A turbulência crescente nos países do Oriente Médio traz inúmeras oportunidades para o agronegócio brasileiro, acredita Michel Alaby, secretário-geral da Câmara de Comércio ÁrabeBrasileira

Mercado potencial para as exportações brasileiras, os países árabes têm sido um importante filão para o agronegócio. E os conflitos na região não devem atrapalhar. Em 2010, o setor vendeu US$ 12,5 bilhões para o Oriente Médio em commodities agrícolas. Nesta entrevista à DINHEIRO RURAL , Alaby fala dos novos nichos de mercado e da necessidade do País em promover seus produtos, o que exige uma sintonia entre os diversos órgãos do governo. “Precisamos agir em todos os segmentos”, afirma. “O celeiro mundial é o Brasil.”

 

Dinheiro Rural – Os conflitos no Oriente Médio poderão prejudicar as exportações do agronegócio brasileiro?

Alaby – Não há nenhum sinal de descontinuação de compras. Os contratos estão sendo cumpridos. A maioria desses contratos era de carne e de outros produtos agrícolas, que estão sendo adquiridos a médio e a longo prazo. Os países do Oriente Médio não são produtores e dependem de alimentos. Em relação às commodities agrícolas não houve queda, até o momento, no volume das exportações. Agora, temos observado uma pequena queda em relação à compra da carne brasileira. Não em consequência dos conflitos, mas pelo preço praticado no mercado internacional, que está elevado, principalmente o da carne verde brasileira. Então, alguns países árabes estão substituindo esse produto por carne de búfalo comprada na Índia. Um segundo fator é que os produtores brasileiros estão exportando mais para outras regiões, que estão pagando um preço melhor. Entre os países árabes, desde os conflitos observamos, apenas, uma pequena recuperação de compra pelo Egito. No caso da Líbia, quando o conflito foi deflagrado no país, as carnes já estavam a caminho e os navios não tiveram condições de entrar no porto. Assim, parte da carga teve de voltar, mas houve quem conseguisse revender para países da região.

Rural – Com relação às exportações, a posição neutra do Brasil ajuda?

Alaby – Depende da situação. Na questão da Líbia, o Brasil foi neutro e não há vantagem ou desvantagem para os árabes. Nosso país não é hegemônico, mas flexível, o que é muito favorável. Muitos países, quando vão vender, empurram um prato feito e por aqui isso é mais flexível. Tradicionalmente, o Brasil tem essa flexibilidade e eles apreciam essa qualidade.

“Os conflitos não prejudicaram até o momento as vendas do agronegócio”

Rural – O que representam, em valores, estas exportações?

Alaby – Atualmente, cerca de 70% do valor total das exportações do Brasil para os países árabes, que giram em torno de US$ 12,5 bilhões, é representado pelo agronegócio. Commodities como carnes, açúcar, café, soja e milho representam 75% desse volume.

Rural – Quais são os países do Oriente Médio parceiros do agronegócio brasileiro?

Alaby – Por ordem de intercâmbio, temos a Arábia Saudita como o principal, respondendo por 24,6% das exportações brasileiras, depois vem o Egito, com 15,6%, seguido pelos Emirados Árabes, com 14,7%, e pela Argélia, com 6,7%.

 

 

Rural – Quais os principais produtos do agronegócio que os países árabes compram do Brasil?

Alaby – No ano passado a liderança foi dos açúcares, cujas vendas alcançaram US$ 3,86 bilhões e registraram um crescimento de 50% em relação ao ano anterior. As carnes, especialmente a de frango, responderam por US$ 3,23 bilhões, um aumento de 19%. Agora, outros produtos têm no Oriente Médio um importante mercado a ser explorado.

Rural – Que produtos são esses?

Alaby – Enlatados, sucos, frutas, doces, compotas. Tudo o que já é processado. No caso dos sucos, necessitamos de trabalho. Eles compram o suco concentrado e lá misturam e vendem como marca deles.

Rural – Que outros produtos não têm presença nos países árabes?

