01/02/2025 - 12:06
Na sexta audiência de instrução do caso do Massacre de Paraisópolis, nessa sexta-feira (31), a defesa dos policiais militares (PM) acusados atribuiu a responsabilidade pelas mortes das vítimas às condições do espaço em que foi realizado o Baile da DZ7. O intervalo entre essa audiência e a anterior foi de cerca de cinco meses, tempo criticado pelas famílias dos nove jovens mortos em 1º de dezembro de 2019.
Desde o incidente, os familiares das vítimas têm organizado manifestações na comunidade de Paraisópolis e nos dias das audiências, pedindo justiça, com a responsabilização dos 12 policiais acusados de homicídio, e mais agilidade no processo. Ontem, eles permaneceram novamente diante dos portões do Fórum Criminal da Barra Funda, zona central da capital paulista, onde as audiências estão sendo feitas.
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Nesta fase do processo, será definido se os policiais irão a júri popular. A audiência teve como objetivo colher o depoimento de dez testemunhas, todas indicadas pelos agentes. Além de enfatizar o espaço onde o baile funk foi feito, a defesa dos agentes de segurança, ao questionar as testemunhas, explorou a formação e o preparo que fazem dentro da corporação para atuar em situações como a desse caso.
Nas primeiras audiências de instrução, a defesa dos policiais deu mais destaque à causa da morte das vítimas, sustentando que teria sido resultado de pisoteamentos. Esse fator era um contraponto à suspeita de que os jovens morreram por asfixia mecânica, o que foi apontado por uma biomédica do Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e poderia ser um aspecto central do processo, desfavorável aos policiais. Os familiares dos jovens acreditam que eles foram encurralados propositalmente pelos agentes em uma viela.
Ouvido ontem, o tenente da PM Diego Felício Novaes, ao ser indagado pela defesa dos colegas de corporação, disse que o lugar onde o baile foi realizado não era adequado, porque não foi feito para comportar a quantidade de pessoas que foi à festa. Durante o depoimento, ele insistiu em afirmar que a situação do episódio foi excepcional, pelo fato de a equipe não estar previamente preparada para lidar com o caos que se formou, com uma “multidão desordenada” no dia do baile, mesmo com treinamentos.
Segundo Novaes e a defesa dos réus, a equipe da PM chegou ao endereço e foi surpreendida por duas pessoas que entraram, em uma moto, em meio às pessoas da festa, com armas de fogo. Isso e uma suposta hostilização contra eles, com o arremesso de objetos como garrafas, teria gerado a reação de fazer o grupo de pessoas recuar, para que ficasse protegido.
Uso de granadas e morteiro
Uma das ferramentas usadas na ocasião foi a granada. Diego disse que não existe uma regra já estipulada de quantidade de armas não letais, como é o caso de granadas, o que é feito com base na experiência dos policiais em campo. “[A quantidade de granadas]não foi exagerada, foi adequada”, resumiu.
Conforme citou um dos advogados que representam os policiais, houve rumores de que a equipe chegou a utilizar um morteiro, equipamento que serve para lançar granadas a curtas distâncias desenvolvido e empregado na Primeira Guerra Mundial. Ao ser perguntado se poderia explicar o que é um morteiro, indicou não saber do que se trata. “Morteiro? É um equipamento de festa, de luz e som?”, devolveu ao advogado o PM, que acrescentou que ele e seus colegas, a equipe convocada para dar reforço à primeira, estavam “muito preocupados” com sua própria vulnerabilidade e que, apesar das capacitações que os ensinam a como agir nessas circunstâncias, na prática é outra coisa. Novaes negou, porém, ter visto qualquer um dos colegas feridos.
Outra testemunha ouvida ontem, o capitão da PM Lailton de Paula Souza disse que “a prioridade é que a equipe esteja protegida”. Acrescentou que casos do Rio de Janeiro servem de exemplo para mostrar o que acontece quando os policiais vão desarmados. “Simplesmente apanharam dos integrantes da turba”, afirmou Souza, que foi encarregado de produzir um relatório sobre o ocorrido para a Corregedoria da Polícia Militar de São Paulo, órgão que tem como finalidade apurar casos em que há suposto abuso de autoridade.
Diego Felício Novaes respondeu que teriam a mesma conduta se o chamado fosse “um bloquinho de carnaval em Vila Madalena”, bairro de classes média e alta da capital. Nesse momento, houve um burburinho e, em seguida, a promotora Luciana André Jordão Dias contestou a pergunta de um dos advogados de defesa dos policiais, por ele ter, segundo ela, induzido a resposta do agente, favorável aos colegas de corporação.
A opção pelo emprego de armas não letais, na perspectiva da promotoria, não garantiu plenamente a segurança de todos do local, pelo contrário. “A ação com armas não letais preservou a integridade física das pessoas?”, perguntou ela a Souza.
“Ninguém morreu”, respondeu ele, após uma pausa. “E as nove pessoas”?, rebateu a promotora, que imediatamente recebeu inúmeras manifestações de objeção por parte dos advogados dos réus e dos próprios réus.
Local da morte dos jovens
Um ponto levantado pelos advogados de acusação, que representam os familiares das vítimas e pedem a responsabilização dos policiais militares, diz respeito a um suposto direcionamento dos agentes à viela em que os jovens morreram. O advogado Dimitri Sales viu contradição no que alegou, em seu relatório, o capitão Souza.
Sales estranhou o fato de o capitão não ter ido a fundo nas informações sobre a viela para a qual os jovens teriam sido orientados, na hora do tumulto, e em que teriam sido executados pelos agentes, asfixiados, já que ficaram amontoados em um espaço minúsculo. Para o advogado, não faz sentido que as pessoas do pancadão preferissem vielas a ruas mais amplas para se proteger.
Sales perguntou ao capitão por que falta detalhamento, inclusive, de imagens da viela no relatório que assinou e que foi feito em duas semanas. “Porque não me foi pedido analisar as rotas de fuga.”
Massacre
Doze policiais militares são acusados de matar nove jovens em operação realizada durante o Baile da DZ7, de funk, na favela de Paraisópolis, em São Paulo. Ocorrido na noite de 1º de dezembro de 2019, o episódio ficou conhecido como Massacre de Paraisópolis. A decisão da Justiça agora é se eles irão a júri popular.
Além dos policiais acusados de cometer os homicídios, outro responde por colocar pessoas da festa em risco. O crime é imputado ao agente porque teria soltado explosivos durante a operação, aumentando o tumulto no local.