Grandes sonhos: se depender deste homem, o voo da Coamo será ainda maior nos próximos anos

A união dos agricultores sob a luz do cooperativismo fez com que da terra emergisse esta grande obra’. A mensagem, gravada em uma escultura do artista plástico londrinense Almir Trevisan, chama a atenção de quem entra no edifício da Coamo, em Campo Mourão (PR). De fato, a Coamo é uma obra e tanto. Maior cooperativa agroindustrial singular do mundo, é um conglomerado que reúne 22,7 mil produtores rurais e faturou R$ 5 bilhões em 2010. Para se ter uma ideia do que essa cifra significa, é maior que a receita anual da prefeitura de Curitiba (R$ 4,66 bilhões), maior que as vendas da divisão brasileira da Bayer CropScience (R$ 3,8 bilhões). A Coamo responde sozinha por 16% da safra paranaense e por 4% da nacional. Nas terras de seus associados, o cultivo de soja, milho e trigo em quatro milhões de hectares geraram 5,5 milhões de toneladas de grãos. Com a venda de commodities nas bolsas de Chicago e Londres e a industrialização de grãos para o mercado interno, a cooperativa decolou do interior do Paraná para o mundo. O piloto desse voo tem nome e sobrenome: José Aroldo Galassini.

Aos 67 anos, o agrônomo catarinense Galassini é um mito do agronegócio. Presidente da Coamo há 35 anos, sua figura confunde-se com a da entidade que idealizou e ajudou a fundar, em novembro de 1960. Sob sua gestão, a Coamo ficou conhecida como uma cooperativa que agigantou-se sem entrar no vermelho, ou afundarse em dívidas impagáveis como aconteceu com outras semelhantes. Nos tempos difíceis, quando as cooperativas agrícolas não passavam de pequenas associações regionais isoladas, ele arriscou passos em novos e desconhecidos mercados para o setor agrícola, e chegou aonde queria. Nem por isso, mudou seu jeito de ser.

O homem de fala calma e jeito simples recebeu a equipe da DINHEIRO RURAL em seu escritório, no 9º andar do edifício da Coamo, a 455 km da capital paranaense, no final de dezembro. Adiou uma reunião financeira importante para dar a entrevista e empolgou-se com a ideia de uma sessão de fotos na lavoura, mesmo sabendo que um monomotor daria um rasante em sua cabeça, como se vê na foto da página anterior. Não titubeou ou escorregou das perguntas. Entre uma resposta e outra, sapeava o monitor do computador, que mostrava, minuto a minuto, as cotações da Bolsa de Chicago. “Olha, eu nem falo inglês. Comecei minha carreira tarde, aos 30 anos, não sou especialista do mercado financeiro, mas estou sempre de olho, pois podem aparecer oportunidades para os produtores. É nesta hora que eu arrisco”, afirmou. Abriu um sorriso quando perguntado sobre a imagem de pai coruja perante os associados, que o tratam com a devoção típica de pequenos agricultores. Não são como filhos debaixo de suas asas? “Não, não”, retruca. “São companheiros fiéis, que apostaram no mesmo sonho de transformar a agricultura amadora em algo maior”, completa.

Nos anos 60 do século passado, ele chegou em Campo Mourão para fazer o mapeamento da agricultura local. Trabalhava como engenheiro agrônomo da Empresa de Assistência Técnica e Expansão Rural, a Emater. O mundo que encontrou não tinha nada da exuberância atual. “Era desanimador: existiam cinco tratores, ninguém conhecia a mecanização e o solo era ácido. Esta região era conhecida como a terra dos três ‘s’: samambaia, sapé e saúva.” Seu engajamento com a terra roxa e sua gente foi tanto que ele nunca mais saiu de lá. “Eu me envolvi de tal forma que me tornei mourãoense”, diz. Ao ver os produtores reféns de atravessadores, propôs a fundação da cooperativa, alternativa que ele já tinha visto dar certo em outras praças. A ideia prosperou e Fioravante Ferri, tradicional comerciante local, foi eleito o primeiro presidente da Coamo. “Eu só ia tocar o negócio se ele estivesse junto. Ele me disse o mesmo”, conta.

