06/07/2016 - 11:11
R egulamentadas há pouco mais de uma década, as Letras de Crédito do Agro-negócio (LCA) ganharam uma fatia expressiva do mercado de investimentos em 2015. Esses papéis são títulos de renda fixa, isentos de imposto de renda para o investidor, e que lastreiam empréstimos concedidos pelos bancos para a cadeia produtiva do agronegócio. Segundo a empresa de registro de ativos financeiros Cetip, em dezembro do ano passado, o total investido nesses papéis era de R$ 54,7 bilhões. No fim de maio, esse montante havia crescido 11%, para R$ 61 bilhões. O que parece ser um desempenho pujante em um período extremamente magro para os bancos, porém, mascara um problema. Depois de avançar a taxas médias de 4% ao mês no primeiro trimestre, o estoque de LCA registradas na Cetip cresceu pouco mais de 1% em abril e em maio. E a causa é simples: a tentativa de tabelar os juros dos empréstimos concedidos com recursos captados por meio de LCA desestimulou a emissão desses papéis. Ao tentar traçar a rota do dinheiro, o governo acabou colocando obstáculos na estrada.
Para entender o caso é preciso retroceder no tempo. Na primeira metade da década passada, o crescimento do agronegócio consumia rapidamente os recursos destinados ao crédito rural. O dinheiro para esses financiamentos é carimbado. As maiores dotações são 34% dos saldos das contas-correntes nos bancos, mais os recursos da caderneta de poupança rural. Havia pouco dinheiro “livre” destinado ao agronegócio. A solução para atrair mais recursos foi oferecer um chamariz irresistível ao investidor, a isenção fiscal. Deu certo. Entre 2007 e 2016, quando o total de empréstimos avançou de R$ 762 bilhões para R$ 3,1 trilhões, a fatia do dinheiro concedido ao setor rural cresceu de R$ 22 bilhões para R$ 77 bilhões, segundo dados do Banco Central (BC). Nesse período, esses papéis caíram no gosto dos investidores. “A demanda pelas LCA sempre foi superior à oferta”, diz João Carlos Gomes da Silva, diretor de financiamentos do Bradesco. “Eles são, tradicionalmente, um produto destinado aos clientes de alta renda.” A dificuldade dos bancos em emitir LCA esbarrou na escassez de tomadores que oferecessem bons riscos de crédito, mas a situação melhorou ao longo dos últimos dois anos.
No entanto, no início de maio, ao divulgar o Plano Safra 2016 / 2017, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), ainda na gestão da ex-ministra, a senadora Kátia Abreu (PMDB-TO), trouxe uma novidade: a intenção de tabelar os juros cobrados dos produtores nos empréstimos concedidos com dinheiro das LCA. As regras originais previam que os bancos definiriam os juros a serem pagos pelos tomadores. Pela nova regra, 35% do total teriam juros tabelados em 12,5% ao ano e os 65% restantes teriam taxas livres. Ainda dependendo de regulamentação, essa proposta provocou uma contração no setor, desacelerando o crescimento do estoque das LCA. “Ao buscar diminuir o custo para o tomador do crédito agrícola por meio da fixação da taxa, as medidas poderão reduzir a taxa que a LCA paga ao investidor”, diz Claudia Getschko, superintendente de produtos de tesouraria do Santander. “O investidor terá de fazer conta do que é mais interessante.” Na prática, isso deve reduzir a atratividade desses papéis e o total de recursos disponíveis. O Banco do Brasil, que responde por 68% do mercado de LCA, informou que não houve alteração na emissão dos produtos e que as taxas pagas ao investidor variam de acordo com o total investido e com o relacionamento do cliente com a instituição.
“A demanda pelas LCA sempre foi superior à oferta.” João Carlos Gomes da Silva, diretor de financiamentos do Bradesco
A contração deve complicar o crédito para a safra. E uma análise dos números do próprio Ministério mostra isso. Segundo o Mapa, nos nove primeiros meses da safra atual, o custeio da safra referente ao Plano Agrícola e Pecuário somou R$ 82 bilhões, dos quais 85% de crédito carimbado. Os financiamentos com juros livres passaram de R$ 6,7 bilhões para R$ 12,4 bilhões. Deste total,R$ 6,6 bilhões vieram das LCA. Com as novas normas, ainda não regulamentadas, parte desse dinheiro pode ficar pelo caminho. Procurado, o Mapa não comentou o assunto.