05/09/2022 - 7:55
Quem frequentava academia de ginástica há alguns anos se lembra bem. Em busca da “barriga tanquinho”, flexões abdominais eram os exercícios mais praticados. “Na década de 1990, tinha até campeonato nas academias, chegávamos a fazer mais de 200 abdominais por dia”, lembra a personal trainer Evelyn Siqueira.
Professor de Educação Física da Uerj Marcelo Almeida tem lembrança semelhante. “Eu dava uma aula coletiva de abdominal e glúteos”, conta. “Era meia hora só de abdominal.” Essa cultura, porém, parece ter saído de moda. As séries do exercício agora são curtas. A mudança, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão, deve-se a avanços na compreensão da biomecânica da coluna, de como os músculos se formam e da contribuição da dieta para a musculatura.
“Não é que saiu de moda, ele continua sendo executado”, diz o especialista em fisiologia do exercício da Unifesp Maurício dos Santos. “Mas, com o avanço dos estudos, ficou claro que a quantidade gigantesca do exercício tinha muito pouco efeito e, pior, causava lesões. Houve um aprimoramento da análise do movimento.”
As abdominais começaram a se popularizar nos anos 1940, quando o Exército americano as incluiu no treinamento de soldados: os recrutas deviam completar o maior número possível de abdominais em dois minutos.
Não era só uma forma de desenvolver força física e construir músculos, mas, sobretudo, de medir essa força. Como profissionais de educação física costumam se inspirar em treinamentos militares, não demorou para o exercício ganhar escolas e ginásios e academias. “O teste de abdominais era usado pelas forças militares como prova de proficiência física e se tornou um padrão não apenas no Exército, mas também nas escolas”, diz o especialista em fisiologia do exercício Claudio Gil, diretor de pesquisa e educação da Clinimex. “Nos anos 1980 e 1990 o padrão nas academias era a ginástica localizada, e as aulas tinham muitos abdominais.”
Criadores dos principais fundamentos da fisioterapia, os americanos Henry e Florence Kendall foram também pioneiros em determinar que a principal função dos músculos abdominais não é gerar movimento, mas estabilizar a coluna.
Juntamente com os músculos dos glúteos, dos quadris e da parte inferior das costas, eles seriam responsáveis pelo alinhamento do corpo, a postura e a proteção dos órgãos internos. “Havia também outra ideia errada de que se fizéssemos muitas abdominais iríamos queimar a gordura da barriga”, lembra Almeida. “Mas os estudos também foram deixando claro que a perda de gordura é total, não local, e que as abdominais estavam longe de ser os melhores exercícios.”
DOR NAS COSTAS
Em 2015, o professor da Universidade de Waterloo, no Canadá, Stuart McGill, especialista em biomecânica, lançou o livro Back Mechanic, em que reunia suas conclusões depois de mais de 30 anos de pesquisa sobre dores nas costas, tornando-se, rapidamente, a grande referência para o problema.
Uma das importantes conclusões do livro é que a maioria das pessoas que apresentava lesões crônicas na lombar tinha o hábito de fazer longas séries de abdominais. McGill explica no livro que, quando uma pessoa curva e tensiona a coluna para deslocar algo pesado, ela tende a impactar de forma negativa os discos intervertebrais. Por essa razão, por exemplo, quem trabalha carregando peso costumam chegar à meia idade com dores de coluna. A única forma de evitar o problema, segundo McGill, é fortalecer todos os músculos do centro do corpo – o core – de forma a proteger a coluna e dividir o esforço com músculos maiores, como os das pernas.
O especialista em biomecânica demonstrou que as abdominais tradicionais violavam esses princípios. Ao levantar toda a parte superior do corpo a partir da posição deitada não é possível reforçar o núcleo do corpo nem transferir parte do esforço para as pernas. Além disso, o exercício é, por natureza, repetitivo.
Atualmente, o core é trabalhado com séries curtas de abdominais com peso progressivo e também com exercícios isométricos e estáticos, como as pranchas. Para quem almeja um “tanquinho”, é preciso focar não só no treino correto, mas também na alimentação e na perda de gordura. E não é fácil.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.