 

Amigos, amigos, negócios à parte:

Moacir Ferri, sócio-fundador, credita o sucesso da agricultura paranaense a José Aroldo Galassini

No início, o papel de ambos era bem distinto. O presidente cuidava da parte burocrática e política e o agrônomo ia para o campo, como se espera – mas nada não era tão simples assim. Moacir Ferri, sobrinho do pioneiro e também produtor rural associado, lembra de alguns desses momentos históricos. “Todo agricultor é desconfiado e aqui não era diferente. Galassini era um homem com ideias novas e isso dava medo. Queríamos que alguém de nossa confiança acompanhasse tudo de perto”, afirma. Enquanto o presidente ensinava aos produtores o que era cooperativismo, Galassini estava no campo, mudando conceitos de manejo, com técnicas hoje comuns, mas desconhecidas na época, como análise de solo e rotação de culturas. “Os agricultores não tinham acesso à informação, a novas técnicas. Eles faziam o que seus avós os ensinaram”, lembra. A direção da Coamo só mudou em 1965, com o falecimento do presidente. O agrônomo virou executivo. “Nessa época, nós já confiávamos nele e o elegemos presidente”, conta Moacir Ferri.

Galassini está no cargo há 35 anos, período considerado longo demais para uma empresa privada. Não é o caso do cooperativismo, especialmente quando a gestão eficiente aumenta os lucros e resulta em dinheiro em caixa, o que permite novos investimentos. Hoje, o caixa é de R$ 1,5 bilhão, o que é de causar inveja a grandes companhias. Inquieto, o executivo acredita que mesmo já tendo tornado a Coamo uma empresa bem-sucedida, sempre há o que melhorar. “Dá para crescer, em produção e na indústria”. Além dos grãos, a Coamo produz margarina, óleo e farelo de soja (veja quadro). Este ano, ele quer utilizar R$ 200 milhões do caixa para construir 43 entrepostos, , duplicar a capacidade industrial e de armazenagem. “O resto é consequência”, diz.

Uma das características mais marcantes de Galassini é a ousadia. Segundo o presidente da Organização das Cooperativas do Paraná, Ocepar, João Paulo Koslovisk, foram a atitude e a visão de longo prazo que fizeram a diferença na história da Coamo. “Ele foi ousado ao enxergar a possibilidade de agregar valor à produção vendendo grãos no Exterior. Nenhuma cooperativa ousava fazer isso no início dos anos 1980”, conta João Paulo. “É um visionário, que aposta em ações nada convencionais na agricultura”. O jeito simples com que Galassini toma decisões também deu a ele notoriedade internacional.

Em 2007, recebeu o convite da diretoria da Bolsa de Chicago para que fosse garoto-propaganda de sua campanha. “Tanta gente importante por aí e eles foram escolher justamente eu, um agricultor aqui do interior?”, lembra. “Mas eu aceitei, porque não sou bobo nem nada.” Com o slogan ‘eu colho oportunidades a partir dos riscos’, Galassini tirou fotos, gravou comerciais, e circulou durante um mês no The New York Times. Para os cooperados, produtores rurais nada acostumados com essas modernidades, o executivo é um representante de grandes negócios. “Quando é que eu poderia imaginar que o que produzo aqui vai para a Europa ou para os Estados Unidos?”, questiona o produtor Gabriel Jort. “Não conseguiríamos nunca sem o apoio da Coamo e sem o conhecimento técnico que Galassini trouxe para a região.” A nova mentalidade ganhou raízes profundas na região. “Hoje, sou um empresário rural e não apenas mais um plantador de milho”, diz Jort.

 

Nessa longa jornada, Galassini ousou ao absorver cooperativas menores em dificuldade. No total, foram oito, como a Coagel e a Toledo. As fusões permitiram que o número de associados e a capacidade industrial crescessem rapido. O exemplo tenta ser seguido pela Cocamar, que quer absorver a Corol. A negociação, porém, já dura oito meses e não há sinais de avanço. Mas ainda há outras que pegaram carona nas ideias de Galassini. A goiana Comigo, de Rio Verde, é uma. Antonio Chavaglia, presidente da Comigo há 28 anos, também vende soja fora do País. “Galassini abriu possibilidades para as outras cooperativas”, afirma. “O cooperativismo ganhou outros ares, saiu daquela coisa tímida, pobrezinha.”

