15/09/2020 - 15:44
Na fé viking, não havia livros sagrados, dogmas ou sacerdotes. Mas havia deuses e deusas, entre eles a Sif. Casada com Thor, é considerada a soberana da vegetação, dos campos dourados de grãos no verão, admiradora da excelência e da habilidade em combate. Uma deusa que aprecia guerreiros leves e habilidosos, que não necessitam só de força bruta para vencer suas batalhas. O paulistano Frederico Humberg, fundador e CEO da AgriBrasil, não é lá muito fã de mitologia nórdica, nem mesmo dos filmes da Marvel protagonizados por tais heróis, mas tem muitos traços em comum com o arquétipo representado por Sif. Com mais de 30 anos de carreira no agronegócio, Humberg
é um exportador de grãos especialista em soja e milho. Sua empresa foi toda planejada para ser leve em ativos e, em vez de travar uma luta de frente com as grandes tradings, prefere a hábil estratégia de vender a carga brasileira em mercados internacionais menores, porém promissores, como Turquia e Itália. Com essa receita, fez o faturamento da AgriBrasil saltar de R$ 70 milhões para R$ 1 bilhão em quatro anos e sonha em um dia abrir capital na Bolsa de Hong Kong.
Como empresário, Humberg se define como “aquele que sonha grande com o pé no chão”. Suas ações referendam parte de sua percepção, porque ainda que seja bastante centrado, precisaria incluir em sua auto-imagem uma certa dose de ousadia. Foi assim que a AgriBrasil surgiu. Além de encarar um mercado dominado por grandes tradings multinacionais, seu plano inicial era atuar prioritariamente no mercado de produtos especiais e não-transgênicos, construindo o que seria uma empresa de logística agroexportadora verde. “Ainda em 1998, a Noruega proibiu a importação de soja transgênica e vi ali uma oportunidade de mercado”, afirmou. O sonho saiu do papel, mas não se sustentou no decorrer dos anos. De 50% de participação no faturamento de R$ 70 milhões do primeiro ano da AgriBrasil em 2006, os especiais participam somente com 5% da receita atual (R$ 1 bilhão), ainda que em valores absolutos tenha se mantido no mesmo patamar.
O próximo passo nos planos de expansão da empresa é captar entre R$ 150 milhões e R$ 250
milhões para investir em um terminal portuário próprio. Entre modelos em estudo, estão
IPO e sócio investidor
Para o executivo, apesar do discurso verde e da preocupação com a alimentação saudável, a comercialização do não-transgênico em larga escala não se sustenta devido ao custo. “O maior impacto para o produtor não é nem na produção, é na logística”, disse. Além de segregar a área cultivada, rastrear a mercadoria e armazená-la em espaços dedicados, é preciso transportá-la por meios alternativos separada dos grãos tradicionais, o que gera impacto no frete. Embarques no Porto de Santos ou de Paranaguá, por exemplo, estão fora de cogitação. No final, a mercadoria fica entre 5% e 10% mais cara. Com um complicador competitivo relevante. O mercado europeu, um dos mais inclinados a pagar um prêmio pelos especiais, está em zona temperada permitindo que eles mesmos produzam e abasteçam as demandas internas de uma maneira mais eficiente e competitiva. “Na prática, o consumidor tem muito discurso, mas não quer pagar a conta final”, disse Humberg à DINHEIRO RURAL.Como reza uma das leis da administração, no entanto, planejamento é feito para ser refeito. Com os olhos voltados para a meta de chegar ao faturamento de R$ 4 bilhões nos próximos cinco anos, o empresário e seu time se voltaram para as culturas tradicionais. Principalmente para o milho e soja, nesta ordem. É no primeiro grão que o executivo aposta suas cartas. “Eu ainda estarei trabalhando quando a produção e a exportação de milho forem maiores do que a da soja no Brasil”, afirmou categoricamente. De acordo com o executivo a explicação para a mudança no ranking é simples: hoje o Brasil produz quase 100 milhões de toneladas de milho e 120 milhões de soja. Nos Estados Unidos são 350 milhões de toneladas de milho e de 120 milhões de toneladas de soja. Enquanto o mercado americano está quase no teto de sua produção, a China está aumentando sua demanda de milho e não tem condições de se auto abastecer. Como a expectativa é que a produção de proteína animal aumente no país asiático eles deverão aumentar a importação do milho para a ração. E aí entra o Brasil.
