01/10/2007 - 0:00
Yeda Rorato Crusius foi eleita em 29 de novembro do ano passado com mais de 3,3 milhões de votos para ocupar a cadeira mais importante do governo do Rio Grande do Sul em um Estado cuja tradição política aponta para homens – todos eles gaúchos – como Getúlio Vargas, Ernesto Geisel, Leonel Brizola, Luis Carlos Prestes e João Goulart. Sob essa sombra, e ainda com o fato de ser paulistana de nascimento, Yeda Crusius ocupa há dez meses o cargo de um Estado falido, que nem sequer tinha caixa para pagar a folha do servidor público. Preparou e pôs em prática um plano de recuperação das finanças e agora tenta resgatar o amor próprio e o orgulho dos gaúchos. No final de agosto, falou com exclusividade à DINHEIRO RURAL.
DINHEIRO RURAL – É verdade que a sra. fez o mestrado em economia focada na questão agrícola?
Yeda Crusius – Sim, meu mestrado foi feito no início da década de 70 sobre a agricultura no Sul do País, ou seja, a agricultura como locomotiva da economia gaúcha. E centrei o estudo nos modelos econométricos, ou seja, mostrando que dá para medir agricultura, que é possível saber quais os fatores que levam o setor a ir bem ou mal, se o preço de um produto é bom ou não. Ou seja, já tínhamos um capitalismo agrícola no Sul do Brasil na década de 70.
DR – Qual é a verdadeira vocação do seu Estado?
Yeda Crusius – O Rio Grande do Sul tem como vocação histórica as plantações e a genética dos animais. Aqui predomina a criação de raças, quaisquer que sejam elas. Veja o caso do Gerdau, com o cavalo perfeito na capa da DINHEIRO RURAL. A soma vem de elementos, mais precisamente de três elementos, que são muito claros: a disciplina, a insistência e o sentido de perfeição do germânico, a criatividade – ou melhor, podemos chamar até de design – do italiano e o apego à terra do imigrante português.
DR – Mas, por outro lado, o Rio Grande do Sul nunca precisou tanto de uma economista no posto mais importante do Estado.
Yeda Crusius – Sim, tudo anda junto. Somos um governo que foi eleito não para vender facilidade, mas para botar as contas em ordem. Esse é um Estado rico, pujante, que tem o melhor IDH do Brasil [IDH é o Índice de Desenvolvimento Humano, valor de referência criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) para medir a qualidade de vida e desenvolvimento de um país]. Nosso Estado é inovador e poderia estar encravado em qualquer parte do mundo, pois tem qualidade seja nos produtos criados aqui, seja nas pessoas. Mas também é um governo que nunca enfrentou a sua questão de financiamento. Então, mesmo com tudo isso, é o pior Estado em contas públicas no Brasil. Não consegue pagar suas contas básicas; tanto é que estamos parcelando a folha de salários dos servidores públicos. E foi justamente por isso que mostramos na própria campanha eleitoral por que essa diferença. Mostramos que as pessoas iriam passar por dificuldades. E uma campanha dessas, na situação em que estávamos, só poderia ser vitoriosa.
DR – A Expointer foi muito comentada, mas a sra. também recebeu críticas, inclusive no que diz respeito à tentativa de privatização do evento.
Yeda Crusius – Isso foi uma bobagem. A visão que têm de político é de alguém que só aparece. Mas, mesmo assim, eu entendo isso e também apareço. Mas o meu governo é um governo de gestão. Então, a nossa primeira edição da Expointer é uma ediçãomodelo. Eu somo as duas coisas: imprimo o modelo de gestão e a parte política. Meu secretariado é técnico. A Expointer nunca foi o que imprimimos nesta edição: da limpeza às licitações, passando pelo corte de custos. Nunca houve, podem ter certeza, uma edição da Expointer como esta de 2007.
DR – E poderia crescer ainda mais no próximo ano?
Yeda Crusius – Uma Expointer poderia crescer, mas não, como sugeriu o diretor de novelas da Rede Globo Jayme Monjardim, sair do Estado – o Monjardim queria “levar a Expointer para o mundo, para que todos conhecessem a feira”. Eu entendo a empolgação dele com a feira mas não há como tirála daqui. Pelo contrário, aliás, é preciso trazer os outros para cá para que vejam a maneira como o gaúcho recebe os visitantes, como os animais são tratados, a articulação que é feita em todos os setores do agronegócio. Tudo isso é muito peculiar, ninguém faz como o gaúcho faz.
DR – As reuniões de produtores e empresários rurais durante a Expointer mostrou que 2007 é um ano de otimismo, depois de três anos ruins para o agronegócio. Como manter o ritmo de crescimento no setor para que tão cedo não volte a crise?
Yeda Crusius – Na verdade, para nós, economistas, não é um ritmo e sim um ciclo de crescimento, formado por quatro partes: começa a subir, atinge um auge, começa a descer, chega na média, vai abaixo da média, vira recessão e começa a subir outra vez. Vivemos, neste momento, o ciclo ascendente do mundo, e o Brasil também está sincronizado no ciclo. A estabilidade já pode gerar crescimento – o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) do presidente Lula é uma tentativa disso. Durante muito tempo nós não crescemos e, agora, estamos seguindo nesse caminho. O Rio Grande do Sul também está nesse ciclo de crescimento.
