26/03/2019 - 13:18
Lentamente, o braço se movimenta na direção de um galho abarrotado de morangos. Os dedos, cuidadosos, sequer tocam nos frutos verdes, colhendo apenas os maduros, para, em seguida, depositá-los, quase que carinhosamente, numa bandeja. E assim segue o trabalho por toda a plantação. O braço descrito acima poderia ser de um agricultor dedicado, mas trata-se, na verdade, do braço mecânico de um robô projetado pela Octinion, fabricante belga de máquinas e equipamentos eletrônicos. Em fase final de aprovação, o robô foi desenhado especialmente para ser um coletor de morangos, com garras de silicone, que retiram a fruta do galho sem danificá-la, e câmeras que identificam, pela coloração e tamanho, se está madura. Esse é apenas um exemplo de como a robótica está chegando ao campo e mudando – para melhor – a vida e a produtividade dos fazendeiros. Projeto similar está em desenvolvimento no Brasil, pela Embrapa. A estatal trabalha no projeto de um software que reconhece as culturas de milho e uva para auxiliar na hora da colheita.
Já a suíça ecoRobotix desenvolveu um robô que aplica herbicida direta e exclusivamente nas ervas daninhas, sem o risco de contaminar as plantas saudáveis. Movida a energia solar, a máquina tem sensores que identificam os invasores e, por meio de hastes que mais parecem patas de uma grande aranha, borrifam o veneno exatamente sobre a erva daninha. E todos os dados são enviados ao smartphone do produtor. A inovação pode significar um grande salto para a redução do uso de agroquímicos nas plantações.
Uma revolução silenciosa da área de robótica – com sensores digitais, lentes ultra modernas, computação em nuvem e inteligência artificial – vem moldando o comportamento das máquinas agrícolas ao redor do mundo. Os equipamentos já conversam entre si, para ajudar a conduzir as operações no campo. “Essa é a terceira onda revolucionária da internet”, afirma a analista de sistemas Silvia Massruhá, chefe geral da Embrapa Informática Agropecuária, de Campinas (SP). “É quando começamos a integrar todos os dados que estão sendo gerados para o desenvolvimento de uma operação”, explica.
SATÉLITES E DRONES Essa é a internet das coisas (The Internet of Things, ou IoT, na sigla em inglês), uma revolução precedida pelo advento da transmissão remota de dados entre computadores, a internet em si, e da internet móvel, presente em celulares e demais aparelhos de comunicação móvel. No campo, a IoT significa usar as informações de satélites, drones, miniestações meteorológicas, sensores de solo e máquinas agrícolas para traçar um quadro cada vez mais exato do resultado de uma colheita. Mas o futuro vai muito além disso.
É o que garante o engenheiro agrônomo Daniel Padrão, CEO da Solinftec, especialista em IoT no campo. “As máquinas poderão aprender conforme usamos a tecnologia”, diz. “Em determinado momento, elas tomarão as próprias decisões, como a hora certa de plantar e de colher.” Isso não é ficção científica. A tecnologia que vem sendo criada para o campo quer minar a principal barreira de uma operação agrícola: a incerteza. Perguntas como, quando vai chover, qual a hora certa de plantar, qual o melhor momento para proteger a lavoura de pragas, entre outras, serão respondidas facilmente, com a convergência dos dados captados por diferentes equipamentos instalados nas fazendas. A paulista Solinftec, de Araçatuba, fundada em 2007 por sete empreendedores, entre eles o engenheiro de automação Britaldo Hernandez Fernandez, é uma das empresas brasileiras mais avançadas na integração de dados. Nesse setor, já atuam grandes fabricantes de máquinas, como as americanas CNH Industrial, John Deere e AGCO.
No caso da Solinftec, além de colocar uma fazenda totalmente online em questão de semanas, a companhia também ajusta todos os equipamentos para conversar entre si. “Criamos uma grande plataforma de IoT nas propriedades rurais”, diz Padrão. “Isso nos possibilita monitorar os processos de produção, como colheita, plantio, tempo e condições climáticas e umidade de solo. Tudo isso dá mais subsídios ao produtor no processo de tomada de decisão.”
E se o produtor tiver alguma dúvida, Alice entra em ação. Ela é a interface de inteligência artificial criada pela Solinftec e foi apresentada aos produtores no ano passado, na Agrishow, a maior feira de tecnologia agrícola da América Latina, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo. “Alice faz parte do nosso plano estratégico de apostar mais na condução autônoma das máquinas e nas operações de campo”, destaca Padrão.
UNICÓRNIO RURAL A ideia é que, com esses robôs trabalhando praticamente sozinhos, o produtor tenha mais tempo para cuidar de questões estratégicas do seu negócio, como as decisões de preço e fechamento de contratos de compra e venda da sua produção.
A Solinftec não revela seus ganhos anuais, mas está faturando uma boa parcela da produção brasileira de cana-de-açúcar e, mais recentemente, de grãos.
Hoje, a companhia soma cerca de 6,5 milhões de hectares atendidos, cerca de 8,5% da área agricultável do País. Entre as fazendas conectadas pela empresa, estão gigantes como as paulistas Raízen e Tereos Açúcar e Energia Brasil, e os grupos mato-grossenses Amaggi e Bom Futuro. O ousado plano da companhia é se tornar, em 3 anos, um unicórnio, termo que designa as startups com valor de mercado acima de US$ 1 bilhão. O caminho estrelado da Solinftec começou com o aporte não revelado do fundo americano TPG Alternative & Renewable Technologies, no final de 2016 e início de 2017. “Isso serviu para a empresa começar a se internacionalizar”, destaca o exeutivo.
Há pouco mais de 1 mês, a companhia inaugurou seu escritório na Universidade de Purdue, em Idianápolis, nos Estados Unidos.
Com isso, o plano da Solinftec é tomar conta, também, de fazendas americanas, e, num futuro próximo, levar seu trabalho a propriedades da Europa. “Nosso propósito é revolucionar o campo”, declara Padrão. Ao que tudo indica, veremos cada vez mais robozinhos trabalhando nas fazendas.