02/08/2020 - 16:00
O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou, entre dezembro de 2019 e fevereiro deste ano, três contratos de consultoria com o consórcio do qual faz parte a G5 Partners Consultoria e Participações, no valor total de R$ 9,7 milhões, para fazer a modelagem de privatizações ou venda de participação em estatais que o governo Jair Bolsonaro planeja realizar.
O vencedor dos pregões eletrônicos tinha como um dos seus sócios, Marcelo Serfaty, presidente do Conselho de Administração do BNDES.
O empresário continua vinculado com a G5 Partners. Eles são sócios na G5 Gestora de Recursos, da qual Serfaty detém 49,5% do negócio e segue como membro de comitê de investimentos. Essa empresa gerencia patrimônios privados. A G5 Partners tem 49% do negócio.
Documentos aos quais o Estadão teve acesso mostram que a área de integridade, controladoria e gestão de riscos do banco alertou sobre potencial conflito de interesses e pediu que o vínculo de Serfaty com a G5 fosse analisado pelo Comitê de Ética da instituição, o que não ocorreu. O banco enviou o caso para análise da Controladoria Geral da União (CGU), que ainda não se posicionou.
O consórcio da G5 Partners ganhou a licitação para dar consultoria na privatização/participação dos aeroportos de Guarulhos, Galeão, Brasília e Confins no dia 4 de dezembro de 2019; da Casa da Moeda em 22 de janeiro deste ano; e da Ceagesp e Ceasa Minas em 21 de fevereiro. Quando ingressou no BNDES, a G5 Partners já disputava dois dos pregões (Casa da Moeda e da Infraero). Serfaty disse que não tinha conhecimento disso porque era “um sócio irrelevante”.
No anúncio do pregão dos aeroportos, Serfaty também tinha vínculo com a G5 Tecnologia de Segurança e Participações. Ele se desligou dela em 10 de janeiro deste ano. Segundo o empresário, a G5 Tecnologia é uma investida de um fundo e não uma empresa do conglomerado G5 Partners.
Em relatório de análise da nomeação do empresário para o conselho administrativo do BNDES, apresentado à diretoria do banco no dia 1.º de novembro do ano passado, o Comitê de Elegibilidade da instituição destacou que Serfaty era sócio-fundador da área de Private Equity da G5 Partners e detinha participação de 50% na G5 Gestora de Recursos. “É de relevo ademais destacar que, no tocante à G5 Gestora de Recursos, o indicado, que detém metade do capital social, permanecerá no comitê de investimento da sociedade”, afirma o relatório.
“Apesar de não haver concorrência direta entre as instituições e o Sistema BNDES, o papel relevante desse último na economia aponta para um potencial conflito de interesses, especialmente em decorrência da atuação da BNDESPar”, registrou ainda o documento.
Na ocasião, o comitê orientou para que, caso a Assembleia-Geral do BNDES decidisse nomear o empresário como integrante do conselho, “os conflitos ora apontados” fossem levados ao Comitê de Ética do BNDES para se avaliar “eventuais recomendações acerca das situações de conflito que julgar necessárias”.
O Comitê de Ética do BNDES afirmou ao Estadão não ter competência para realizar análises sobre conflitos de interesse em potencial. A questão, informou, foi encaminhada à Controladoria-Geral da União (CGU).
Setores. Pelos contratos firmados com o BNDES, a G5 Partners vai elaborar, por meio de um consórcio de três empresas parceiras, modelos de venda da Casa da Moeda do Brasil, da Ceagesp, da Ceasa Minas e de participação dos aeroportos de Guarulhos, Galeão, Brasília e Confins. A companhia se apresenta como líder no mercado de fusões e aquisições no País. Entre seus clientes estão empresas que são potenciais interessadas em investimentos nas áreas de infraestrutura, transportes e empresas emergentes.
A indicação de Serfaty ao conselho foi analisada pelo Comitê de Elegibilidade, que tem como função avaliar a experiência profissional do candidato e decidir se o “notório conhecimento” apresentado é compatível com o cargo indicado, com salário de cerca de R$ 8 mil.
À instituição, Serfaty apresentou um currículo no qual informou ter doutorado em Economia pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). A mesma informação aparece no site do BNDES. Segundo a FGV, ele “cursou apenas as disciplinas”, sem apresentar a tese. “Eu fiz todas as cadeiras do curso de doutorado, mas não fiz tese. Eu precisava trabalhar porque eu precisava ganhar a vida, não é…”, justificou Serfaty. Ele afirma nunca ter informado no currículo ser doutor. O fato de ter doutorado não é condicionante para ele exercer o cargo no banco.