O ex-presidente executivo da Abra-milho, Alysson Paulinelli, corrobora com a visão do executivo, mas coloca o possível protagonismo do Brasil em xeque. “A demanda mundial pelo milho crescerá de maneira vertiginosa, mas corremos o risco de ficarmos para trás se não investirmos em uma robusta política de incentivo à produção”, afirmou. Pelas contas de Paulinelli, o Brasil precisaria produzir de 320 milhões a 400 milhões de toneladas de milho até 2050, para conseguir participar com 40% da demanda adicional do mundo pelo suprimento. Bem longe do número cravado pelo ex-ministro, a safra 2020/2021 deve fechar em algo entre 95 milhões e 100 milhões de toneladas. Além da China como futuro comprador, é preciso levar em conta a crescente demanda de novos mercados como os países árabes, o Egito e outros asiáticos. Somente no ano passado, o Brasil exportou US$ 7,34 bilhões de milho em grão, valor 87,4% maior do que em 2018 (US$3,92 bilhões). O maior comprador foi o Japão (15,7%), seguido do Irã (13,6%) e Vietnã (9,1%).
Análise das projeções do Conselho Nacional de Abastecimento (Conab), indica que, para o otimismo sobre a participação do milho na balança comercial se realizar, é imprescindível mudar o curso atual. Pelos dados da entidade, a produção brasileira de milho crescerá 17% entre a safra 2020/2021 e a de 2027/2028 passando de 96,4 milhões de toneladas para algo em torno de 113 milhões. No mesmo período a produção da soja crescerá 20%, de 129 milhões de toneladas para 155,9 milhões. Já as exportações de milho devem crescer 12% para 70,2 milhões de toneladas em 2027/2028, enquanto o volume de soja exportada deverá evoluir 24% na mesma comparação para 96,5 milhões de toneladas. Ou seja, até 2028 ao menos, a soja continuará reinando absoluta.
CRESCIMENTO A aposta no milho ainda não passa de uma visão do executivo e está longe de ser a estratégia principal de crescimento da empresa. Para concretizar o plano de chegar a R$ 4 bilhões em faturamento até 2025, Humberg foca no aumento das exportações, no investimento da empresa em um terminal portuário próprio, em alguma unidade de processamento de alimentos, ou ainda nos dois. Seja qual for o caminho, uma coisa é certa: a AgriBrasil do futuro será radicalmente diferente da configuração que tem hoje.
Com a expansão via vendas de mercadorias brasileiras no exterior, Humberg terá que enfrentar um mercado que ainda não encarou de frente. “Hoje nosso foco está nos 20% da soja que não é vendida para a China. Com o crescimento, não teremos saída e precisaremos entrar no mercado asiático”, afirmou. Mas, assim como opera nos outros países, ele não quer competir pela fatia que interessa às grandes tradings. A empresa está buscando parcerias locais para novos modelos de negócio incluindo operações menores, com navios de médio porte que carregam 30 mil toneladas, metade do que as embarcações com destino à China normalmente levam.
Já o crescimento via investimento em portos ou em processamento, colocará um ponto final na diferenciação da empresa de ser leve em ativos. Hoje a AgriBrasil não tem portos, armazéns ou veículos. Sua estrutura conta com uma sede em São Paulo, escritórios em Sorriso e Canarana, ambas em Mato Grosso, na Bahia e em Genebra, na Suíça. Ao todo são apenas 35 funcionários diretos, dez deles contratados durante os quatro meses de pandemia. Essa estrutura enxuta permite preços competitivos e crescimento agressivo. Só no primeiro semestre deste ano, a empresa faturou R$ 600 milhões, mais do que os R$ 375 milhões do ano passado inteiro. A margem Ebtida ficou em 3,5%, . Com o plano de ter um terminal próprio, a lógica da empresa leve em ativos, em breve, vai ficar para trás.
Para conseguir dar o próximo passo, a empresa precisará de um aporte estimado entre R$ 150 milhões a R$ 250 milhões. O modelo ainda não está definido. Por via das dúvidas, desde 1º de julho a AgriBrasil passou a ser uma sociedade anônima (S.A.), inicialmente sem oferta pública de ações. “A Bovespa+ nos dá a possibilidade de ficar até sete anos sem fazer nenhuma oferta. Mas, caso o mercado mostre apetite, podemos agir rápido”, afirmou o executivo. Os trabalhos nos bastidores seguem a cartilha. Desde sua fundação em 2016, os balanços da empresa são auditados pela EY Brasil; um conselho independente e comitês tributário e de finanças atuam junto com Humberg na análise de decisões estratégicas; e, neste momento o MZ Group já trabalha na construção da área dedicada às Relações com Investidores no site corporativo.
Na Agribrasil, a soja está perdendo espaço para o milho, commoditie que Humberg enxerga com
potencial de elevar ainda mais a participação das exportações brasileiras no mercado mundial.
números das safras mostram que o caminho será longo
Outra possibilidade além de um futuro IPO (Initial Public Offering), é atrair um sócio investidor, desde que o controle permaneça nas mãos da gestão atual que tem Humberg como único sócio e corpo diretivo formado por mais dois executivos no C-Level, Pedro Salles como chief commercial officer e Ney Souza como chief financial officer, e mais dois diretores, sendo um de exportação e outro de logística. “Para chegar aonde queremos, podemos recorrer a algumas ondas de investimento. O modelo não está definido, mas preferimos um sócio minoritário, que nos deixe espaço para usar nossa receita de crescimento”, disse.
