Diferentes depoimentos prestados à Polícia Federal (PF) em 22 de fevereiro confirmam a existência de uma trama golpista no alto escalão do governo passado, e ao menos dois, dos ex-comandantes do Exército, Marco Antonio Freire Gomes, e da Aeronáutica, Carlos Almeida Baptista Júnior, colocam o ex-presidente Jair Bolsonaro no centro das conspirações.

O sigilo sobre os depoimentos foi levantado nesta sexta-feira (15) pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator do inquérito que apura uma suposta trama golpista envolvendo o ex-presidente e auxiliares próximos, incluindo militares de alto escalão do governo.

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Nos depoimentos, os ex-comandantes do Exército e da Aeronáutica disseram aos investigadores terem participado de reuniões com o então presidente da República, no Palácio da Alvorada, para conhecerem o teor de uma minuta de decreto presidencial voltada para manter Bolsonaro no poder após a derrota no segundo turno da eleição presidencial de 2022.

Freire Gomes afirmou que uma minuta de golpe foi apresentada a ele em reunião no dia 7 de dezembro, na biblioteca do Alvorada, ocasião que o teor de um decreto golpista foi lido por Filipe Martins, ex-assessor especial da Presidência.

“Que o Presidente informou ao depoente e aos presentes que o documento estava em estudo e depois reportaria a evolução aos comandantes”, disse Freire Gomes à Polícia Federal.

Ele confirmou ainda uma segunda reunião, em data que não forneceu, na qual foi apresentada uma revisão da mesma minuta, na qual constava a decretação de um Estado de Defesa no país.

Baptista Jr. também relatou ter participado de reuniões em que “o então presidente da República, Jair Bolsonaro, apresentava a hipótese de utilização da Garantia da Lei e da Ordem [GLO] e outros institutos jurídicos mais complexos, como a decretação do Estado de Defesa para solucionar uma possível “crise institucional”.

Ainda segundo ele, o general Freire Gomes, ex-comandante do Exército, ameaçou prender o ex-presidente Jair Bolsonaro caso levasse adiante uma tentativa de golpe de Estado. 

Questionamento das urnas

Outro depoente, o ex-deputado federal Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido de Bolsonaro, confirmou ter partido deste a ideia de contratar o Instituto Voto Livre (IVL) para uma “fiscalização nas urnas” após o segundo turno de 2022, por R$ 1 milhão. Segundo Costa Neto, o ex-presidente o pressionou para que apresentasse, em nome da legenda, uma ação contra o resultado das urnas no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

“Indagado se o então presidente Jair Bolsonaro insistiu com o declarante para ajuizar ação no TSE questionando o resultado das urnas eletrônicas, respondeu que, quando houve o vazamento do relatório do IVL, os deputados do Partido Liberal e o então presidente Bolsonaro o pressionaram para ajuizar tal ação no TSE”, diz trecho do relatório da PF sobre o depoimento.

Apesar de ter apresentado a ação com o relatório do IVL ao TSE, que respondeu multando o PL em R$ 22 milhões por litigância de má-fé, Valdemar disse à PF que, diferentemente de Bolsonaro, não viu no documento nenhum indício concreto de fraude às urnas eletrônicas.

Questionado se conhecia alguma minuta de golpe, Valdemar novamente confirmou receber “diversos” textos com ideias do tipo, mas que nunca os levou a sério por, ele próprio, descartar qualquer ideia de golpe.

Operação especial

O general da reserva do Exército Laercio Vergilio, por sua vez, afirmou à PF que, em sua opinião, a prisão de Moraes seria importante para trazer a “volta à normalidade” ao país. Vergílio deu essa resposta ao ser confrontado com mensagens que enviou a outro investigado, nas quais disse que o ministro deveria ser preso em 18 de dezembro de 2022.

Vergilio negou participação em qualquer ato para planejar, ou de fato, prender Moraes, ou de planejamento de um golpe de Estado. Ao ser confrontado, contudo, com mensagens suas sobre o suposto planejamento de uma “operação especial”, o general da reserva confirmou que tal ação seria deflagrada em “uma fase posterior” e citou ainda a “garantia da lei e da ordem” como fundamento jurídico da ação.

 “A chamada operação especial seria uma fase posterior e tudo deveria ser realizado dentro da lei e da ordem, embasado juridicamente na Constituição”, disse Vergilio. Ele explicou que “a ideia que quis passar com a chamada ‘operação especial’ era para implementar a GLO temporariamente, até que a normalidade constitucional se restabelecesse”.

As mensagens, cuja autoria foi confirmada pelo general, foram enviadas ao major reformado do Exército Ailton Gonçalves Moraes Barros, que atuou como segurança de Bolsonaro e é investigado no inquérito sobre a suposta fraude do cartão de vacina do então presidente. Nelas, Vergílio pedia para que “Zero Uno”, que confirmou ser Bolsonaro, fosse comunicado sobre a chamada “operação especial” e o dia de prisão de Moraes.

Negativas

Os demais depoentes que decidiram falar negaram qualquer ideia de golpe de Estado. O general Estevam Cals Teóphilo Gaspar e Oliveira, por exemplo, confirmou ter se reunido com Bolsonaro após o segundo turno das eleições de 2022, mas disse que o fez a mando de Freire Gomes e para “ouvir lamentações” do presidente, que estaria deprimido com a derrota no pleito. Freire Gomes, ao ser questionado pelos investigadores, negou a ordem.

Do total de 27 pessoas chamadas a depor pela PF no inquérito que apura a tentativa de golpe de Estado e subversão das eleições presidenciais de 2022, 14 ficaram em silêncio alegando o direito constitucional de não produzirem provas contra si mesmos ou suposta “falta de acesso a todos os elementos de prova”.