Alaby – Eu diria que os que não têm valor agregado. No caso do café, vemos, por exemplo, o café italiano e alemão expresso. Cabe a nós exportar cafés com agregação de valor. Outro problema é a carne sem marca, sem grife. Se vendemos corte, precisamos ter um preço maior. A gente tem identidade de marcas junto ao Ministério da Agricultura e ao das Relações Exteriores. O que falta é uma sintonia entre os ministérios. Precisamos vender a marca Brasil. Em todos os segmentos. O celeiro mundial é o Brasil.

Rural – Como conquistar esses mercados?

Alaby – Para o empresário conquistar esse espaço, uma alternativa seria trabalhar no nicho de mercado em que qualidade é o fator fundamental, como o do alimento orgânico. Outra possibilidade é a do alimento halal, aquele em que não há contato manual. Veja o caso do chocolate. O leite usado para sua produção deve ser obtido num local apropriado, cujas instalações estejam limpas e sem presença de insetos.

Rural – O Brasil já é um importante fornecedor de carne halal. Quais os frigoríficos habilitados para exportar esse produto?

Alady – Em São Paulo, existem unidades frigoríficas habilitadas, como as do Friboi, Marfrig, Sadia, Perdigão, Minerva. São frigoríficos, e não empresas que foram supervisionadas pela inspeção sanitária. Há um acordo entre os países para que venha alguém de fora fazer a vistoria no local. O abate pode ser diário, mas a vistoria acontece a cada seis meses. Há um ritual para todos os animais que têm sangue. Os cortes são diferenciados e o animal não pode sofrer.

Rural – Qual tem sido a importância da Câmara de Comércio ÁrabeBrasileira para o agronegócio?

Alady – Nossa missão é estabelecer relacionamentos entre os dois mercados. Trabalhamos em parceria com empresas e entidades governamentais, como os ministérios da Agricultura e do Turismo e a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos, em várias ações conjuntas. Participamos de eventos para divulgar o agronegócio brasileiro. Agora, em maio, acontece na Arábia Saudita uma feira de alimentos para a qual levaremos algumas empresas nacionais.

“Os países árabes não são produtores de alimentos e dependem das exportações”

Rural – Quais são as outras entidades com as quais a Câmara está atuando no Brasil?

Alaby – Trabalhamos em parceria com as federações e entidades, como a Associação Brasileira dos Produtores e Exportadores de Frangos (Ubabef), entre outras entidades relacionadas ao agronegócio.

Rural – Vocês participam da discussão sobre o volume de negociações?

Alady – Não. Nosso objetivo é vincular a mediação e oferecer a certificação dos documentos. Essa certificação documental traz uma garantia ao exportador. É uma análise de que o produto atende às normas exigidas pelo país comprador, tais como a forma técnica, o prazo de qualidade, a questão do halal e a origem. Fazemos de modo que haja garantia para os dois lados e informações para todos os departamentos envolvidos.

 

 

Rural – Quais os investimentos que o País precisa fazer para ampliar suas participação nos mercados árabes?

Alaby – Investir na infraestrutura para garantir o escoamento da produção, principalmente com a modernização dos portos, para sermos mais ágeis na entrega do que vendemos, sem dúvida é um dos mais importantes. Qual o país no mundo em que há três safras de uva e de milho por ano? Só mesmo no Brasil. Somos autossuficientes na produção, mas deficitários em outras áreas.

Rural – Qual o conselho que o senhor dá aos empresários brasileiros do agronegócio?

Alady – Invistam na ideia de entrar no mercado árabe, pois vocês não sairão perdendo. É um mercado extremamente difícil que exige paciência, traquejo e poder de negociação. Ainda me lembro de quando estive na região pela primeira vez, em 1994. Depois voltei para cá e comecei a pregar em todos os Estados brasileiros, falando das oportunidades de vendermos para lá. Naquele tempo, não se vendia quase nada para a região, as exportações estavam em torno de US$ 400 mil e US$ 500 mil ao ano. Todos me diziam que eu era louco e eu respondia sempre: água em pedra dura tanto bate até que fura. A pregação valeu a pena. Persistência, perseverança e uma boa dose de suor são três virtudes fundamentais para quem quer negociar com os árabes.