Um terço do faturamento da Coamo (de R$ 4,6 bilhões em 2009 e R$ 5 bilhões em 2010) vem de vendas no Exterior. Para a próxima safra (2010/2011), pelo menos 25% da colheita já está vendida.

Projeção internacional: o jeito ousado de fazer negócios foi reconhecido pela Bolsa de Chicago, em 2007

A internacionalização foi consequência natural do estilo de gestão de Galassini. “Isso aconteceu depois que resolvemos o problema no campo: aumentamos a produção e percebemos que precisávamos vender”, diz. Ele investiu em armazenagem e criou a Coamo Internacional “para exportar CIF” (quando no preço de venda estão inclusos os custos da mercadoria, seguro e frete) para a Europa. Também foram fundadas a CredCoamo, para financiamentos, e a ViaSolo, que presta assistência técnica. Os quase 23 mil associados estão divididos em municípios da região de Campo Mourão, nos Estados de Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Mais de 70% deles são mini e pequenos produtores. Numa área quase do tamanho do Estado do Rio de Janeiro, cultivam 5,5 milhões de toneladas de grãos e suas cinco fábricas produzem diariamente 6,5 toneladas de óleo refinado, farinha de trigo e margarina. É muito? Para Galassini, é um bom começo. “Em 2012, queremos dez toneladas diárias”, almeja o executivo. Até quando irá esse fôlego?

Perto de completar 68 anos de idade, Galassini afirma que permanecerá no cargo até quando sua saúde permitir. A sucessão vem sendo discutida aos poucos, mas é um assunto que incomoda os associados. Muitos preferem nem pensar nessa hipótese. “Sabemos que um dia isso acontecerá. Mas quando acontecer, teremos uma estrutura forte e firme deixada por ele”, diz o produtor Jort.

 

A terra roxa dá

Produção agrícola

A área de cultivo da Coamo é de 4 milhões de hectares. Em 2010, a safra total da cooperativa atingiu 5,5 milhões de toneladas, 4% da safra nacional

1,606 milhão

hectares

Carro-chefe da produção, a soja responde por 43,6% do faturamento total da cooperativa

 

16 mil

hectares

O milho representa 3,8% da safra nacional e é a segunda maior cultura do Paraná

 

350 mil

hectares

Já foi o principal cultivo da região, mas hoje ocupa o terceiro lugar no ranking de grãos

 

 

 

A coamo transforma

Produção industrial

A capacidade da agroindústria é de 2 milhões de toneladas/ano. Em 2011, a cooperativa vai duplicar sua produtividade com novas fábricas de alimentos

120

toneladas/dia

A cooperativa tem as marcas Coamo e Coamo Light e quatro tipos de produtos

 

660

toneladas/dia

Cinco indústrias esmagam soja e produzem óleo e gordura hidrigenada. A distribuição é interna

 

200

toneladas/dia

O farelo de soja abastece a indústria de proteínas. A produção abastece o mercado interno e externo

 

 

2011, o ano de R$ 1,3 bilhão para o Paraná

A Organização das Cooperativas do Estado do Paraná, Ocepar, anunciou que este será um ano muito lucrativo para o setor. A agroindústria será a mais beneficiada com os aportes do BNDES:

R$ 900 milhões

serão destinados para novos projetos agroindustriais ou ampliações

“A agroindustrialização responde por 40% do faturamento das cooperativas agropecuárias do Paraná. Há dez anos, não passava de 29%. Este faturamento passou de R$ 6,8 bilhões em 2000 para R$ 25 bilhões em 2010”, segundo o presidente do Sistema Ocepar, João Paulo Koslovski. “Este será um ano muito otimista para todo o setor.”

R$ 400 milhões

para investimentos em infraestrutura logística, tecnologia e máquinas