30/12/2020 - 13:22
A exoneração do médico Marco Polo Freitas, após pedido para laboratórios brasileiros reservarem 7 mil doses de vacina contra coronavírus para imunizar ministros, servidores e familiares, causou uma nova crise no Superior Tribunal Federal (STF). Presidente da Corte, Luiz Fux foi alvo de críticas de outros ministros por ter retirado Freitas do cargo de secretário de Serviços Integrados de Saúde.
Na terça, o médico afirmou que nunca realizou “nenhum ato administrativo sem ciência e anuência” dos seus superiores hierárquicos.
Ministros ouvidos pelo jornal O Estado de S. Paulo elogiaram a atuação profissional de Freitas nos 11 anos em que esteve no Supremo – desde 2014 à frente da secretaria.
Eles lembraram, ainda, que Fux havia defendido o pedido de reserva de imunizantes para a Corte em uma entrevista veiculada pela TV Justiça na semana passada.
A demissão de Freitas foi interpretada, nos bastidores, como uma tentativa de achar um “bode expiatório” para acalmar a opinião pública.
Conforme revelou o jornal O Estado de S. Paulo, o ofício com o pedido de vacinas enviado à Fiocruz, no dia 30 de novembro, é assinado pelo diretor-geral do STF, Edmundo Veras dos Santos Filho. A Fiocruz já negou a solicitação do Supremo. Ainda falta manifestação do Instituto Butantan, também acionado pela Corte.
Na frente da Secretaria de Serviços Integrados de Saúde, Freitas fazia o acompanhamento médico dos ministros. Além de ter acesso às fichas dos magistrados, ele indicava, nas viagens oficiais dos integrantes da Corte, hospitais de referência para urgências de saúde. Foi ele quem viajou a Paraty (RJ) após o acidente aéreo que levou à morte do ministro Teori Zavascki, em 2017.
“O médico Marco Polo Dias Freitas é um dos mais renomados clínicos do Brasil. Conduziu com absoluta maestria a adaptação da rotina do STF no início da pandemia. A responsabilidade pela infeliz requisição de vacinas não pode ser atribuída a um profissional da saúde”, disse ao jornal O Estado de S. Paulo o ministro Gilmar Mendes.
O ministro Marco Aurélio Mello, por sua vez, apontou que o ofício foi assinado pelo diretor-geral, que somente atua, externamente, “em nome do tribunal, com o conhecimento do presidente”. “A exoneração implica o afastamento de um bom profissional. Fica no ar a pergunta: a corda estourou no lado mais fraco?”, questionou. “A presidência, de viva voz, na TV Justiça, ante o noticiado pela imprensa, defendeu o ato. Arrependimento ante as críticas? Não sei não!”
Ricardo Lewandowski também saiu em defesa de Freitas, por quem disse ter “grande admiração”. “O considero um excelente médico e competente gestor, que goza da admiração e carinho de todos os integrantes do STF”, disse à reportagem.
Freitas ocupava o cargo de secretário desde o período em que o ministro presidiu a Corte, em 2014.
Procurado, Fux não quis comentar a demissão de Freitas nem as críticas dos colegas.
Desgastes
Em três meses e meio no comando do Supremo, Fux tem acumulado desgastes e tentado administrar cismas internas por decisões e atos administrativos tomados durante a sua gestão. No curto período, Fux enfrentou interesses de colegas para evitar novas derrotas da Lava Jato e ao barrar a reeleição no Congresso, contrariando a ala garantista da Corte.
Os contratempos começaram já no dia 10 de setembro, quando o ministro tomou posse. Na solenidade, o cerimonial do Supremo utilizou placas de acrílico entre as cadeiras dos magistrados para reduzir o risco de contágio, mas, mesmo assim, pelo menos nove autoridades foram diagnosticadas com covid-19 após participarem do evento.
Em outubro, Fux foi chamado de “autoritário” por Marco Aurélio ao derrubar uma liminar do colega e determinar o retorno à prisão do narcotraficante André do Rap. O plenário do STF acabou confirmando o entendimento do presidente da Corte, mas o julgamento foi pontuado por recados dos magistrados ao chefe do tribunal. “Eu não tenho nenhuma pretensão de ter superpoderes, mas eu tenho a pretensão de manter a imagem do Supremo”, rebateu Fux, na ocasião.
Os conflitos internos no tribunal se aprofundaram após o julgamento sobre a recondução dos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) e, do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP). Ministros ouvidos pela reportagem dizem que Fux se comprometeu a votar a favor da tese da reeleição, mas desistiu da ideia após a enxurrada de críticas recebidas pelo STF.
“Essa crise de liderança lembra muito o cenário da presidência da ministra Cármen Lúcia, no qual os conflitos dentro e fora do tribunal aumentam porque não existe uma diretriz muito clara”, disse Rubens Glezer, professor de Direito Constitucional da FGV.
Agora, durante o recesso do Judiciário, quatro ministros se recusaram a sair de férias, o que na prática esvaziou os poderes de Fux. Em tese, durante o plantão, ele seria o responsável pela análise de todos os casos urgentes, inclusive dos que estão sob a relatoria dos colegas. Marco Aurélio, Gilmar, Lewandowski e Alexandre de Moraes, no entanto, comunicaram que vão despachando normalmente.
Moraes é o relator de uma outra dor de cabeça para Fux: um habeas corpus apresentado por um grupo de renomados advogados, cujo efeito poderá levar à soltura de criminosos condenados e presos no País. Em uma ofensiva contra Fux, os criminalistas querem derrubar a liminar do magistrado que suspendeu por tempo indeterminado a implementação do juiz de garantias. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.