Temores crescentes de que o governo tente interferir na condução da política monetária, depois de seguidas críticas de Lula à autonomia do Banco Central e à atual meta de inflação, dominaram os negócios no mercado doméstico de câmbio nesta sexta-feira, 20.

Na contramão da perda de força da moeda americana em relação a divisas emergentes e de exportadores de commodities, em especial ao longo da tarde, o dólar terminou o dia em alta de 0,72%, cotado a R$ 5,2077, após ter alcançado máxima a R$ 5,2396 pela manhã. Foi o terceiro pregão seguido de avanço da divisa, que encerra a semana com valorização de 1,98%. Em janeiro, a moeda ainda acumula baixa de 1,37%.

Apesar de o ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais, Alexandre Padilha, ter afirmado ontem que não há “predisposição” do governo de mudar a relação com o Banco Central, a crença dominante é a de que as falas de Lula são sinal claro de que o Planalto pretende encampar um debate em torno das metas de inflação e da própria atuação do BC sob o comando de Roberto Campos Neto.

Já estaria em curso, segundo apurou o Broadcast, uma guerra nos bastidores para indicação do substituto do diretor de Política Monetária do BC, Bruno Serra, cujo mandato termina em 28 de fevereiro. O governo gostaria de um nome que possa começar a mudar “a cara” do Comitê de Política Monetária (Copom).

Analistas observam que o governo abriu nova frente de batalha sem ainda ter sanado as dúvidas sobre a condução da política fiscal, o que contribui para a demanda defensiva pela moeda americana. O dólar não está em níveis ainda mais elevados porque há o vento positivo vindo da reabertura da economia da China, que abandonou a política de covid zero, e se acumulam sinais de que o Federal Reserve (Fed, o BC americano) vai reduzir o ritmo de aperto monetário.

O CIO da Alphatree Capital, Rodrigo Jolig, observa que há no mundo inteiro um debate sobre o prazo de retorno da inflação à meta, dado o impacto do choque de custos provocado pela pandemia de Covid, que desarranjou as cadeias produtivas globais, e a guerra na Ucrânia. Definidas no Brasil pelo Conselho Monetário Nacional (CMN), as metas de inflação são de 3,25% neste ano e de 3% em 2024 e 2025, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto porcentual.

“A meta brasileira é difícil de atingir mesmo. Tem que haver discussão de convergência em prazo maior. Mas o ‘timing’ deste debate é muito ruim, porque tem muita incerteza fiscal”, afirma Jolig, para quem o governo primeiro deveria ancorar as expectativas fiscais antes de partir para discussão sobre as metas. “O que segura as projeções de inflação para 2024 e 2025 na faixa de 3% é justamente a meta. Se revisarem para cima, as expectativas vão subir para se ancorar na nova meta. Com isso, não haverá espaço para o BC cortar os juros, ao contrário do que o governo pensa”.