05/04/2021 - 16:17
Apesar de a Organização Mundial da Saúde reconhecer que o ‘lockdown’ pode frear a transmissão do novo coronavírus, tendo em vista que o contato entre pessoas é restringido, dois juízes do interior paulista afirmaram, em decisões sobre restrições para combater a covid-19 no Estado de São Paulo, que a entidade seria ‘contra’ a medida e teria ‘apelado aos governantes para que deixem’ de usá-la. Um dos despachos chegou a referenciar um artigo classificado pelo Estadão Verifica como enganoso por distorcer a fala de um enviado especial da OMS.
As decisões em questão foram proferidas pelos juízes Augusto Bruno Mandelli e Giovani Augusto Serra Azul Guimarães durante o plantão judiciário em Avaré e Ribeirão Preto, respectivamente. O teor dos despachos foi revelado pelo site Consultor Jurídico.
O documento mais recente é datado do dia 28 de março e diz respeito a um mandado de segurança impetrado pelo dono de um restaurante contra decreto municipal que proibia a venda de bebidas alcoólicas durante a fase emergencial do Plano São Paulo. A norma acabou sendo revogada no dia seguinte à decisão judicial.
Na ocasião, o juiz Augusto Bruno Mandelli liberou a venda de bebidas alcóolicas pelo dono do restaurante, apontando que as medidas previstas no decreto municipal ‘nada se relacionavam com o combate da pandemia’. O magistrado afirmou que a ‘impetração era digna de elogios’.
Com relação ao lockdown, o magistrado fez referência à lei federal com medidas de combate à covid-19 e lembrou que o Supremo Tribunal Federal entendeu que Estados e municípios podem executar as medidas que avaliarem necessárias para conter o avanço do novo coronavírus, como determinar o isolamento social e definir as atividades locais essenciais.
“O STF firmou entendimento de que devem os entes federados seguir as orientações da OMS Organização Mundial da Saúde, bem como justificar suas ações, sendo certo que que há meses a OMS se pronunciou contra as medidas restritivas impostas por governadores e prefeitos (lockdown ainda que disfarçado de quarentena) que, por sua vez, jamais justificaram, a não ser por gráficos e números imprecisos e sem qualquer base científica, suas providências. O descumprimento da decisão do STF, nesses pontos, é flagrante”, registrou o magistrado.
O julgamento do Supremo também foi lembrado por Giovani Augusto Serra Azul Guimarães na decisão em que relaxou, por ‘manifesta ilegalidade’, a prisão em flagrante de um comerciante que teria descumprido determinações sanitárias e incitado outros a fazerem o mesmo.
O magistrado questionou o respaldo do decreto que instituiu a fase emergencial contra a covid-19 ‘diante da Constituição da República, da decisão do Supremo Tribunal Federal pertinente ao tema, das orientações da Organização Mundial da Saúde e da ciência’.
Sobre a OMS em específico, Guimarães registrou: “A Organização Mundial da Saúde já apelou aos governantes para que deixem de usar o lockdown, medida que ‘tem apenas uma consequência que você nunca deve menosprezar: torna os pobres muito mais pobres'”.
A frase citada pelo magistrado foi extraída de um texto classificado como enganoso pelo Estadão Verifica. O conteúdo distorcia a fala de David Nabarro, enviado especial da Organização Mundial da Saúde, durante entrevista para a revista britânica The Spectator. Frases de Nabarro já haviam sido retiradas de contexto em outra ocasião, sendo que projeto Comprova também classificou tal conteúdo como enganoso.
O que diz a OMS sobre o lockdown
Em seu site, a OMS informa que reconhece a importância de lockdowns para frear a transmissão do coronavírus, tendo em vista que o contato entre pessoas é restringido. A organização aponta que em determinados momentos, alguns países “não tiveram opção a não ser decretar lockdowns para ganhar tempo”.
A OMS ressalta que tais medidas têm um “impacto negativo profundo” nos indivíduos, comunidades e sociedades. E lembra que os mais afetados são os “mais pobres, imigrantes e refugiados, que dependem do trabalho do dia-a-dia para subsistir”. No entanto, termina dizendo que “espera que os países utilizem intervenções onde e quando forem necessárias, baseados na situação de cada local”.
COM A PALAVRA, OS JUÍZES
A reportagem buscou contato com os magistrados até a publicação desta matéria, mas sem sucesso. O espaço permanece aberto a manifestações.