01/06/2008 - 0:00
Se fosse escritor, o deputado Onyx Lorenzoni (DEM/RS), presidente da Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, publicaria uma obra chamada “Por que me ufano do produtor rural”. Nesta entrevista à DINHEIRO RURAL, Onyx explica por que considera o produtor brasileiro um herói, capaz de produzir num país com tantas deficiências. Um dos problemas apontados por ele, que tem como hobby a corrida, é a falta de crédito. Leia a seguir os principais trechos:
DINHEIRO RURAL – Como explicar para o cidadão comum a nova necessidade de negociação de dívidas dos agricultores em um período de alta de alimentos?
ONYX LORENZONI – A renegociação da dívida é importante para que o produtor se capitalize. O crédito oficial para o financiamento da atividade rural do Brasil vem caindo ano após ano. Tanto que há 30 anos nós tínhamos R$ 100 bilhões de crédito nos organismos oficiais e hoje há pouco mais da metade. Só que há 30 anos, produzíamos 60 milhões de toneladas de grãos e este ano a gente pode chegar a 143 milhões.
RURAL – Não seria uma demonstração de que o produtor consegue se financiar?
ONYX – Sabe quem financia essa diferença? Meia dúzia de empresas no Brasil, que são as que fornecem os insumos e criam uma armadilha para o produtor. A empresa coloca o fertilizante, o defensivo… e faz uma conta muito simples. Ela pega a projeção do preço mínimo da safra e joga o preço dos insumos no topo, corrigido pela safra anterior, divide e tira o número de sacas. Quando o produtor colhe, a gordura vai para pagar esse financiador. Na regra, o lucro do produtor está nas mãos de quatro empresas.
RURAL – Que empresas?
ONYX – As grandes do fertilizante. Na comissão, estamos tentando entender a equação que ninguém entende. É o reajuste dos preços dos produtos agrícolas em escalada aritmética e o preço dos insumos numa escalada geométrica. É uma conta que não fecha. Ninguém consegue explicar por que esse tal grau de descompensação.
RURAL – Sempre há discussões sobre esse desequilíbrio. Por que nada é feito?
ONYX – Há uma submissão muito grande do governo a interesses de lobbies muito poderosos. O Brasil é um país que se urbanizou e, lamentavelmente, o campo perdeu do ponto de vista político-eleitoral. Isso afeta todas as relações da cadeia.
RURAL – A bancada ruralista não tem sido eficiente?
ONYX – Ela tem muito mais conquistas eventuais e embates permanentes do que conquistas permanentes e embates eventuais. Somente agora nós partimos para a especialização da ação parlamentar. O lobby dos produtores americanos, por exemplo, é fortíssimo, eles conseguem alterações impressionantes e aqui no Brasil ainda engatinhamos nesse processo. As próprias instituições que representam os agricultores precisam estar mais próximas do Parlamento.
RURAL – A falta de mobilização atrapalha a renegociação?
ONYX – Vamos conseguir um alívio, mas não é o que nós desejamos. Quando a gente fez a renegociação em 2001, houve um grande investimento. É só olhar os gráficos das vendas de máquinas e implementos nos anos subseqüentes. No momento em que os produtores tiveram repactuado suas dívidas, com um prazo adequado de 25 anos e juros razoáveis, houve um investimento fantástico e um resultado extraordinário. O agronegócio brasileiro hoje gira ao redor de US$ 330 bilhões, é um terço do PIB, um terço dos empregos e é supersignificativo na pauta de exportações. A renegociação da dívida, portanto, não se trata de calote, se trata apenas de fazer uma adequação no conjunto das dívidas dos produtores em face das sucessivas safras em que houve frustrações de ordem climática e os efeitos do câmbio foram devastadores.
“A Fazenda do Mantega é um rochedo quando se trata de defender o agronegócio”
RURAL – Como estão as discussões em torno da dívida?
ONYX – O alongamento será de três anos para equipamentos e dois anos para custeio, o que é muito pouco, sem dúvida nenhuma, e para quem está na dívida ativa o governo vem com cinco anos. Aqui, no Congresso, vamos levar para dez anos. É realmente muito pouco.
RURAL – Quem está emperrando?
ONYX – A insensibilidade da Fazenda. A Fazenda é um rochedo quando se trata do agronegócio e é uma mãe quando se trata do setor financeiro industrial. É importante lembrar que se o Brasil conseguiu ter reservas importantes, que estão em US$ 195 bilhões hoje, muito disso foi com a contribuição dada pelo agronegócio. Então, ele precisa ter um tratamento adequado para que possa se recapitalizar e possa se colocar em dia. Eu vou dar só um exemplo: nos últimos cinco anos os produtores rurais brasileiros tomaram, para custeio, R$ 189 bilhões, dinheiro corrigido. Pagaram R$ 179 bilhões e devem R$ 10 bilhões. O produtor rural não é caloteiro. A Fazenda pensa: lá vêm os caloteiros de volta, e não é assim. O produtor brasileiro, ao contrário, é um herói. Porque consegue produzir num país que faz tudo para ele dar errado.
RURAL – Não há exagero nisso?
ONYX – É só olhar a questão da logística. Os produtores do meio-oeste americano transportam milhões de toneladas de grãos com um motorzinho de popa colocado na traseira de uma barcaça e, com um empurrãozinho, ela desce milhares de quilômetros na gravidade, graças ao uso das eclusas que foram feitas lá, com custo baixíssimo. O pessoal de Mato Grosso tem 40% mais de custo da porteira para fora se comparado com o meu Estado, o Rio Grande do Sul. Até a porteira o custo é similar. Da porteira para fora, ele precisa que vá um caminhão retirar o produto, esse caminhão vai rodar por uma estrada que não existe, para chegar a uma estrada asfaltada esburacada, e, pior ainda, superdistante do porto.
