12/10/2020 - 12:15
Coletivos de cristãos e evangélicos criados em reação à eleição de Jair Bolsonaro, em 2018, lançaram dezenas de candidatos por partidos de esquerda e centro-esquerda no pleito deste ano. O objetivo, segundo eles, é disputar com a direita os votos desse segmento que representa quase um terço do eleitorado, levando a polarização política para dentro das igrejas, território onde o bolsonarismo exerce hegemonia. A movimentação já provoca reação de grandes denominações, como a Igreja Universal do Reino de Deus, que tenta frear a atuação desses novos grupos.
Criado em 2018 como resposta à atuação do bolsonarismo dentro das igrejas, o Cristãos Contra o Fascismo vem se preparando para disputar a primeira eleição neste ano. Serão 42 candidaturas a vereador, algumas delas coletivas, e três a prefeito em todo o Brasil por sete partidos diferentes: PT, PDT, PSOL, PCdoB, Cidadania, Rede e UP. Os candidatos têm origem em igrejas como Assembleia de Deus, Presbiteriana, Batista e Católica.
“Estava havendo uma perseguição dentro das igrejas em função das escolhas políticas e assuntos envolvendo LGBTs, negros e pobres”, disse Diana Brasilis, candidata a vereadora em São Paulo pelo PDT e integrante do grupo, que já reúne mais de 40 mil pessoas.
O Cristãos Contra o Fascismo é apenas um dos vários coletivos de religiosos, na maior parte evangélicos, surgidos nos últimos anos como espaço para expressão política de fiéis que discordam da linha ideológica conservadora de direita predominante nas principais denominações. Movimento pela Bancada Evangélica Popular, Frente Evangélica pelo Estado de Direito, Evangélicas pela Igualdade de Gênero, Evangélicos pela Diversidade e outros registraram candidatos neste ano e vão disputar os votos no segmento que, segundo pesquisas, foi determinante para a vitória de Bolsonaro em 2018.
As iniciativas se somam aos esforços dos partidos de esquerda para aumentar o diálogo e voltar a disputar essa parcela do eleitorado. O PT, PSOL, PCdoB, PDT, PSB e Rede adotaram ações voltadas a este segmento. “Sempre tivemos bom diálogo, inclusive no governo Lula. Em 2014 Dilma (Rousseff) e Aécio (Neves, do PSDB) dividiram este eleitorado meio a meio. Só não tivemos sucesso em 2018, quando o Bolsonaro teve 70% entre os evangélicos e o Fernando Haddad, 30%. Desde então a gente vem tentando organizar esse diálogo”, disse Geter Borges, da coordenação nacional do Núcleo Evangélico do PT.
Segundo ele, o partido terá 2.033 candidatos a vereador, 66 a prefeito e 68 a vice que se declaram evangélicos. É a primeira vez que o partido faz esse recorte, o que mostra maior atenção a este segmento. Mas, para Borges, a principal mudança vem dos próprios evangélicos: “Existe uma reação e vários agrupamentos estão surgindo”.
‘Alternativa’
O Movimento pela Bancada Evangélica Popular, por exemplo, deve lançar dez candidatos a vereador, quatro deles em São Paulo. “A gente está tentando oferecer uma alternativa de fé para o público evangélico e isso está atraindo muita gente. Até porque é na periferia, onde tem mais evangélicos, que há mais opressão”, disse Samuel Oliveira, candidato a vereador em São Paulo pelo PCdoB.
Segundo ele, as igrejas tradicionais já detectaram a movimentação e estão reagindo. Na edição do dia 27 de setembro, a Folha Universal, jornal da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), publicou uma chamada na primeira página sobre grupos que propagam “a divisão entre evangélicos” e explicando porque a iniciativa é “questionável”. No programa “Entrelinhas”, veiculado no streaming da Iurd, o pastor Renato Cardoso dedicou 30 minutos a listar os motivos pelos quais evangélicos não podem ser de esquerda. Um dos argumentos é que, segundo ele, o evangelho sempre associa a palavra esquerda ao “mal”, embora os conceitos de esquerda e direita tenham surgido apenas na Revolução Francesa, muitos séculos depois da crucificação de Jesus Cristo.
“Silas Malafaia, Edir Macedo e outros tinham um discurso hegemônico, sempre falando em nome de todos os evangélicos, e estão reagindo depois que a gente se levantou”, disse o pastor José Barbosa Júnior, da Comunidade Cristã da Lapa, no Rio. O surgimento de coletivos e candidaturas evangélicas de esquerda, diz ele, é um sintoma de que a polarização política também chegou aos templos religiosos.
‘Desigrejados’
Segundo o teólogo, muitos fiéis são forçados a sair das igrejas por discordância política com os pastores e acabam criando pequenos núcleos paraeclesiásticos. Diana Brasilis, do PDT, chama estes fiéis de “desigrejados”. Barbosa aponta ainda a dificuldade da esquerda para entender e dialogar com este segmento. “Como os evangélicos que têm mídia são os conservadores, a esquerda os rechaçou e entregou de bandeja para a direita”, acrescentou.
Essa dificuldade foi detectada pela Fundação Perseu Abramo, do PT, na pesquisa Percepções e Valores Políticos nas Periferias de São Paulo, revelada pelo Estadão em 2017. O estudo mostrava que a base evangélica é menos conservadora do que se imaginava, principalmente em comparação com o discurso dos pastores, e que as igrejas ocuparam o vácuo deixado pelos partidos de esquerda na periferia a partir da chegada de legendas como o PT ao poder.
“O diálogo com os evangélicos tem que ser menos pragmático e mais afetivo. O voto é consequência desse relacionamento, porque do outro lado tem o pastor que pergunta toda semana à senhorinha evangélica de coque no cabelo se está faltando alguma coisa na geladeira. Quem ela vai obedecer?”, questionou Vinícius Lima, evangélico, candidato a vereador em São Paulo pela Rede.
Reverenda trans tenta vaga na Câmara
Primeira reverenda transsexual da América Latina, Alexya Salvador será candidata a vereadora em São Paulo pelo PSOL. Segundo ela, a esquerda errou ao tratar as igrejas evangélicas como “inimigas”. “A esquerda errou quando não quis dialogar. Agora, começa a repensar. Entendemos que Jesus, enquanto um homem político do seu tempo, lutou contra a opressão”, disse Alexya ao Estadão.
Em sua participação nas redes sociais, a reverenda defende as causas de gênero. Em seu material de propaganda aparecem as cores da bandeira do movimento transgênero: azul, rosa e branco.
Alexya frequenta a Igreja da Comunidade Metropolitana (ICM), uma denominação internacional fundada em 1968 nos Estados Unidos com a intenção de ser aberta à comunidade LGBT, seus familiares e amigos. Na eleição passada, Alexya se candidatou ao cargo de deputada estadual, também pelo PSOL. Conseguiu 10.486 votos. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.