O clima esquentou na Câmara dos Deputados, na terça-feira 16 de abril, na semana de comemoração do Dia do Índio. Cerca de 100 índios invadiram uma reunião da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e suspenderam por 50 minutos uma sessão de votação no Plenário da casa. Os protestos tentavam derrubar a criação de uma comissão especial, instalada para discutir a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 215, que dá ao Congresso a competência legal para demarcar terras indígenas, hoje uma função da Fundação Nacional do Índio (Funai). O tumulto e as reivindicações em Brasília são apenas o capítulo mais recente de um longo embate, que se tornou mais frequente nos últimos anos, entre comunidades indígenas e produtores rurais do sul de Mato Grosso do Sul. Conflitos que expõem a necessidade de reconhecimento de terras que pertencem aos índios, de um lado, e a manutenção de atividades agropecuárias, de outro. O último episódio mostra a tensão envolvida nessa região: na noite do dia 12 de abril, uma sextafeira, o fazendeiro Arnaldo Alves Ferreira, 68 anos, morreu em confronto direto com 30 índios das etnias guarani e kaiowá, em Douradina. O proprietário reclamava de invasão em sua propriedade de 30 hectares, enquanto os índios reivindicavam a demarcação da terra. Apesar da resistência de alguns produtores dessa região em aceitar estudos técnicos da Funai que comprovam que suas propriedades estão em áreas indígenas, a grande maioria dos fazendeiros concorda em desocupar suas fazendas com plantações e criações de gado. É o que diz o procurador da República em Dourados (MS), Marco Antônio Delfino de Almeida. O problema é que faltam recursos para compensar os fazendeiros. “Já há relatórios finais do governo que reconhecem várias áreas de conflito como terras indígenas, mas a Funai não tem recursos suficientes para indenização”, diz ele.

O procurador Delfino de Almeida acompanha desde o início o acampamento montado no ano passado por 160 índios das etnias guarani e kaiowá da aldeia Pyelito Kue na Fazenda Cambará, no município de Iguatemi, às margens do rio Hovy. Os protestos desses índios por assistência médica e melhores condições de vida chegaram inclusive a motivar a criação de uma comissão externa do Congresso para avaliar a situação. O estopim foi uma ação de despejo, decretada pela Justiça Federal, que suscitou uma carta assinada por líderes dessas etnias. No texto, os indígenas dizem que lutariam para continuar em seu território e falaram, inclusive, de “morte coletiva”, levando à interpretação de suicídio de todo o grupo, caso a Justiça e o proprietário forçassem sua saída.

Em dezembro do ano passado, uma comissão de parlamentares coordenada pelo deputado Sarney Filho (PV-MA ) visitou a aldeia Pyelito Kue. “A comissão reconheceu os direitos históricos dos índios e concluiu que a situação deles é crítica e desumana”, afirma o deputado. Ele diz que o grupo conseguiu aumentar de R$ 2 milhões para R$ 40 milhões o volume de verbas para desapropriar a área. “O proprietário da fazenda não é culpado, uma vez que o título de imóvel rural foi distribuído pelo Estado a vários fazendeiros na primeira metade do século 20”, diz Sarney Filho. Se a concessão dos títulos aos fazendeiros rurais há quase 100 anos desalojou os indígenas, agora são produtores rurais que correm o risco de receber o troco. “Quando as terras são cedidas aos índios, muitas vezes os produtores rurais são realocados em regiões improdutivas”, diz o assessor jurídico da Federação da Agricultura de Mato Grosso do Sul (Famasul), Carlo Daniel Coldibelli.

Segundo ele, em alguns casos, a área transformada em reserva indígena acaba se tornando improdutiva, por falta de equipamentos e assistência técnica. “Essa discussão acontece justamente nas áreas mais férteis para agricultura do Estado, e por isso existem atualmente 56 propriedades invadidas nessa região”, afirma Coldibelli. Os conflitos estão até desestimulando transações de compra e venda de terras na região sul do Estado. “Quando os investidores rurais se deparam com essa insegurança jurídica, preferem migrar para outras regiões”, diz o assessor jurídico da Famasul. A Funai argumenta que, desde 2008, formou seis grupos de trabalho para estudos de identificação de terras indígenas no sul de Mato Grosso do Sul, que seriam destinadas aos guarani e aos kaiowá. Em visita à região, em novembro do ano passado, a presidente da Funai, Marta Maria Azevedo, disse aos produtores que o governo federal vem estudando uma forma de compensar quem tem título de propriedade nos limites das terras reconhecidas como tradicionalmente indígenas. O que dificulta a conclusão do processo, segundo a Funai, é a falta de acordo sobre quem é, de fato, o dono das terras.