22/12/2020 - 20:08
A desembargadora Rosa Helena Penna Macedo Guita, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, afirmou que o prefeito do Rio, Marcelo Crivella (Republicanos-RJ), tinha um “voraz apetite pelo dinheiro público” que não se limitou à sua gestão no comando da administração municipal. A magistrada relembrou delações do doleiro Álvaro Novis e seu funcionário, Edmar Moreira Dantas, que delataram repasses de propinas a Crivella em 2010 e 2012.
As acusações contra o prefeito foram reforçadas na delação do ex-presidente da Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro (Fetranspor) Lélis Teixeira que o Estadão teve acesso em dezembro de 2019. Segundo ele, o ex-tesoureiro da campanha de Crivella, Mauro Macedo, procurou os empresários do transporte em 2010 pedindo ajuda para quitar dívidas de campanha de Crivella ao Senado. A solicitação foi levada a José Carlos Lavoura, presidente da Fetranspor, e João Monteiro, da Rio ônibus.
Macedo solicitou R$ 450 mil para pagamento de gastos. O valor foi aprovado por Lavouras, que combinou o repasse por meio do doleiro Álvaro Novis, também delator da Lava Jato, no escritório de Macedo, na rua da Candelária. A versão de Lélis bateu o que foi relatado por Noves e Edmar Dantas – ambas as delações foram citadas nesta terça, 22, na ordem de prisão contra Crivella.
“Este voraz apetite pelo dinheiro público não se limitou à atual gestão do prefeito Marcelo Crivella”, apontou a juíza. “O então colaborador Edmar M. Dantas afirmou que, por determinação de José Carlos Lavouras, da Fetranspor, efetuou, nos anos de 2010 e 2012, pagamento de propinas ao atual prefeito Marcelo Crivella, então senador, totalizando, à época, R$ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil reais), pagamentos estes que eram entregues ao também denunciado Mauro Macedo, um dos seus operadores financeiros, em uma sala comercial na Rua da Candelária, alugada por Marcelo Crivella. Ou seja, há muito o atual prefeito recebe propinas”.
Quando a delação de Lélis Teixeira foi divulgada, a assessoria de imprensa da Prefeitura do Rio de Janeiro negou as acusações, afirmou que a imprensa estava “sendo usada como massa de manobra para atender a interesses claramente eleitorais” e que “se existe um político que não poderia ter se beneficiado de algum esquema com os empresários de ônibus, este político é Marcelo Crivella”.
Ao ser conduzido à Cidade da Polícia nesta terça, Crivella declarou que é vítima de “perseguição política” e disse que foi o governo que “mais atuou contra a corrupção no Rio de Janeiro”.
O Republicanos, partido do prefeito, divulgou nota afirmando que aguarda “detalhes e os desdobramentos” da prisão. “O partido acredita na idoneidade de Crivella e vê com grande preocupação a judicialização da política”, afirmou a legenda.
Crivella é acusado de integrar organização criminosa que instaurou um “QG da Propina” dentro da Prefeitura do Rio. O esquema consistia em pagamento de vantagens indevidas para favorecimento de empresários, como contratos com a administração pública e repasse de verbas. A intermediação ficava com o empresário Rafael Alves, homem de confiança do prefeito.
As investigações tiveram início com a delação do doleiro Sérgio Mizrahy, que era acionado por Alves para “branquear os valores recebidos”. Segundo ele, as propinas eram pagas para garantir o pagamento de faturas atrasadas a empresas credoras. Em troca, Alves recebia entre 20% a 30% do valor junto a seu irmão, Marcelo Alves, então presidente da Riotur, e outro porcentual era destinado a Crivella.
A desembargadora afirmou que Rafael Alves, como gestor da campanha eleitoral do prefeito em 2016, “abordou diversos empresários oferecendo-lhes vantagens em contratações junto à futura administração”, mesmo sem ter um cargo oficial na Prefeitura.
“Após a eleição, o prefeito Marcelo Crivella fortaleceu a posição de Rafael Alves na administração, dando-lhe trânsito livre para negociar com empresários a venda de vantagens junto à Prefeitura, sempre mediante pagamento de vultosas quantias a título de propina”, frisou a magistrada.
Para Rosa Guita, o envolvimento de Rafael Alves no caso “salta aos olhos” e Crivella tinha ciência do esquema de corrupção na Prefeitura. Conversas levadas por Mizrahy e quatro empresários que delataram as propinas apontam a cobrança de recebimento de determinadas quantias em espécie a pedido do “Zero Um”, codinome atribuído a Crivella.
“É evidente que o prefeito se locupletava dos ganhos ilícitos auferidos pela organização criminosa, que, na realidade, se instalara no município já com tal propósito, pois, do contrário, não colocaria o seu futuro político em risco apenas para favorecer terceiros, como merca “dívida de campanha”, destacou a juíza, relembrando que Crivella declarou ter intenção de disputar o governo do Estado em 2022. “É possível afirmar, portanto, diante do seu propósito de permanecer na vida pública, que tal prática perdurará”.
Defesa
A defesa de Marcelo Crivella (Republicanos-RJ) afirmou ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) que a desembargadora Rosa Guita emitiu “juízo de valor” sobre o prefeito do Rio ao decretar a sua prisão, cumprida na manhã desta terça, 22. Na peça, a magistrada afirma que Crivella “se locupletava dos ganhos ilícitos” de organização criminosa que montou um “QG da Propina” dentro da administração pública municipal.
Em pedido de soltura enviado à Corte, os advogados de Crivella afirmam que a prisão é “ilegal sob todas as óticas”. Nesta tarde, a audiência de custódia manteve o prefeito na prisão. O habeas corpus está nas mãos do presidente da Corte, ministro Humberto Martins.