27/01/2022 - 19:22
A piora do apetite por risco no exterior ao longo da tarde, com queda das bolsas em Nova York e aceleração dos ganhos da moeda norte-americana frente a divisas fortes e emergentes, acabou respingando no mercado doméstico de câmbio. Depois de furar o piso de R$ 5,40 pela manhã e tocar no patamar de R$ 5,35 – em meio a relatos de fluxo estrangeiro (para Bolsa e renda fixa) e provável internalização de recursos de emissões externas -, o dólar à vista diminuiu bastante o ritmo de queda e fechou na casa de R$ 5,42 nesta quinta-feira.
Apesar da perda de fôlego no fim do dia, o real foi uma das duas únicas moedas emergentes que se apreciaram na sessão desta quinta-feira. A outra foi o rublo, beneficiado pelo arrefecimento das tensões geopolíticas envolvendo a Ucrânia, após autoridades da Rússia se mostrarem abertas a diálogo com os Estados Unidos.
No dia seguinte à decisão de política monetária do Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) e à fala dura do presidente da instituição, Jerome Powell, que ratificou a aposta de alta de juros em março, o mercado absorveu a alta de 5,7% do PIB dos EUA em 2021 – o maior ritmo de crescimento desde 1984. Isso deve levar parte dos investidores a ousar pôr suas fichas na possibilidade de que o Fed promova uma elevação inicial de 0,50 ponto porcentual.
A resultante foi uma rodada de apreciação do dólar frente a divisas fortes, sobretudo o euro – o que levou o índice DXY a uma escalada até o patamar dos 97,200 pontos. Além do real e do rublo, outras moedas emergentes até esboçaram uma alta pela manhã, mas acabaram sucumbindo ao longo da tarde.
Por aqui, o dólar até se fortaleceu e tocou R$ 5,43, mas não conseguiu virar o jogo contra o real. Com mínima a R$ 5,3541 (menor valor intraday desde 1º de outubro) e máxima a R$ 5,4354, a divisa fechou a R$ 5,4238, em queda de 0,32% – o que leva a perda acumulada em janeiro a 2,73%.
Analistas atribuem a resiliência do real ao fato de o Banco Central brasileiro liderar o movimento de aperto monetário entre economias emergentes, levando o Brasil a ter um dos maiores juros reais do mundo. Após a divulgação na quarta do IPCA-15 de janeiro acima do esperado, cresceu a aposta não apenas em nova alta de 1,50 ponto porcentual da Selic na reunião do Copom na semana que vem, para 10,75%, como de taxa básica terminal acima de 12%.
A MB Associados, por exemplo aumentou a projeção de alta do IPCA de 2022 de 4,70% para 5,80%, acima do teto da meta do ano (5,0%). Com a mudança, a consultoria elevou também a estimativa de taxa Selic no fim do ciclo, de 11,75% para 12,25%.
Também joga a favor da moeda brasileira o movimento de rotação internacional de carteiras, com investidores reduzindo posições em ações americanas para alocar e mercados emergentes cujos preços são vistos como depreciados, caso da bolsa brasileira.
O economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira, observa que, além do fluxo estrangeiro, o real é beneficiado por uma reversão do posicionamento do investidor local, que vinha carregando posições pesadas a favor do dólar. “Esse movimento foi capitaneado pelo gringo, mas tem muito local que teve que ‘stopar’ (emitir ordem para liquidar posição)”, afirma Vieira, acrescentando que o real, após ter ficado muito para trás em relação a outras divisas emergentes, agora se recupera e é até utilizado como opção de hedge.
Embora descarte a possibilidade de que a taxa Selic suba até 12% e destoe do consenso ao prever alta de 1,25 ponto no Copom da próxima semana, Vieira vê o Brasil como muito atraente para as operações de carry trade (que exploram diferencial de juros), uma vez que as taxas brasileiras são bem mais elevadas em comparação com outros mercados.
Para o economista da Infinity, o real destoa, por ora, do fortalecimento global do dólar porque, além dos juros locais elevados, estava muito depreciado em relação a outras divisas emergentes. “Não é uma questão de fundamentos. Vamos ver até quando essa posição do estrangeiro em Brasil vai se manter e de certa forma isolar o real desse dólar mais forte no mundo”, diz.
“As contas externas demonstram que está havendo retorno dos investidores brasileiros que remeteram para comprar ativos financeiros no exterior”, afirma, no Twitter, o sócio-fundador e CEO da Armor Capital, Alfredo Menezes, que vê o dólar a R$ 5,35 como valor bem próximo do que considera o ponto de equilíbrio (em torno de R$ 5,30).