O real ficou de fora da festa dos ativos domésticos nesta quarta-feira, 15, embalada pela promessa do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, de adiantar a divulgação do novo arcabouço fiscal de abril para março e pela bênção de três titãs locais da gestão de recursos – Luis Stuhlberger, Rogério Xavier e André Jakurski – à alteração das metas de inflação almejada pelo presidente Lula.

Apesar de o Ibovespa escalar aos 110 mil pontos e as taxas de juros futuros renovarem mínimas ao longo da tarde, o dólar manteve o sinal de alta exibido desde a manhã na segunda etapa de negócios, orbitando o nível de R$ 5,22. Pesou no mercado doméstico de câmbio a onda de fortalecimento global do dólar, após dados da economia americana (vendas no varejo em janeiro e atividade industrial) reforçarem a expectativa de continuidade de alta de juros nos EUA e de taxa terminal acima de 5%.

Com oscilação de apenas cerca de cinco centavos entre a mínima (R$ 5,1922) e a máxima (R$ 5,2403), o dólar à vista encerrou a sessão desta cotado a R$ 5,2197, em alta de 0,41%. Com isso, a divisa passou a acumular suave baixa (-0,04%) na semana. Em fevereiro, a moeda americana apresenta valorização de 2,82%. O real, que costuma apanhar mais em episódios alta da moeda americana, hoje foi uma das divisas emergentes e de exportadores de commodities que menos perdeu ante o dólar.

Ontem à noite, após estresse com a possibilidade de mudança iminente da meta de inflação de 2023, o mercado já havia serenado com a fala do próprio Haddad dando conta de que o tema não está na pauta da reunião do Conselho Monetário Nacional (CMN) amanhã, 16. A perspectiva é a de que a alteração das metas para este ano e os próximos seja feita após a apresentação das novas regras fiscais.

“O ponto crítico agora é saber como vai ficar o arcabouço fiscal. Se for crível e garantir que a dívida/PIB não vai subir, o dólar deve cair bastante”, afirma o head da Tesouraria do Travelex Bank, Marcos Weigt, que, quando Lula começou o ataque ao Banco Central, já observava que havia um debate no mundo inteiro sobre as metas de inflação. “Se o BC perseguir de verdade a meta atual, o juro real vai para quanto? Para 10%? 12%? Não tem sentido nenhum. Mas para mudar a meta precisa primeiro do arcabouço fiscal”.

O mercado local operou hoje sob impacto das declarações de Haddad e de gestores em evento no BTG Pactual pela manhã. Antes de o ministro falar, Rodrigo Xavier, sócio-fundador da SPX Capital, disse que a meta de inflação “está errada”. Stuhlberger, do lendário fundo Verde, endossou as palavras de Xavier e afirmou que buscar uma “meta irrealista não é uma coisa boa pro Brasil no atual momento”. Jakurski, sócio-fundador da JGP, disse que “não dá para perseguir essa meta de inflação”.

Stuhlberger, contudo, não se furtou a dar uma cutucada no governo e, na frente de Haddad, disse: “Mas ninguém tem coragem de chegar para o ministro Haddad e falar ‘ministro, sabe qual o problema da meta de inflação? É porque as pessoas não têm confiança na execução fiscal'”. O ministro da Fazenda adotou tom conciliador, voltando a pregar harmonia entre política fiscal e monetária.

“Haddad foi muito feliz hoje nas suas declarações. Xavier e Stuhlberger falaram com bastante propriedade do debate da meta. Como eles disseram, a inflação está esticada no mundo todo e ter uma inflação na casa de 3% no Brasil não é realista”, afirma o diretor de produtos de câmbio da Venice Investimentos, André Rolha, que atribui a alta do dólar no mercado local hoje ao ambiente externo mais pesado, com avanço da moeda americana frente a divisas fortes e emergentes.