22/05/2014 - 12:15
Os criadores mineiros Ricardo Pereira Carneiro, da fazenda Soledade, de Uberlândia, e Gustavo Rezende Vieira, da fazenda Tufubarina, em Monte Alegre de Minas, localizada a pouco mais de 70 quilômetros da Soledade, quando se encontram, gostam muito de bater dois dedos de prosa, expressão para designar uma conversa nem sempre rapidinha. O assunto é recorrente: criação de gado senepol, raça introduzida no País em 1999. Num dos últimos dedos de prosa, no mês passado, Vieira dizia que tinha em seu freezer 17 quilos de picanha, prontos para irem à brasa. “Muito justo que virem churrasco”, dizia. “A carne é ótima.” Carneiro, que naquele dia havia convidado Vieira para almoçar em sua fazenda, para não ficar atrás, serviu um estrogonofe de carne de senepol.
Mas se engana quem pensa que a disputa para saber quem serve a melhor carne dessa raça seja uma brincadeira dos amigos. Carneiro, um dos maiores criadores de senepol do Brasil, e Vieira, que começou sua criação influenciado pelo companheiro, fazem parte de um grupo que testa exaustivamente animais no Centro de Performance da central CRV Lagoa, em Sertãozinho, no interior paulista, além de manter um forte ritmo nas avaliações genéticas em suas fazendas. No caso da carne do churrasco e do estrogonofe, o produto é fornecido por animais de alta seleção genética, mas que foram descartados por não atingirem um nível de qualidade para serem reprodutores. “Quem faz melhoramento bovino não pode ter dó de descartar animais”, diz Carneiro.
A Soledade mantém um rebanho de 1,7 mil animais, entre raça pura e em processo de apuração através de cruzamentos com o nelore. Também possui 18 touros alojados em centrais de inseminação, a maior quantidade entre os 80 criadores da raça no País. Na Tufubarina, que começou a formar o rebanho a partir de compras na Soledade, o plantel é de 72 fêmeas de alta seleção, com sete touros de central, como são chamados os animais aptos à venda de sêmen. O objetivo de ambos é vender fêmeas para a formação de novos rebanhos da raça e touros e sêmen destinados a projetos de cruzamento industrial com o gado nelore, visando à produção de carne. Nenhuma das duas missões é fácil. No ano passado, as centrais de inseminação venderam 118 mil doses de sêmen de senepol, de um total de 13 milhões de doses de sêmen comercializadas no País, principalmente de angus e de nelore. A quantidade de animais puros também é ainda minúscula: 15 mil, ante um rebanho bovino de 200 milhões de cabeças. “Como criadores de uma raça pura, a gente já nasceu, mas ainda estamos nas fraldas”, diz Vieira. “Por isso é importante fazer parte de avaliações como a da CRV Lagoa, que testa os animais individualmente.” Programas de avaliação coletiva requerem um volume maior de animais no rebanho. Na Associação Nacional de Criadores e Pesquisadores (AN CP), por exemplo, entre nelore, guzerá, brahman e tabapuã, a raça com menor quantidade no programa de avaliação possui 45 mil animais.
No teste da CRV Lagoa, que começa no próximo mês, pela oitava vez, a previsão é avaliar 550 animais de oito raças, que pertencem a 170 criadores. São medidas 12 características, entre elas ganho de peso, qualidade da carcaça e gordura, que compõem um índice específico para cada raça. “O Centro de Performance é uma fonte consolidada de avaliação genética de animais jovens”, diz Cristiano Leal, gerente regional da CRV Lagoa. “Com ele, o criador pode ter uma noção completa do potencial de seu animal.” Segundo Carneiro, com animais avaliados, fica mais fácil ocupar espaço no mercado de reprodutores e fêmeas de campo. No Brasil há cerca de 100 milhões de vacas comerciais para produzir bezerros de corte, para cinco milhões de touros, dos quais um milhão deveriam ser substituídos regularmente, mas não são. “Todas as raças puras criadas no País estão de olho nessa reposição, e nós também”, diz Carneiro. Com o preço de um touro estimado entre 40 e 80 arrobas de boi gordo, o volume potencial desse mercado é de cerca de R$ 10 bilhões por ano. Para o sêmen, o mercado é estimado em R$ 700 milhões anuais, de acordo com a Associação Brasileira de Inseminação Artificial (Asbia).
O engenheiro e professor da Universidade Federal de Uberlândia, José Wilson Resende, dono da fazenda Cerrado, compra touros e vacas da Soledade desde 2008. Resende está preparando seu plano B, para quando se aposentar. “Compro apenas touros avaliados porque a pecuária não é hobby para mim”, diz. Resende tem 300 vacas aneloradas produzindo bezerros cruzados de senepol e começa a investir em gado puro. Ele já vende alguns animais desde 2011, mas a meta é chegar a 100 touros para faturar R$ 800 mil por ano, em dinheiro de hoje. Outro cliente da Soledade é o advogado Danilo Borges, dono da fazenda Forquilha, em Anápolis (GO), que está investindo em senepol há três anos. Ele comprou quatro doadoras avaliadas, mantidas na Soledade em um projeto de parceria. “Agora, estamos montando um projeto de campo e vamos transferir os animais para a nossa fazenda”, diz Borges. “A ideia é andar com as próprias pernas.”
Atualmente, Carneiro desenvolve parcerias com 12 produtores que adquiriram animais de seu plantel, e os mantém nele. “Multiplicamos os animais testados e avaliados, formamos uma base de seleção e ajudamos a iniciar um novo criatório”, diz ele. “Para quem planeja no longo prazo, quanto mais criadores de senepol, melhor para o mercado.”
Para um empreendedor que começou a vida em 1983 como garimpeiro de ouro em Poconé, Mato Grosso, e que comemorava cada quilo do metal extraído investindo em terra e gado, Carneiro parece saber do que está falando. Na fazenda de Uberlândia ele consegue faturar R$ 20 mil por hectareano, cerca de R$ 3 milhões, com a venda de 80 animais a cada safra. Mas acredita que dentro de alguns anos esse faturamento possa dobrar, com os investimentos que vêm sendo feitos para aumentar o rebanho de animais puros senepol, em uma segunda fazenda em Goiás, e triplicar a receita quando terminar um projeto de criação de touros no Pará, em parceria com o cantor sertanejo Leonardo Sbranna Pimenta, o Leo, da dupla Victor e Leo.