Perspectiva-2021/2022

Como diz o ditado popular, “quando a esmola é demais, o santo desconfia”. O ano de 2021 começou com os estoques de insumos agrícolas, como defensivos e fertilizantes, dentro da normalidade. A boa notícia tanto agradou quanto surpreendeu, pois é nesse período que costuma se falar sobre a possível escassez de matéria-prima para tais produtos. O receio foi apenas adiado e o problema surgiu de fato já na boca da safra, algo que nunca havia ocorrido, segundo o presidente-executivo da Associação Nacional dos Distribuidores de Insumos Agrícolas e Veterinários (Andav), Paulo César Gonçalves. “A agricultura brasileira é extremamente dependente de matérias-primas de outros países”, afirmou o dirigente. A preocupação aumentou.

“A agricultura brasileira é extremamente dependente da matéria-prima de outros países” Paulo César Gonçalves,
ANDAV (Crédito:Divulgação)

A dinâmica de produção e importação desses ingredientes essenciais foi prejudicada por uma sequência de eventos, uma verdadeira cascata envolvendo a paralisação de fábricas na China, crise diplomática na Bielor-rússia, gargalos logísticos, aumentos nos custos de energia e a alta do dólar. A China, principal fornecedora de insumos para a agricultura brasileira, passa por um severo racionamento de energia. Com isso, centros industriais tiveram suas atividades reduzidas ou até mesmo suspensas, impactando diversos setores.

Como consequência, surgiram questionamentos sobre o fornecimento de produtos para a próxima safra. Disponibilidade, no entanto, não é o único sinal de alerta. Diante das incertezas, houve uma corrida para a aquisição de insumos, gerando alta de preços. Segundo o presidente-executivo da CropLife Brasil, Christian Lohbauer, “o valor do glifosato, um dos herbicidas mais utilizados nas lavouras brasileiras, por exemplo, aumentou 300%”. Além dos estoques estarem zerando, o produtor não tem de quem comprar, não há produto no mercado. “Não tem transformação de fósforo amarelo em glifosato”, afirmou.

O ciclo de importação demora de 60 a 90 dias. Para que insumos e fertilizantes cheguem ao Brasil no início de março, portanto, é necessária uma confirmação no final de novembro. Para evitar um baque no fornecimento, a retomada das atividades na China deveria ser garantida com antecedência. O cenário tem ainda outro agravante: os Jogos Olímpicos de Inverno que acontecem no país asiático, entre os dias 4 e 20 de fevereiro de 2022. “Existe a chance de paralisação ou redução, por parte do governo chinês, das atividades em vários parques químicos ao redor do país, especialmente em Pequim”, disse o presidente da CropLife.

O Brasil nunca havia passado por momento tão duvidoso quanto ao fornecimento de insumos. Em 2017, ocorreu o oposto: houve excesso de produtos no campo e uma interrupção das importações. A solução a médio e longo prazos é importar menos e investir mais na fabricação local. Segundo o presidente da CropLife, Lohbauer, o País teria condições de produzir fertilizantes e uma boa parte dos defensivos, só que não tem competitividade. “A carga tributária, a infraestrutura, o custo do trabalho e a burocracia desindustrializaram o Brasil. Esse é um processo que vem acontecendo há 30 anos”, afirmou.

De acordo com o executivo, as perspectivas para 2022 são de crescimento, mas com alto custo de produção e ainda com incertezas sobre o fornecimento de alguns produtos, como os herbicidas. O relatório de perspectivas do Rabobank para 2022 aponta que o cenário para a próxima safra é bastante desafiador, pois os preços dos fertilizantes devem continuar elevados, devido à combinação de menor oferta com demanda aquecida até meados do primeiro semestre.

Brian Brown