Legislação
Especialistas ouvidos pelo Estadão disseram que a relação do presidente do Conselho de Administração do BNDES com uma empresa contratada pelo banco indica conflito de interesses, previsto na Lei das Estatais, de junho de 2016, e no Código de Ética do BNDES.
Professora de Direito Administrativo da FGV-SP, Vera Monteiro analisou a nomeação de Serfaty e os contratos da empresa do conselheiro fechados com o BNDES. Vera identificou uma “série de situações” que, segundo ela, precisam “urgentemente” ser explicadas pelo banco para evitar perda de credibilidade da instituição no mercado. “A Lei das Estatais é clara ao dizer que não pode ser indicado como membro do conselho de uma estatal pessoa que possa ter qualquer forma de conflito de interesses com a própria empresa da qual é dono”, afirmou a professora da FGV.
Uma das principais autoridades do País na área de Direito Administrativo, Vera disse ainda que a “confusão” entre o público e o privado, no caso da indicação de Serfaty para o conselho, não deixa dúvida sobre a existência de conflito de interesses. “Qualquer conflito de interesses é um impedimento para atuação. Isso aqui não há dúvida”, aponta ela, sobre o fato de o empresário ter sido dono de uma consultoria que atende clientes com relações com o BNDES. “O BNDES precisa revelar a ausência de conflito de interesses, urgente. É um dever que decorre da Lei das Estatais. É um dever.”
O professor de Direito da Universidade Mackenzie e da Escola Superior de Advocacia (ESA) da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de São Paulo Flávio de Leão Bastos Pereira concorda. “Se o indivíduo passa a receber informações que possam lhe dar vantagem em negócios paralelos ou privados, evidentemente há conflitos de interesses”, ressaltou.
“Quem atua na função pública deve ter como foco a proteção e a tutela do patrimônio público. Se a pessoa passa a ter ganhos particulares, cabe ao Ministério Público e órgãos de controle averiguar”, disse.
Por meio de sua assessoria, o BNDES disse que Marcelo Serfaty deixou de ser sócio da G5 Partners Consultoria e Participações antes de tomar posse no Conselho de Administração da instituição, em 20 de novembro. Registro da Junta Comercial de São Paulo aponta, no entanto, que o empresário estava oficialmente na empresa pelo menos até o dia 27 daquele mês. O banco afirmou ainda que um eventual conflito de interesses no caso da atuação de Serfaty está sob análise da Controladoria-Geral da União (CGU). Segundo a instituição, o Comitê de Ética do BNDES tem competência para realizar análises sobre conflito de interesses “somente a partir de casos concretos”. “A questão foi encaminhada à Controladoria-Geral da União para apreciação. Até o momento, não houve resposta da CGU.”
Conforme o banco, “os contratos celebrados pelo Sistema BNDES com a G5 Partners decorrem de processo de licitação, na modalidade de pregão eletrônico, em conformidade com a legislação em vigor”. Disse também que a aprovação dos contratos não são atribuição do Conselho de Administração do BNDES.
Em relação à sociedade do empresário em empresa do conglomerado G5 Partners, o BNDES disse que Serfaty não figurava mais como “sócio ou administrador”. Documento enviado pelo próprio empresário confirmou, porém, que ele foi sócio da empresa até 10 de janeiro.
Três perguntas para Serfaty
1.A G5 Partners tem entre clientes empresas de infraestrutura, energia e transportes, potenciais interessados na compra das estatais. Este fato não poderá ser alvo de questionamentos por parte de órgãos de fiscalização e controle?
Não sou sócio da G5 Partners e jamais tive qualquer ingerência ou acesso a quaisquer informações sobre negócios, clientes corporativos ou estratégia da referida empresa. Detinha até 31 de outubro de 2019 (a Junta Comercial de SP só registra a informação em 27 de novembro) participação simbólica no capital da referida companhia. Anteriormente, portanto, à minha posse no conselho do BNDES, em 20 de novembro. Caso questionado, estarei à disposição dos órgãos de fiscalização para prestar esclarecimentos que se façam necessários.
2. Comitê do BNDES alertou para “potencial conflito de interesses”. Como vê essas avaliação?
A G5 Gestora tem patrimônio de R$ 200 milhões sob gestão, sendo que investidos por meio de fundos em três empresas, sem qualquer relacionamento direto ou indireto com o Sistema BNDES. Não há qualquer relação também entre o Sistema BNDES e a G5 Gestora, entidade regulada e fiscalizada pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
3. O senhor foi procurado pelo Comitê de Ética?
Uma vez que todos os aspectos questionados foram minuciosamente esclarecidos ao Sistema BNDES, não houve qualquer demanda por parte do Comitê de Ética ou qualquer órgão de controle interno ou externo.