Jacyr Costa, presidente da Açúcar Guarani S.A., teve bons motivos para tomar um caldo de cana bem gelado no dia 15 de janeiro. Naquela data, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou a liberação de uma aguardada linha de crédito para os empresários do setor sucroalcooleiro. Denominado BNDES Pró-Renova, o programa tem um orçamento de R$ 4 bilhões e irriga diretamente uma área do setor que vinha padecendo da escassez de recursos: a renovação dos canaviais. “Esse crédito vem em um momento de grande necessidade de investimento”, diz Costa.

Cultura semiperene, a cana-de-açúcar permanece produtiva por até sete anos, mas seu pico de produtividade ocorre entre o primeiro e o quarto ano. A partir dessa fase, a produção despenca. Daí a necessidade de renovar integralmente os canaviais a cada cinco anos. “As plantações da região Centro-Sul vêm produzindo menos do que poderiam, pois a taxa de renovação é inferior ao necessário e a idade média está em quatro anos”, diz Costa.

R$ 4 mil

É o preço médio

para renovar um

hectare de cana-de-açúcar

Pode parecer uma reclamação isolada, mas o setor sucroalcooleiro é um dos mais intensivos em capital do agronegócio, e a falta de investimentos nos canaviais tem sido uma praga, com reflexos danosos sobre outros segmentos da economia. A elevação de diversos custos, entre eles o encarecimento do arrendamento da terra e a alta nos preços da mão de obra, reduziu a folga financeira do setor. A solução foi cortar os investimentos em produtividade, em um momento em que eles deveriam ter sido aumentados. “O Brasil tem uma excelente oportunidade de exportação agora que os Estados Unidos reduziram suas barreiras comerciais sobre o etanol, mas esbarramos na insuficiência da produção”, diz Moacir Ferreira Teixeira, fundador da consultoria paulista Ecoagro, especializada na securitização de recebíveis do agronegócio. “O mercado interno está aquecido e o mercado externo está aberto, mas o setor não tem condições de atender a essas demandas, porque o investimento na renovação dos canaviais vem sendo inferior ao necessário há vários anos”, diz.

Não por acaso, uma linha de crédito oferecida especialmente para esse fim pelo Banco do Brasil no fim do ano passado esgotou-se rapidamente – e deixou muitos empresários frustrados. Pensada como uma solução para os pequenos produtores individuais, se candidataram aos recursos dessa linha principalmente as maiores empresas do setor. A dotação original foi de R$ 230 milhões, oriundos dos recursos do crédito agrícola tradicional. Lançada em junho do ano passado, ela zerou em poucas semanas e muitos produtores reclamaram. “A demanda foi surpreendente”, diz Osmar Dias, vice-presidente do BB encarregado do agronegócio e também das micro e pequenas empresas. Na época, a linha oferecida pelo BB e por outros bancos atendia apenas os produtores que se enquadravam como pessoas físicas. Agora, afirma o executivo, há recursos suficientes para atender os grandes produtores.

Acreditamos que a maior parte dos recursos será tomada pelos grandes produtores, como usinas e cooperativas”

OSMAR DIAS,

VICE-PRESIDENTE DO BB

Os empréstimos concedidos pelo BNDES serão indiretos, ou seja, o tomador terá acesso ao dinheiro por meio do sistema financeiro. Para as empresas de médio e de grande porte, com faturamento anual acima de R$ 90 milhões, o banco vai cobrar Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), hoje em 0,5% ao mês, mais uma remuneração de 1,3% ao ano. O tomador também vai pagar uma taxa de intermediação financeira de 0,5% e juros cobrados pelo banco que está repassando os recursos, que têm de ser negociados caso a caso. Sem contar o pedágio cobrado pelos bancos, os grandes produtores pagam juros totais de 8,09% ao ano, cerca de 77% dos juros mínimos de mercado. O crédito financia até 80% dos investimentos, o prazo é de seis anos e a carência é de 18 meses. Segundo Dias, do BB, as empresas menores têm condições ainda melhores, o BNDES cobra uma taxa de remuneração de apenas 0,9%. “Acreditamos que a maior parte dos recursos será tomada pelos grandes produtores, como usinas e cooperativas.”

A intenção, afirma Dias, é permitir uma renovação de 20% da lavoura por safra. “Se o canavial está velho, a produção é baixa. Por isso, temos de investir na renovação, aumentando a produção sem ter a necessidade de ampliar a área plantada.” Como o custo de renovação de um hectare é de R$ 4 mil, a estimativa é de que esses recursos financiem a renovação de até um milhão de hectares de cana, cerca de um décimo da área plantada no País. Na ponta do lápis, essa injeção de recursos pode representar um aumento de até três bilhões de litros na produção anual de etanol.

No caso da Guarani, que tem uma capacidade de moagem de cana de 20 milhões de toneladas por ano, o acesso aos recursos veio em boa hora. O grupo opera sete usinas na região noroeste do Estado de São Paulo. Sua área plantada se estende por 300 mil hectares, dos quais 90 mil arrendados e 210 mil são de produtores parceiros. A falta de investimentos vinha se fazendo sentir. A Guarani já vem notando uma queda nos números. “Nossa produtividade média é de 85 toneladas por hectare, mas no ano passado obtivemos 79 toneladas”, diz Costa. “Precisamos renovar pelo menos 17% de nossos canaviais todos os anos, mas, em razão da escassez de crédito, esse percentual vem ficando ao redor de 5%.”