Com o capital novo na mão, a ideia é buscar ativos na Bahia ou no Sul do País, onde os índices de ociosidade nos portos são menores. “Com a desvalorização do Real, os ativos brasileiros estão baratos. Ao mesmo tempo, os ativos tradicionais como o imobiliário perderam força na atração do capital. Há muita oportunidade no mercado”, afirmou ao completar que espera ter novidades sobre a nova frente de negócio entre o fim deste ano e o início de 2021. Se não for em portos, o investimento será em processamento. “Ao chegar no destino, a soja passa por um processo para reduzir a umidade em 11%. Por que não fazer isso aqui no Brasil e reduzir esse frete que é gasto com a água?”, avaliou.
A inspiração para o modelo de negócio vem da Amaggi. A holding tem a cadeia completa: plantio, processamento e comércio de grãos, produção de sementes, reflorestamento, pecuária, venda de fertilizantes, geração de energia elétrica, administração portuária, transporte fluvial, exportação e importação. “Quero que a AgriBrasil seja uma das dez maiores exportadoras brasileiras, com mix diversificado. Meu sonho ideal é abrir capital na Bolsa de Hong Kong, mas mantendo o controle de capital nacional”, disse o executivo.
SUTENTABILIDADE Ainda que tenha mudado de ideia de atuar só com alimentos não-transgênicos, o fundador da AgriBrasil tem muito clara a importância que a sustentabilidade econômica, social e ambiental tem para a realização de seus planos. O aprendizado começou na década de 1990, quando ao morar na França, viu de perto empresas multinacionais como o Carrefour colocarem a sustentabilidade no centro de suas decisões estratégicas. Ao voltar para o Brasil e montar sua primeira empresa, a AgriService, fez questão de dar transparência aos números e seguir regras de compliance que já havia visto em outras empresas.
O resultado foi uma bem sucedida venda da empresa para a Gavlon que queria montar sua unidade no Brasil via aquisição de uma nacional, mas estava encontrando barreiras durante o processo de due diligence até que uma auditoria deu carta branca para a compra da AgriService. Com a incorporação, Humberg assumiu a presidência da empresa levando companhia a um resultado de R$ 4 bilhões e de onde saiu 4 anos depois para montar a AgriBrasil com padrões ainda mais altos de governança.
Na frente ambiental e social, o dever de casa também está sendo feito. A empresa faz parte da Associação Nacional dos Exportadores de Cereais (Anec) e compõe o grupo de signatários da Moratória da Soja, assumindo o compromisso de não aquisição de soja cultivada em áreas desmatadas do bioma amazônico e nem com trabalhadores irregulares. Para fazer o controle, investe em mapeamento via satélite que indica se os produtores de grãos respeitam a preservação do meio ambiente de acordo com as leis brasileiras. Atualmente, a AgriBrasil compra de 40 produtores do Brasil e vende para algo em torno de 50 empresas. Somente 10% das transações são para o mercado interno, com clientes como a JBS e BRF.
Mesmo que todas as iniciativas sejam de extrema relevância na estratégia, para garantir a real sustentabilidade da empresa Humberg defende que é um aspecto cultural que faz toda a diferença. “Somos customer centric”, diz. A expressão, que significa em tradução livre “consumidor no centro” ganhou força ao ser repetidamente usada por Jeff Bezos, CEO da Amazon, para explicar o sucesso da empresa. Na AgriBrasil, ela se traduz com uma relação pessoal do próprio Humberg com seus clientes. “O Fred preza pelo relacionamento, flexibiliza o negócio e discute a estratégia junto com a gente. Nenhuma grande trading faz isso”, disse Ronan Giuliangeli, diretor de Originação na Agro100, empresa que deve faturar R$ 2 bilhões neste ano.
Com faturamento de R$ 1 bilhão em 2020,a empresa ganha espaço entre as tradings, ao fugir da China (1) e nutrir parcerias com clientes que incluem Ronam Giuliangeli, da agro 100,(2) até gigantes de como a JBS (3)
Uma das ações mais palpáveis desse caminho é a decisão da empresa de chamar seus clientes para exportar juntos no mesmo navio. Em uma embarcação de 30 mil toneladas, por exemplo, a AgriBrasil ficaria com 20 mil e as outras 10 mil toneladas seriam ocupadas pelos clientes. O Grupo Poltronieri, cliente da empresa há pouco mais de dois anos e que produz cerca de 90 mil toneladas de soja e 120 mil de milho, já está estudando participar desse novo modelo. “Da minha produção total, 25% são comercializados com a AgriBrasil, mas queremos ampliar os negócios, incluindo a possibilidade de exportarmos juntos” afirmou Dimas Poltronieri, diretor comercial da companhia. O plano de Humberg é, sem dúvida, audacioso, mas o agronegócio com seus sucessivos recordes de exportação e a economia brasileira com a desvalorização do real estão jogando a favor.