21/12/2012 - 17:15
O empresário Carlos Viacava pode ser considerado uma exceção no setor pecuário. Economista com larga experiência no setor público, ele já foi secretário Especial de Abastecimento e Preços da Secretaria de Planejamento de São Paulo e ocupou a diretoria da Carteira de Comércio Exterior (Cacex). Atualmente, Viacava é diretor da processadora de suco de laranja Cutrale. Não é sua única atividade profissional ligada ao agronegócio. Ao lado do filho Ricardo, Viacava controla o grupo CV, que possui três fazendas no interior de São Paulo, onde cria gado nelore mocho e dedica uma pequena área ao cultivo de laranja. Em 2012, os Viacava venderam 800 touros e a previsão para o ano que vem é comercializar mil animais, por um preço médio de R$ 6 mil cada um.
Profissionais como os Viacava – que aliam a experiência executiva à rentabilidade da empresa que possuem – deveriam ser aqueles clientes para os quais o gerente do banco estende um tapete vermelho na porta da agência. Deveriam. No entanto, a realidade é bem diferente. “A pecuária é uma atividade de ciclo longo e a maior parte das linhas de crédito não tem levado esse tempo em consideração, principalmente para os médios e grandes produtores”, diz Ricardo. O grupo CV utiliza crédito de custeio para comprar insumos como sal mineral e vacinas. A última investida, há seis meses, foi pleitear um financiamento da linha ABC, o programa Agricultura de Baixo Carbono do governo federal. Por enquanto, sem muito sucesso. “Tudo é muito demorado, até este momento o banco não entrou em contato conosco”, diz Ricardo.
No que depender de Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central e presidente do conselho consultivo da holding J&F, pecuaristas como Viacava logo terão mais uma fonte de recursos. A solução para eles será o Banco Original, o braço financeiro do grupo JBS Friboi, dos irmãos Joesley, Wesley e José Batista Júnior (leia o quadro na página 52), maior produtor mundial de proteína animal. A meta do banco é tão ambiciosa quanto a do frigorífico. “Queremos ser o maior banco privado do agronegócio, e com um foco especial na pecuária”, diz Meirelles, que há cerca de um ano atua como conselheiro do grupo, para facilitar seu trânsito internacional e reforçar a captação de recursos no mercado financeiro.
Essa estratégia representa uma enorme diferenciação em relação aos demais banqueiros. Em geral, quando o assunto é crédito, o sistema financeiro quer, literalmente, léguas de distância do campo. Não por insensibilidade, mas por pragmatismo. Os bancos que financiam a produção agrícola correm mais riscos do que quando emprestam para empresários de outros setores.
Não por acaso, o crédito rural depende pesadamente de dinheiro carimbado. Além de recursos destinados pelo Tesouro Nacional, os bancos são obrigados a destinar 28% da média de seus depósitos à vista para esses empréstimos. Como resultado, esses empréstimos sempre cresceram pouco. Em setembro de 2012, dados mais recentes disponíveis, os bancos e cooperativas de crédito estavam emprestando um total de R$ 2,23 trilhões aos indivíduos e às empresas brasileiras. Desse montante, apenas R$ 112 bilhões ou 5% destinavam-se ao agronegócio. Mais do que isso, o crescimento desse tipo de financiamento tem sido inferior à média. Nos últimos cinco anos, o total de empréstimos concedidos no Brasil cresceu, em média, 21,3% ao ano, ante magros 14,1% dos empréstimos rurais, fortemente concentrados no Banco do Brasil. Nos últimos anos, a saída para o produtor rural tem sido se financiar por meio de outros instrumentos. Parte do dinheiro vem do próprio bolso, o rein vestimento dos resultados da produção.
Outra fatia vem dos fornecedores, que vendem insumos como fertilizantes e defensivos agrícolas em troca de um compromisso de entrega da produção. Os produtores maiores e dedicados a commodities como milho, soja e café podem se servir das grandes empresas internacionais de trading ou, mais recentemente, recorrer à emissão de títulos financeiros lastreados no agronegócio. A emissão desses papéis vem crescendo a taxas anuais de dois dígitos e já existem R$ 25 bilhões em estoque, segundo a BM&FBovespa.
Nesse cenário inóspito, a atividade pecuária está ainda mais desguarnecida. “O agricultor tem acesso a recursos de terceiros, a tecnologia e a hedge, mas o pecuarista não consegue obter produtos financeiros”, diz Emerson Loureiro, presidente e principal executivo do Original. Parte da responsabilidade vem das características da produção de proteína animal, especialmente a bovina. O ciclo é mais longo do que nas culturas tradicionais – se uma safra de soja pode ser colhida em 120 dias, um pecuarista terá de esperar mais de três anos entre a concepção da matriz, o nascimento e desmame do bezerro e a recria do garrote. Outra dificuldade é a característica das garantias, representadas pelo próprio rebanho. “É o único caso em que a garantia pode ir andando de um lugar para outro”, diz Loureiro. Quando se imagina que boa parte da produção de corte brasileira é extensiva e praticada em vastas áreas do Cerrado, o custo para, literalmente, ir apreender o boi no pasto pode tornar a operação inviável para a maioria dos bancos. A consequência é uma atividade que conta pouco com financiamento.