RURAL – E isso o torna um herói?
ONYX – Claro. Apesar de não ter crédito adequado, não ter estrada, não ter uma política de eclusas, não ter porto adequado, o produtor brasileiro põe medo no mundo. Eu não estou pedindo para o governo gastar dinheiro é só pôr na mão da iniciativa privada. Porque aqui nós temos um bom centro de pesquisas, que consegue responder às necessidades brasileiras e nós temos um capital humano que hoje não se encontra em lugar nenhum. O capital humano do setor do agronegócio brasileiro é melhor. Tanto é que quando há condições mercadológicas para tal, nós vencemos. Hoje 50% da planta industrial de carne bovina do mundo está na mão de empresários brasileiros. Os brasileiros são donos de frigoríficos no Uruguai, na Argentina, no Paraguai, no Chile, no Canadá, na Itália. Porque o brasileiro é muito bom no que faz. Nós somos feitos dessa mistura de gente que vence as adversidades. O dia que o Brasil tiver do governo brasileiro a capacidade de montar um projeto agrícola de longo prazo, atendendo à demanda de crédito, à demanda de insumos e tendo uma boa logística, meu Deus do céu.
RURAL – Como o Brasil pode suprir a grande demanda global por alimentos?
ONYX – O Brasil pode obter resultados extraordinários na produção de alimentos, que é uma demanda que o mundo tem. E, com isso, o Brasil arrumará o dinheiro que não tem da melhor maneira, que é comprando e vendendo. O Brasil não pode perder o hoje. E o hoje para o Brasil é o agronegócio. Porque ninguém no mundo produz com mais competência biocombustível que o Brasil. O Brasil é o País que tem a matriz energética mais limpa, 45% da matriz é de energia limpa. A média mundial é de 14%. Ninguém nos bate nisso. E, para produzir os 26 bilhões de litros de álcool que nós vamos produzir neste ano, nós usamos 1,25% da área agricultável do Brasil. E nós ainda temos uma Comunidade Européia inteira de florestas intocadas, então eles têm que ter muito medo da gente.
“As quatro grandes empresas de fertilizantes estão comendo o lucro do produtor rural”
RURAL – Não estamos aproveitando a oportunidade?
ONYX – A nossa competitividade está prejudicada por conta da carga tributária, por causa da logística. Enfim, tudo que depende do governo é a grande âncora.
RURAL – O sr. criou uma subcomissão só para tratar da rastreabilidade. Que mudanças a Câmara pode fazer?
ONYX – Esse é um tema sensível. O problema é a campanha difamatória dos irlandeses contra a carne brasileira. Eu acho que isso é o mais grave. Nós temos um produto superdiferenciado, porque nosso boi é criado a pasto. É sabido que os europeus, que pagam aí 270 euros por animal ano de subsídio, vão tentar colocar todas as barreiras sanitárias possíveis e imagináveis. As barreiras são falsamente sanitárias e verdadeiramente econômicas.
DINHEIRO RURAL – O que deveria ser feito?
ONYX – Faltou ao Ministério da Agricultura e ao de Relações Exteriores enfrentarem essa negociação com os importadores europeus balizando claramente que era uma armadilha sanitária para impor uma barreira econômica. E depois fazer valer o seguinte, hoje o preço do filé numa mesa londrina já está quase 50% mais caro do que era, porque não tem o produto. Já começa a faltar o abastecimento lá na Itália, para fazer os embutidos. Porque dependem da nossa carne. A carne brasileira é insumo de embutidos valiosos por lá. A subcomissão vai tentar fazer um equilíbrio entre aquilo que é realmente uma exigência daqueles importadores que são os nossos clientes, fazer valer a soberania brasileira, a qualidade dos produtos brasileiros e não permitir que haja uma campanha difamatória, como fazem os irlandeses.
RURAL – Como isso se dará na prática?
ONYX – Estamos discutindo, ainda não decidimos. Mas se o que importa é saber, na hipótese de um problema num restaurante em Berlim, como se chega à propriedade brasileira, o Brasil pode garantir isso. Não necessariamente do jeito que hoje é feito, que é extremamente burocratizado e caro. A rastreabilidade tem que respeitar as diferenças do método de produção brasileira do método europeu ou da Oceania. Se houver o interesse do importador de um padrão ainda mais exigente que o que vamos estabelecer, então, que se pague pelo diferencial.
RURAL – Simples assim?
ONYX – É simples assim. Paga, tem. Não paga, não tem. Seria um caminho que eu acho equilibrado e que respeitaria o produtor brasileiro, que não está ganhando nada.
RURAL – O sr. acha que eles vão aceitar?
ONYX – É a lei da oferta e da procura. Eles vão tomar a pressão dos consumidores muito em breve pelo alto preço da carne na Europa. Quando esse momento chegar, o Brasil terá a faca e o queijo na mão. Só não tem razão um estrangeiro dizer que aqui só 90 propriedades estão habilitadas. É uma interferência indevida. Eu duvido que a União Européia, numa reciprocidade, fosse aceitar que isso acontecesse lá. Imediatamente teria uma reação. Acho que faltou isso. Fazer valer a nossa soberania.