11/12/2020 - 13:00
Economista-chefe da XP Investimentos, Caio Megale alerta para o risco de uma “derrapada fiscal” neste momento de votações de fim de ano no Congresso. Em entrevista ao Estadão, ele diz que o governo precisa ficar de olho para evitar os “jabutis”, inclusão de medidas estranhas à proposta original, que podem prejudicar ainda mais as contas públicas.
Qual a avaliação do sr. sobre o relatório da PEC emergencial?
Se por um lado, não traz economia de curto prazo e é um texto pouco denso em termos dos gatilhos (medidas de corte de gastos), por outro lado, não traz riscos que tinha há alguns meses de novos programas fora do teto. É um início de conversa. Ele resolve os nossos problemas? O problema são as pressões que o teto deve sofrer, principalmente, em 2021. O texto traz gatilhos além do que está na lei complementar 173 (lei de socorro a Estados e municípios, que já previa congelamento dos salários de servidores)? Não me parece. Para que a PEC reduza o risco em 2021, ela precisa ganhar força.
O ‘Estadão’ revelou que o relatório da PEC chegou a ter uma brecha para aumentar gastos fora do teto. Há risco de na votação ter nova tentativa desse tipo?
O risco vai ser sempre grande, e o governo terá de ter uma atenção no detalhe e muita agilidade de resposta. Risco de mais gasto, de desorganização fiscal, é uma constante. Nesse momento mais ainda. É importante que o governo fique atento. A minha visão é que esse texto deveria ficar todo para 2021. Devemos virar o ano e entender como vai ser o efeito da pandemia, se vai avançar ou não, qual o impacto na economia da retirada do auxílio e como vai reagir aos juros baixos.
O desemprego preocupa em 2021. Essa questão está bem endereçada pelo governo?
Os números do mercado de trabalho já têm mostrado uma reação. Não só no Caged (contratações e demissões com carteira assinada) como também na Pnad do IBGE (incluí também dados do mercado informal). É verdade que, por um lado, devemos ter a saída dos estímulos, que devem sair de cena e as incertezas da pandemia. Mas por outro lado, existem motores que sustentam o crescimento. Estamos com o juro real negativo e esse efeito está começando a parecer agora na economia. O crédito melhorando bem, vendas no varejo.
A retirada do auxílio coloca muita pressão para a sua prorrogação da calamidade.
A prorrogação seria precipitada. Se é verdade que a retirada do auxílio afeta a economia, tem outros instrumentos que a impulsionam. Dado que o País não tem espaço fiscal, é precipitado renovar o auxílio.
Não há um excesso de otimismo dos investidores?
Do ponto de vista econômico, a maioria dos cenários aponta que o ano que vem vai ter uma boa desaceleração no crescimento, frente ao que a gente está vendo hoje. Não é uma situação em que está tudo tranquilo e a gente consegue tirar os estímulos sem problema. A preocupação maior é a fiscal. Estamos com uma decisão dificílima de ser tomada, por causa do nosso histórico ruim.
De que forma uma aceleração ainda maior da inflação pode comprometer um cenário difícil?
A inflação já provocou um estrago no lado fiscal que não tem como reverter, a grande questão vai ser como ela vai se comportar no ano que vem. É provável que vá se acomodar.
Como equacionar o equilíbrio fiscal com o novo comando da Câmara e do Senado em 2021?
A definição no Congresso é muito relevante, independentemente de como evoluir, é preciso pensar em criar maiorias para aprovar essas reformas tão importantes e ter atenção com os gastos públicos, não temos espaço para gastos populistas. As emendas (parcela dos recursos do Orçamento que deputados e senadores direcionam) são importantes para movimentar as bases eleitorais, mas estamos em uma situação fiscal bastante delicada. O equilíbrio tem de ser costurado com a área política.
Como o sr. avalia a atuação do ministro Paulo Guedes?
Eu vejo o ministro e a equipe com os temas colocados. É pouco provável que a reforma tributária seja votada no ano que vem, mas o governo tem de afunilar as propostas. A Eletrobrás é factível de ser privatizada ainda neste mandato, mas é preciso muito esforço.
Os riscos para a economia no primeiro semestre são grandes?
O País está pressionado e com muitas incertezas, então, a chance de derrapada é grande. O risco fiscal cai no primeiro semestre e sobe no segundo. A primeira metade do ano tende a ser menos arriscada do ponto de vista fiscal e boa do ponto de vista global, com juros ainda muito baixos. É o momento (para avançar), mas o fim de ano é sempre quando aparecem os ‘jabutis’. E neste, em particular, com a pandemia, a pressão é particularmente elevada. É preciso ter olho vivo e conservadorismo na virada de ano. E, em 2021, acelerar aproveitando a janela.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.