A estratégia do Original é ocupar essa brecha. Para isso, além de capital, o banco conta com a experiência do grupo JBS. “Ao longo dos últimos cinco anos, cerca de 40 mil pecuaristas já abateram seu gado em pelo menos uma das unidades do JBS”, diz José Marinho, diretorcomercial do banco. “O grupo conhece o histórico de desempenho de todos eles e pode conceder crédito usando o rebanho como garantia.” O novo manancial de recursos será mais do que bem-vindo. “A produção agrícola está atravessando uma fase de mudança estrutural”, diz a economista Ignês Vidigal Lopes, pesquisadora do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre) da Fundação Getulio Vargas. Segundo ela, mais e mais produtores rurais estão convertendo sua criação extensiva para um modelo mais intensivo e produtivo, no qual o gado é confinado. Ao proporcionar mais controle de qualidade e previsibilidade ao pecuarista, o método melhora as margens de lucro, mas exige mais capital. Também acaba provocando uma mudança no perfil do negócio. “Mais e mais pecuaristas se tornam um pouco agricultores”, diz Marinho. Muitos passam a produzir milho ou soja para pagar a recuperação dos pastos, ou mesmo outras culturas, como a laranja – caso dos Viacava. Esses novos negócios permitem mais oportunidades de financiamento para o Original. “Nosso forte ainda é a pecuária, mas pretendemos diversificar os cultivares que financiamos”, diz Loureiro. Egresso do BankBoston, o administrador de empresas paulista, de 40 anos, está à frente do braço financeiro do grupo desde 2008, tendo comandado os primeiros momentos de sua expansão.
Para dar conta dessa empreitada, o Original conta com o fôlego financeiro do grupo. Sua origem é o banco JBS, fundado em 2008, que adquiriu o controle do gaúcho Matone fundindo as duas atividades no Original. Ao anunciar a transação, Joesley Batista, presidente da holding J&F, disse que a meta era crescer no consignado, ao qual o Matone se dedicava, principalmente no Rio Grande do Sul, e no qual tinha uma pequena carteira comercial. Essa modalidade de negócio vai deixar de existir. “As margens são pequenas e é uma carteira que está ficando difícil de operar”, diz Loureiro. Atualmente, o banco possui um capital social de R$ 2,1 bilhões e empréstimos de R$ 1,2 bilhão, o que representa uma das posições mais conservadoras do mercado financeiro – para cada real emprestado, há dois reais no patrimônio para cobrir eventuais perdas. Pelas contas de Meirelles, a meta é chegar a R$ 12 bilhões em crédito nos próximos três a cinco anos.
A estratégia será conservadora. A política do banco é financiar, no máximo, 70% da renovação do rebanho de cada cliente e o penhor animal – os bois dados em garantia – terá de equivaler a 130% do total do empréstimo. O crescimento da carteira vai depender apenas do agronegócio, no qual as perspectivas são muito melhores. Além de emprestar dinheiro, o banco pretende ser um prestador de serviços de consultoria à clientela. “O fato de 56% dos resultados do JBS virem de fora do Brasil permite ao grupo ter contato com o que há de mais moderno em tecnologia”, diz Meirelles, encarregado, entre outras funções, de facilitar o trânsito internacional. “Podemos facilmente atuar como difusores de conhecimento.”
O banco está permanentemente observando o movimento das marés financeiras. Ao ter uma atuação global, é possível saber como está o mercado de proteína animal e se é hora de o produtor acelerar ou pisar no freio. “Em geral, o produtor chega ao banco dizendo o que ocorre no mercado, mas aqui é o banco que vai dizer isso ao cliente”, diz Meirelles. A estrutura para prestar esse atendimento será enxuta. Os 98 gerentes de negócios serão, literalmente, homens do campo. Em sua maioria zootecnistas que receberam treinamento financeiro eem crédito, eles são encarregados de avaliar se os olhos do dono estão, de fato, engordando os bois. “Cada um dos nossos executivos de negócio pode avaliar detalhadamente as condições do rebanho, do pasto e das instalações de cada cliente”, diz Loureiro.
Armado dessas ferramentas de análise, o banco pretende surfar nos prognósticos de um crescimento sustentável do consumo de proteínas animais, especialmente na Ásia. Segundo Meirelles, a reorientação da economia da China, que está mais voltada para o mercado interno, vai gerar um aumento constante no consumo de carne. “Fizemos essa avaliação para a Coreia e percebemos que o aumento do consumo não se alterou ao longo dos anos, mesmo que o crescimento econômico desacelerasse”, diz Meirelles. Fato similar ocorreu no ano passado. A expectativa do time de economistas do banco era de que a estiagem nos Estados Unidos, que elevou drasticamente o preço dos grãos, reduzisse as margens de lucro. No entanto, a alta de custos foi repassada sem problemas ao consumidor. “Mesmo que o bolso esteja mais vazio, o cidadão não abre mão de comer melhor e isso é o principal incentivo para o nosso negócio”, diz Meirelles.