicos não substituirão os químicos na agricultura, ele defende uma integração entre ambos para elevar a produtividade e diminuir possíveis impactos no meio ambiente.

“Eu, sinceramente, acredito que não vai haver uma tecnologia que vai substituir a outra. Não vai ser a genética que vai substituir a biológica. Eu acho que vai sempre ter um encaixe das diferentes tecnologias.”, apontou. 

 

Pronara

O governo federal vem buscando impulsionar a redução dos agrotóxicos. O executivo lançou neste mês de julho, o Programa Nacional de Redução de Agrotóxicos.

O Pronara visa incentivar as práticas agropecuárias sustentáveis, promoção de sistemas alimentares saudáveis e sustentáveis e a promoção da soberania e segurança alimentar e nutricional.

De acordo com o governo, entre os objetivos do programa também estão: a diminuição gradual e contínua do uso de agrotóxicos, principalmente aqueles que apresentam maior nível de toxicidade para a saúde e meio ambiente e a promoção de ações educativas e informativas para trabalhadores e populações expostas a agrotóxicos.

*Estagiário sob supervisão