24/06/2021 - 8:00
Aliado do governo de Jair Bolsonaro, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) afirmou ter levado a denúncia sobre um esquema de corrupção envolvendo a compra da vacina indiana Covaxin ao próprio presidente, há três meses. A reunião, disse Miranda, ocorreu em março, no Palácio da Alvorada, pouco menos de 30 dias após o contrato ter sido assinado. Segundo o deputado, Bolsonaro afirmou que encaminharia o caso à Polícia Federal. Apesar do aviso, o governo seguiu com o negócio no qual prevê pagar por cada dose da vacina um preço 1.000% maior do que o anunciado pela própria fabricante seis meses antes.
“No dia 20 de março, eu denunciei o esquema para Bolsonaro. Os indícios de corrupção são pesados e muito claros”, afirmou o deputado ao Estadão/Broadcast. “O presidente viu a gravidade e, naquele momento, falou para a gente: ‘Vou acionar agora o DG (diretor-geral) da Polícia Federal para cuidar do caso’”. A PF informou que “não comenta nem confirma” a existência de investigações.
O contrato de compra de 20 milhões de doses da Covaxin, no valor de R$ 1,6 bilhão, é alvo de investigação do Ministério Público Federal. O preço unitário da dose foi fechado em US$ 15, quando, seis meses antes, havia sido estimado em US$ 1,34. Miranda disse ter ido ao encontro de Bolsonaro, acompanhado de seu irmão, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, justamente para falar dessa “situação esdrúxula”. Ele chegou a publicar em suas redes sociais, naquele sábado, uma foto da reunião com o presidente, afirmando ter ido tratar de combustíveis e vacinas.
Em depoimento ao MPF, Luís Ricardo afirmou que recebeu “pressões anormais” para a compra da Covaxin e disse não ter visto esse comportamento em relação a outras vacinas. O coordenador-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos do Ministério da Saúde, tenente-coronel Alex Lial Marinho e o coronel Marcelo Pires, então coordenador logístico do Plano Nacional de Operacionalização de Vacinas contra Covid-19 foram apontados como responsáveis pela pressão. Os dois eram auxiliares do então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello.
O presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM), viu como “preocupante” a denúncia de Miranda. Aziz classificou as acusações de irregularidades na contratação da Covaxin como “gravíssimas” e disse ter pedido informações à Polícia Federal para saber se Bolsonaro havia solicitado que as suspeitas fossem apuradas.
“Temos que ter muito cuidado porque talvez tenha sido a denúncia mais grave que a CPI recebeu até agora”, afirmou o senador.
Horas antes de se encontrar com Bolsonaro no Alvorada, Miranda trocou mensagem pelo aplicativo WhatsApp com um ajudante de ordens do presidente. Afirmou que estava “rolando esquema de corrupção pesado” na Saúde. “Tenho as provas e as testemunhas”, escreveu o deputado.
O aviso foi enviado às 12h54 de 20 de março. O auxiliar de Bolsonaro respondeu com uma bandeira do Brasil. Uma hora depois, Miranda insistiu: “Não esquece de avisar o PR (presidente). Depois não quero ninguém dizendo que eu implodi a República. Já tem PF e o caralho no caso. Ele precisa saber e se antecipar”. A resposta foi outra bandeira do Brasil.
Às 16 horas, Miranda informou ao ajudante de ordens que estava “a caminho” do palácio. Passadas quarenta e oito horas, ele voltou a procurar o auxiliar de Bolsonaro. “Pelo amor de Deus… isso é muito sério!”, escreveu o deputado em 22 de março. Sem resposta, ele voltou ao assunto no dia seguinte. “Bom dia irmão, o PR está chateado comigo? Algo que fiz?”. O auxiliar do presidente respondeu: “Negativo, deputado. São muitas demandas. Vou relembrá-lo”.
O deputado enviou ao ajudante de ordens uma fatura de compra, em nome da empresa Madison Biotech, no valor de US$ 45 milhões, referente à importação da Covaxin. O pagamento, porém, dependia da assinatura de seu irmão Luis Ricardo, que se recusou a subscrever o documento sob a alegação de que havia ali várias irregularidades.
O servidor disse ter sido “pressionado” a assinar um contrato de compra da Covaxin com uma quantidade menor do que o previsto. Pela sua versão, seriam 4 milhões de doses, que viraram 300 mil, com pagamento antecipado de U$ 45 milhões (R$ 222,6 milhões). “No contrato fala que são 4 milhões de doses a primeira entrega, só que na Invoice (nota fiscal internacional) já não é (sic) 4 milhões, é um quantitativo bem menor”, afirmou Luís Ricardo em áudio enviado por WhatsApp ao irmão Miranda.
Eleito em 2018, Miranda está no primeiro mandato e é um parlamentar polêmico. Da tropa de choque governista, ele já foi processado por estelionato, em golpes que teriam sido aplicados no Brasil e nos EUA. Antes de ser eleito, ele morou em Miami e ensinava, nas redes sociais, como ganhar dinheiro fácil. Em 2019, uma reportagem do Fantástico, da TV Globo, mostrou que Miranda era acusado de pegar dinheiro de usuários da internet.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.