DR – A sra. se refere também à patente mundial da transformação do álcool em plástico verde no polo petroquímico do Rio Grande do Sul?
Yeda Crusius – Certamente que sim. Nós invertemos o ciclo. Muitas das fábricas podem não estar aqui no Estado, mas a pesquisa e o desenvolvimento foram feitos pelos laboratórios dessas empresas do pólo petroquímico do Rio Grande do Sul. Temos todo o equipamento para desenvolvimento de nanotecnologia. E neste momento a tecnologia é fundamental para isso, seja para qual área for: o desenvolvimento dos grãos e das raças, a genética de toda sorte. Tudo isso é feito com tecnologia e o ciclo mundial é o ciclo de crescimento com a tecnologia, que se incorpora a todos os setores.
“A estabilidade já pode gerar crescimento e o PAC, do presidente Lula, é uma tentativa de viver esse ciclo”
DR – Mas então é só ficar esperando o ciclo?
Yeda Crusius – Ah, não, não podemos ficar sentados, esperando o ciclo começar ou acabar. O que você viu dos anos passados é um Estado riquíssimo em águas passar, a cada cinco anos, por um ano de estiagem e de secas que penaliza o agricultor – e isso ocorre há mais de 100 anos. E o pior é que nunca foi resolvido. Por isso decidimos fazer o Plano Estadual de Irrigação, justamente para que pudéssemos resolver esse problema.
DR – Quais as bases deste plano e como pode inverter a situação histórica da seca?
Yeda Crusius – Nós criamos este plano muito fundamentados tanto em pequenas quanto em grandes propriedades, aquelas baseadas em grande densidade tecnológica – mas o principal é que focamos na tecnologia de produção, ou seja, nosso objetivo é incorporar a tecnologia como fator de produção na relação terra-trabalho-capitaltecnologia, em que caiba a irrigação como um fator que, sem ele, você não consegue seguir adiante. O pequeno pode continuar reservando águas em cacimbas, assim como as propriedades um pouco maiores usam os microaçude. De sete hectares para cima todos os municípios tiveram trabalho de capacitação dos produtores e agricultores para fazer uso múltiplo das águas, mais ainda do que apenas a irrigação. Assim a irrigação é só uma das partes do uso múltiplo das águas. É fundamental separar o uso nobre da água subterrânea – aliás, como já fez o índio guarani – da água que você reserva do período das chuvas.
DR – A pecuária, de todos os segmentos do agronegócio, é o que tem mais identificação com a imagem do gaúcho. E, desse ponto de vista, é inegável que vocês perderam espaço para outros Estados nos últimos anos, como Goiás e Mato Grosso. O que tem sido feifeito para recuperar o tempo perdido?
Yeda Crusius – Sim, é verdade, perdemos muito espaço nos últimos anos. Mas já começamos a recuperá- lo. Os frigoríficos fizeram uma demissão graúda quando havia a sombra de uma hiperinflação ou mesmo de uma inflação menor, que impedia a empresa de planejar. Mas quando o plano real amadureu e as mudanças aconteceram, as empresas puderam planejar e as coisas realmente melhoraram. Aos pouquinhos os frigoríficos voltaram, e também os que foram a base de nossa colonização – os frigoríficos ingleses lá da fronteira, de Bagé e Dom Pedrito, e também os seus associados – começaram a voltar. E eles podem vir porque a contratação que o governo faz é de difusão de tecnologia para eles – não se trata do velho pastoreio, muito conhecido e tradicional do nosso passado, mas sim o pasto irrigado, com um plano de ação superfundamentado justamente para que haja de quatro a cinco vezes o que se tem hoje. E mais: amadurecimento precoce, sem confinamento. E a boa notícia é que empresas multinacionais de leite escolheram o Rio Grande do Sul como base de operações de sua produção, entre elas a Nestlé. Estamos voltando ao estado industrial, moderníssimo, em tecnologia, genética e inovação – como a tecnologia de informação – como você não irá encontrar hoje em nenhum outro Estado brasileiro.
DR – Como está no Rio Grande do Sul a produção de etanol, que se transformou em boom este ano em São Paulo e no Centro-Oeste?
Yeda Crusius – Aqui também temos etanol e biocombustíveis. E é fundamental saberem que o Rio Grande do Sul é o Estado que, a partir da terra, pode ir superando outros que não têm a mesma base produtiva e tecnológica que nós temos. Isso é importante que se saiba: estamos voltando a ser o segundo Estado brasileiro em produção e exportação no território nacional, inclusive de etanol. Os números já mostram isso claramente.
DR – Apesar de paulistana de nascimento, governadora, hoje a senhora parece ser mais gaúcha do que nunca.
Yeda Crusius – Mas ser gaúcho é isso mesmo, um estado de espírito. Há o morador de Roraima que se diz gaúcho porque a terra o acolheu bem. O principal é saber que ser gaúcho é dirigir a vida em torno de uma série de valores. Se eu não fosse uma pessoa que respeitasse tanto os valores não teria escolhido este Estado para viver.