01/12/2011 - 0:00
Ramalho da Silva: “A adubação dos grãos deixa como herança boa parte da riqueza orgânica no solo, que nutre o pasto e engorda o boi”
Caixas de primeiros socorros, repelentes e protetores solares foram os primeiros itens da lista, tão importantes quanto guias de viagem, mapas e rotas. Não faltaram aparelhos técnicos, com nomes pouco conhecidos, como espectrorradiômetros ou clorofilômetros, ao lado de bússolas e GPS. Malas prontas e check lists feitos, sete equipes devidamente paramentadas em caminhonetes 4×4 deram a largada no dia 26 de setembro, em Brasília, à primeira edição do Rally da Pecuária, uma expedição que desbravou um Brasil diferente das rotas convencionais de outros sertões. Sem a adrenalina das altas velocidades, o Rally da Pecuária 2011 percorreu 30 mil quilômetros em busca de informações preciosas para a criação de gado no País. “O objetivo do Rally da Pecuária é melhorar a qualidade estatística do setor, subsidiando as análises mercadológicas e as decisões estratégicas de produtores e empresas”, diz André Pessoa, sócio-diretor da Agroconsult, de Florianópolis, uma das organizadoras do evento.
A DINHEIRO RURAL acompanhou o rali por seis dias, num trecho de dois mil quilômetros, aproximadamente, pelos Estados de Mato Grosso do Sul e do Paraná. Saiu de Campo Grande e passou por Aquidauana, Bonito, Bela Vista, Ponta Porã, na divisa com o Paraguai, entrando em Pedro Juan Caballero. Seguiu para Dourados, ainda em Mato Grosso do Sul, e foi para Umuarama e Londrina, no Paraná.
A Embrapa no campo: o aparelho que emite imagens a satélites permite monitorar grandes áreas com precisão
As equipes, compostas por agrônomos, zootecnistas e veterinários, atravessaram pontes, pularam cercas e adentraram pelas porteiras das propriedades rurais para avaliar a atual situação da pastagem do gado de corte brasileiro. Foram quase dois meses de coleta de amostragens em nove Estados (Goiás, Mato Grosso, Pará, Mato Grosso do Sul, Tocantins, Maranhão, Paraná, São Paulo e Minas Gerais) das regiões mais produtivas do País – Norte, Centro-Oeste, Sudeste e Sul. Elas abrigam 75% do rebanho bovino e respondem por 85% da produção da carne brasileira. “Os benefícios e a relevância do projeto baseiamse na qualidade das informações obtidas in loco, no campo”, afirma Maurício Palma Nogueira, engenheiro agrônomo e diretor da Bigma Consultoria, de Casa Grande (SP), também empresa organizadora do evento.
Praticamente tudo ligado ao campo passou pelo crivo das equipes do rali, que desdobravam-se em efetuar análises de solo, dos níveis de relevo, dos pesos e medidas de massa do capim, bem como das pragas e doenças, os grandes causadores de degradação generalizada de pasto. Técnicas de suplementação e de manejo, como boi no pasto, semiconfinado ou confinado, também foram avaliadas.
Com as informações obtidas a partir das análises, as equipes iam detectando tendências efetivas de produção. Como, por exemplo, a da verticalização de áreas de pastagens, denominada Integração Lavoura e Pecuária (ILP ). Ela é a grande aposta técnica dos produtores pelo Brasil afora, observada pelas equipes do rali. “A única garantia de suprir a demanda de alimento em larga escala e ter rentabilidade é somar sustentabilidade com tecnologia”, diz Cássio Ramalho da Silva, produtor rural em Mato Grosso do Sul. Ele é um, entre os 80 produtores visitados, que integra lavoura e pecuária.
