22/11/2017 - 11:51
Quem anda ou já andou de ônibus sabe o que significa a expressão “freio de arrumação”. Trata-se de uma brecada brusca do motorista para ajustar a lotação e tudo o que está dentro dela, mesmo com a possibilidade quase certa de acidentes de percurso. Quem já passou pela situação sabe que ela funciona. A pecuária brasileira vem passando por um tipo de freio de arrumação desde o início do ano, mas as suas consequências ainda guardam um grau elevado de incerteza. O freio começou com a Operação Carne Fraca, que denunciava o envolvimento de fiscais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento
(Mapa), em esquemas de liberação de licenças e fiscalização irregular de frigoríficos. E culminou com a delação sobre pagamento de propinas, de pelo menos R$ 600 milhões a políticos, feita ao Ministério Público e à Polícia Federal pelos maiores acionistas e controladores do grupo JBS, os executivos Joesley Batista e seu irmão Wesley Batista, ainda encarcerados até o fechamento desta edição da DINHEIRO RURAL. “Mas não foi somente isso. A conta é maior”, diz Antonio Camardelli, diretor executivo da Associação Brasileira da Indústria Exportadora de Carnes (Abiec). Ele se refere à volta da alíquota de 11% de ICMS sobre a carne vendida em São Paulo, o maior mercado do País. Também entra na conta as auditorias americanas, depois que o país de Donald Trump suspendeu as importações brasileiras de carne, e que eram uma promessa. Fecha a lista de desacertos as missões técnicas europeias após a Carne Fraca, que se tornaram mais rígidas, e o retorno da cobrança do Funrural para os empregadores do campo. A arroba do boi gordo, com média de R$ 152,90 em São Paulo, no ano passado, custava no final de outubro R$ 138,00, valor 10% abaixo. Mas o fato é que, embora contribuam para um cenário de pressão de mercado, nada abalou tanto o setor como o caso JBS, empresa que em uma década saiu de uma receita de R$ 14,1 bilhões para R$ 170,3 bilhões no ano passado. Apenas no Brasil, a estimativa do mercado é de que a JBS compre, diariamente, até 35 mil bois. Esse volume significa recursos da ordem de R$ 88 milhões por dia que saem do caixa da empresa para um enorme contingente de pecuaristas, calculado em cerca de 70 mil fornecedores de gado.
Agora, para onde vai a JBS, a maior empresa de processamento de proteína animal do mundo? Nas redes sociais, as manifestações mostram uma certa sensação de prazer com o ocorrido e a percepção de que, ao se envolver em práticas ilegais, a melhor punição seria a sua saída do mercado. Ouvidas pela DINHEIRO RURAL, manifestações desse calibre ocorrem no anonimato. Do lado dos que se identificam há uma posição quase convergente: é preciso separar a empresa das atitudes de seus controladores, e olhar o mercado da carne pela ótica da transparência. Isso porque a demanda pelo produto continua saudável. Até meados de dezembro, a Abiec deve apresentar o fechamento do ano, mas já é dado como certo que as exportações de 2017 serão mais robustas que as do ano passado. Em 2016, o setor exportador faturou US$ 5,34 bilhões com a venda de 1,35 milhão de toneladas. “A imagem da carne brasileira não foi afetada e os dados vão confirmar um desempenho positivo neste ano”, afirma Camardelli. “Mas é claro que estão dadas as condições para um novo cenário de negócios e de leis, entre elas as mudanças esperadas no Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (Dipoa), órgão de fiscalização do Mapa.”
Esse novo ambiente de negócios também incluiria uma menor influência da JBS nos principais e mais importantes pólos de produção de gado. Em Mato Grosso, por exemplo, de acordo com um estudo do Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), a JBS iniciou o ano com 51% dos abates no Estado. Juntamente com ela, quatro grupos frigoríficos detêm 82% dos abates. A Marfrig Foods, controlada pelo empresário Marcos Molina, vem em segundo lugar com 11%. No ano passado, esses frigoríficos abateram 4,6 milhões de bovinos, volume equivalente a 15,4% do total nacional de 29,6 milhões de animais, de acordo com o IBGE. Em 2008, a JBS controlava 13% dos abates e havia 10 grupos de relevância atuando no Estado.
O diretor executivo da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Luciano Vacari, uma das lideranças que mais combatem esse movimento de concentração da indústria da carne, diz que os negócios da JBS precisam ser preservados. “Queremos que os canais de venda da carne sejam mantidos, que os abates continuem e os ex-diretores da empresa que se entendam com a justiça”, afirma ele. “Mas seria bom que o conselho da JBS desse um destino às unidades fechadas no Estados, seis do total de 17.” A empresa nega que haja unidades desativadas. No mês passado, a Frente Parlamentar do Agronegócio encaminhou um pedido formal ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com essa recomendação. “O BNDES precisa colocar na cabeça que é sócio de um grande negócio e que de agora para a frente há espaço para ra um novo rearranjo na indústria frigorífica”, afirma Vacari. A Mafrig, que tinha três frigoríficos em atividade e um paralisado em Mato Grosso, já ativou a unidade e alugou um segundo frigorífico. A Minerva, da família Queiroz Vilela, que possui dois frigoríficos no Estado, dos quais um estava parado, também está retornando aos abates. A estimativa é a de que JBS, Marfrig e Minerva abatam cerca de 55% do gado no País, o que daria no ano passado 16,3 milhões de bovinos.
Para Francisco Maia, pecuarista, ex-presidente da Associação dos Criadores de Mato Grosso do Sul e presidente da Frente Nacional da Pecuária (Fenapec), uma articulação de cerca de dez entidades que se reúnem para ações de defesa da cadeia, a relação da JBS com os pecuaristas mudou nos últimos anos. “Houve uma melhor transparência, como no rendimento do boi no abate”, diz Maia. “Havia muito intermediário de gado no Estado, comprometendo o preço pago ao produtor e a JBS acabou com isso.” Para ele, que também foi uma das lideranças que mais combateram o movimento de concentração da indústria, o momento agora é outro. O mercado se profissionalizou na última década, com grupos mais fortes no setor. “Antes, o pecuarista dormia e não sabia se ao acordar receberia pelo gado vendido”, diz Maia. “Cada dia algum frigorífico tocado por laranja dava calote. Então, se a JBS sair do mercado, que não saia com um mercado quebrado.” Para a empresa, essa é uma possibilidade remota. Em resposta à DINHEIRO RURAL, a JBS afirma que após as delações, as suas operações não foram afetadas e que a receita deste ano vai superar a de 2016. E que tem realizado encontros com fornecedores, em regiões estratégicas, “para tirar dúvidas operacionais e comerciais dos produtores”. Camardelli afirma que a tendência no setor é de uma maior transparência, incluindo a própria entidade que representa a indústria e que passa por mudança em sua governança. “Estamos passando por uma zona cinzenta que vai exigir mais habilidades”, diz ele. “Mas não vai haver desmontes no setor.”