06/08/2018 - 11:00
A greve de 11 dias dos caminhoneiros, que causou prejuízos ao agronegócio, ressaltou um problema crônico do setor: a ineficiência da infraestrutura logística brasileira. Isso porque o Brasil privilegia o modal rodoviário, que é o mais caro para o transporte em longas distância. Não bastasse isso, as condições da maioria das estrada são precárias. “Dos 1,7 milhões de quilômetros de estradas, somente 12,5% são pavimentados e, destes, 61,8% apresentam problemas de conservação”, afirma Elisangela Pereira Lopes, assessora técnica da Comissão Nacional de Logística e Infraestrutura, da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). Com esses problemas, há um acréscimo de 5% no consumo de diesel, o que representa gastos anuais de R$ 2,5 bilhões. Segundo um estudo da Confederação Nacional do Transporte, 62% da safra de grãos de 2017, o equivalente a 134 milhões de toneladas – de um total de 217 milhões de toneladas –, foram transportadas por rodovias.
Com o fim da greve, o anúncio do tabelamento do frete pela Agência Nacional de Transportes Terrestres trouxe ao setor uma anomalia:, deixando o cenário ainda mais complicado. De acordo com a CNA, a partir de informações de entidades do setor, nos primeiros 20 dias de vigência da tabela, 60 navios ficaram parados nos portos e tiveram de pagar multas diárias (demurrage) de R$ 6,7 milhões, totalizando R$ 135 milhões. Nesse período, o custo do frete aumentou de 51% até 150%, quando não há carga de retorno. Para a CNA, as perdas acumuladas nos setores de milho e de soja foram estimadas em R$ 10 bilhões. No caso, 6,8 milhões de toneladas de soja e de farelo para exportação não chegaram aos portos. “Os gastos desse setor foram de R$ 4,8 bilhão com frete, um aumento médio de 40%”, diz Elisangela. Antes do tabelamento, o valor do frete do município de Sorriso (MT) ao porto de Santos (SP), um percurso de dois mil quilômetros, era de R$ 290,00 por tonelada. Agora, o preço é R$ 437,55 por tonelada. Sem o frete de retorno, o valor sobe para R$ 637,10.
Esses não são os únicos problemas causados ao setor do agronegócio pela greve dos caminhoneiros. Os prejuízos relacionados ao tabelamento têm um efeito dominó e afeta outros segmentos. No caso dos suínos e das aves, o impacto sobre o custo do transporte foi de 63%. Há previsão de aumento no frete da ração animal da ordem de 83%. Marcelo Lopes, presidente da Associação Brasileira dos Criadores de Suínos, entidade que reúne 25 mil suinocultores, diz há uma confusão em torno do frete. “Estão jogando a conta para o produtor de grãos ou de proteína”, diz Lopes. “Tenho ouvido muita reclamação nesse sentido, inclusive dos frigoríficos.” Para Alcides Torres, sócio-diretor da Scot Consultoria, o tabelamento é uma novidade na história recente do setor, só vista antes do Plano Real, nos anos 1980. O fato é que ele prejudica as margens dos produtores, que já vinham muito estreitas antes da greve. “Com isso, a crise foi estabelecida e alguém tem de ceder”, diz Torres. “Descobrimos que não há lideranças, que o setor não sabe com quem conversar.” A greve dos caminhoneiros gerou prejuízos da ordem de R$ 6 bilhões ao setor agropecuário, segundo estimativa da CNA, com destaque para o transporte de cargas vivas e de perecíveis, como o leite.
No caso do frete, hoje nenhum setor consegue fechar a conta. “Até os segmentos de café e de produtos florestais, que estavam em uma posição confortável, em função da proximidade dos portos ou de outros canais de escoamento, foram afetados”, afirma Elisangela, da CNA. No segmento de floresta, papel e celulose, a elevação média do frete foi de 36%. No caso do café, no período de 20 dias de greve, cerca de 60% do fluxo para os embarques rodoviários, rumo aos portos, foram afetados e até 90% do transporte da carga nos portos não se realizaram.
Segundo a Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec), em 2017, o frete nacional da porteira ao porto foi um dos mais caros do mundo. O preço cobrado é de cerca de US$ 90 por tonelada, enquanto nos Estados Unidos é de US$ 26 e, na Argentina, US$ 43. Além disso, cerca de 60% da safra americana é escoada pelo modal ferroviário, enquanto 80% da safra argentina usa o modal rodoviário, mas nesse caso em distâncias de até 300 quilômetros entre a produção e o porto. “No Brasil, em até mil quilômetros, o frete rodoviário ainda é viável”, afirma Elisangela. “Acima dessa distância, é preciso integrar os modais.”
Mas, no curto prazo, o que fazer com a estrutura logística disponível no Brasil para minimizar os custos e os problemas do setor? Uma solução seria utilizar mais o modal ferroviário onde é possível. Segundo Elisangela, a malha ferroviária brasileira é de 30 mil quilômetros. Mas somente 10 mil quilômetros são utilizados. “Desse total, apenas 21%, ou 2,1 mil quilômetros são destinados ao agronegócio”, diz ela. “O restante dos trilhos está ocioso ou abandonado.” Outra opção seria o transporte por hidrovia. Atualmente, apenas 21 mil quilômetros de rios são usados para escoar os produtos agrícolas. E isso não acontece durante o ano todo. Segundo Elisangela, são necessários investimentos em obras de dragagem e derrocamento de pedras em vários rios para escoar, pelo menos, 20 milhões de toneladas de alimentos.