Ramalho da Silva faz questão de manter árvores nativas em suas áreas agricultáveis, um empecilho para o uso de máquinas colhedeiras, mas que promove o bem-estar animal no período de engorda. Em suas duas propriedades em Naviraí, uma com 1.700 hectares e a outra com 830 hectares, o produtor aduba o solo com calcário, fósforo, cloreto de potássio e gesso, para integrar lavoura de soja e milho com pecuária, em sistema rotacionado. Com 70% de área para a agricultura e 30% para o gado, ele alterna as atividades a cada três anos. “A adubação da soja e do milho deixa como herança para a lavoura seguinte boa parte da riqueza orgânica dessas plantas, que são incorporadas ao solo e nutrem o pasto”, afirma Ramalho da Silva.
Após adotar a ILP, em 2007, seus lucros com os grãos aumentaram 20%. Do rebanho de três mil animais nelore, com 600 fêmeas para reprodução, ele tem obtido mais bezerros do que em anos anteriores. E, como sobra pasto, o produtor vem comprando mais bezerros. “Na última safra, aumentei em quase 30% as vendas para frigoríficos da região, chegando a mil cabeças”, diz. Com a ILP, o ciclo de criação dos animais, entre o nascimento e o abate, caiu de quatro anos para dois anos e meio. Para isso, ele passou a suplementar a dieta do gado a pasto e terminar a engorda em confinamento.
A pesquisadora da Embrapa Cerrados em Planaltina (DF), Priscila Vilela, explica que a ILP diminui a ociosidade do pasto e alarga a produção de grãos sem ampliar as áreas destinadas à agricultura. A técnica é altamente rentável. “O aumento da produtividade da soja, por exemplo, pode ser de até cinco sacas por hectare”, diz Priscila. De acordo com ela, na bovinocultura de corte, enquanto a média de produção de carne no País é de 80 quilos por hectare ao ano, a produtividade pode chegar a 500 quilos, com a ILP. “Além disso, o residual da adubação deixada pelo plantio de uma lavoura mantém o pasto viçoso, o que evita a erosão do solo”, afirma a pesquisadora.
Em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a Embrapa Monitoramento por Satélite, de Campinas (SP), acompanhou todo o percurso do Rally da Pecuária de um ângulo diferente do restante da expedição, com os pés em terra firme e os olhos na atmosfera. Por meio do projeto Geodegrade, que identifica os vários níveis de degradação em pastagens com o espectrorradiômetro, um aparelho acoplado a uma câmera fotográfica digital, os técnicos da Embrapa mediam a incidência da radiação solar na vegetação num raio de três metros. A informação é enviada para um satélite que gera imagens. A soma delas resulta numa imensa área que mostra a condição dos pastos com o máximo de extensão e precisão.
Rumo ao sul de Mato Grosso do Sul, na divisa com Pedro Juan Caballero, no Paraguai, o Rally da Pecuária fez uma parada estratégica na fronteira entre os dois países para avaliar a operação de controle da febre aftosa, realizada pelo Exército Brasileiro e pela Agência Estadual de Defesa Sanitária Animal e Vegetal (Iagro), desde setembro, quando foi detectado um foco da doença no país vizinho. Segundo o Iagro, o trabalho na fronteira vem sendo benfeito e o Brasil está protegido.
A expedição seguiu rumo ao Paraná, onde a agricultura atualmente ocupa mais espaço do que o gado. A reportagem da DINHEIRO Rural deixou o rali em Londrina (PR). De lá, as equipes rumaram para Minas Gerais. No dia 12 de novembro, em Uberlândia, o Rally da Pecuária chegou ao fim. “A troca de informações, culturas e tecnologias durante o rali não agrega valores só ao mercado, mas são experiências ricas para os pesquisadores e produtores que participaram do evento”, diz Nogueira.
Tecnologia para manter vivo
Com o clorofilômetro, aparelho que mede o teor de clorofila do capim, os técnicos detectavam, na hora, se o pasto estava saudável. “O clorofilômetro permite avaliar o nível de massa seca e verde, necessária para manter o gado nutrido”, diz Edson Luis Bolfe, pesquisador da Embrapa Monitoramento por Satélite. Em laboratório, as informações deste aparelho eram cruzadas com as imagens do espectrorradiômetro, por meio de um Sistema de Informação Geográfica (SIG). Com isso, é possível saber as características qualitativas e quantitativas de pastagens de Estados inteiros.