A punição administrativa imposta pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao desembargador Siro Darlan, do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), de aposentadoria compulsória, é a mais dura possível na magistratura.

Por unanimidade, os conselheiros decidiram punir o desembargador, que terá direito aos vencimentos proporcionais por tempo de serviço, ou seja, continuará sendo remunerado.

O CNJ concluiu, em julgamento na terça-feira, 14, que ele cometeu falta funcional grave e não poderia continuar na carreira.

A punição é mais dura do que a proposta pelo próprio Ministério Público, que sugeriu a pena de censura. O magistrado alega ser vítima de uma “perseguição implacável’.

Entenda o caso

O processo administrativo disciplinar foi aberto em agosto de 2018. Siro Darlan foi acusado de favorecer um cliente do filho, Renato Darlan, que é advogado.

O desembargador deu habeas corpus, no plantão noturno judiciário, para colocar em prisão domiciliar o ex-vereador de Duque Caxias (RJ) e policial militar reformado Jonas Gonçalves da Silva, o “Jonas É Nós”, acusado de chefiar uma milícia na Baixada Fluminense. O PM reformado foi preso na Operação Capa Preta.

A justificativa foi o quadro de saúde do ex-vereador. A decisão provisória revogou, de uma vez, ordens de prisão decretadas em seis processos que tramitavam em varas diferentes. A liminar acabou sendo cassada pelo Tribunal de Justiça do Rio e Jonas voltou a ser preso.

O que diz a defesa

O advogado Júlio de Carvalho, que representa o desembargador, argumentou que Renato Darlan havia deixado o escritório de advocacia responsável pela defesa do vereador 90 dias antes da decisão.

Também afirmou que Siro Darlan não tinha acesso a detalhes do processo porque estava despachando no plantão, quando o acesso ao sistema processual seria limitado.

A defesa também investiu no argumento de que Darlan é reconhecido como um magistrado aliado ao chamado ‘garantismo penal’.

“Estamos falando de um magistrado firme nos seus posicionamentos, crítico, que pode ser chamado de garantista quando o termo garantismo penal ainda não havia sequer sido inventado”, defendeu antes da votação.

O que concluiu o CNJ

A conselheira Salise Sanchotene, relatora do caso, considerou que não ficou provado que Renato Darlan havia deixado a defesa do ex-vereador, o que na avaliação dela prova que houve quebra do dever de imparcialidade do desembargador.

A relatora também destacou que a prisão domiciliar já havia sido negada pelos juízes do caso e que o PM reformado sofria de doenças crônicas e não de problemas de saúde ‘agudos’ que justificassem uma decisão urgente no plantão noturno.

“Eu divirjo da defesa quando traz aqui a visão mais libertária do magistrado, não é disso que se trata, nem de contrariedade ao cárcere, mas sim a constatação de que foi proferida uma decisão judicial absolutamente divorciada da técnica processual e dos requisitos legais para tanto”, defendeu.

Outro ponto que ganhou destaque no julgamento é que, pelas normas do Tribunal de Justiça do Rio, o desembargador não precisava trabalhar no plantão, que ficava a cargo dos magistrados com menos tempo de serviço. Siro Darlan, no entanto, se voluntariou para o serviço.

“O que aparentemente é uma sucessão de estranhas coincidências nada mais passa do que a demonstração de uma conexão profunda e articulada que compromete a aplicação da lei penal, a efetividade do sistema de Justiça e a imagem do Poder Judiciário como um todo”, concluiu o conselheiro Giovane Olsson.

COM A PALAVRA, O DESEMBARGADOR SIRO DARLAN

Após a decisão do CNJ, o desembargador divulgou uma carta aberta:

Escrever este artigo é doloroso para mim, pois escrevê-lo é admitir que há algo de errado, de muito errado, na área para qual dediquei minha vida profissional, qual seja o Judiciário brasileiro. Hoje tenho mais de 40 anos de magistratura, e esta experiência se funde com a minha própria existência. Antes de irmos ao caso que me traz a estas linhas irei contar umas poucas linhas de minha trajetória.

Natural de Cajazeiras, na Paraíba, cheguei ao Rio criança ainda. Vim com minha mãe, que decidira sair da Paraíba e vir tentar uma vida melhor no Rio de Janeiro, então a capital do Brasil. Viemos ela e os meus irmãos e passamos as muitas dificuldades comuns aos migrantes nordestinos, dificuldades que persistem até hoje, é bom notar.

Portanto aprendi por mim mesmo o que é ser um jovem pobre em uma grande cidade brasileira. Se não me faltou o amor de uma mãe, se não me faltou o amor de meus irmãos, se fui bem acolhido pelos agostinianos do Colégio Santo Agostinho, aprendi também as agruras de um internato público estadual, a vida contada de uma costureira para sustentar seus filhos a partir de uma velha máquina Singer.

Dessa experiência veio a comiseração pelos que falham na vida e a compreensão do quanto é importante dar, principalmente aos jovens, uma segunda oportunidade, uma segunda chance de recuperação. Não vou relatar aqui as incompreensões que tenho enfrentado por parte dos que açodadamente preferem jogar as pessoas nas verdadeiras masmorras do nosso sistema prisional, a ouvi-las e tentar dar-lhes uma chance de retomarem suas vidas, suas cidadanias.

Coube-me a felicidade de ser o juiz titular da Segunda Vara da Infância e, logo depois da Primeira Vara da Infância quando da implantação do Estatuto da Criança e do Adolescente, criado pela Lei 8069, de 13 de julho de 1990. Respondi por estas Varas de 1991 até 2004, onde e quando ocupei-me em mostrar para a sociedade os direitos das crianças e dos adolescentes, direitos estes que se tornam mais importantes ainda quando tratamos de crianças desamparadas, vivendo nas ruas, sendo vítimas de todo tipo de violência e arbitrariedade. Mas não só estas crianças mereceram a atenção da Justiça neste tempo. Também averiguamos denúncias de jovens que conviviam em situações inadequadas para a sua formação psicológica quando empregados de grandes grupos de mídia. Eram jovens que empregados como atores e figurantes não recebiam o apoio psicológico de que eram merecedores quando encenavam cenas fortes e em desacordo com suas idades. Estas medidas nos trouxeram grandes inimizades e incompreensões, muitos nos acusando de buscarmos os holofotes da mídia e gerando polêmicas inúteis e desnecessárias.

Nada disto poderia me prevenir para o que enfrento hoje. Uma perseguição implacável partindo de meus próprios pares, alguns deles ex-amigos. Em primeiro urdiram um processo em que eu fui acusado de ter vendido uma sentença. Deste processo fui absolvido no Supremo Tribunal Federal (STF) pelo HC 200.197 relatado pelo ministro Edson Fachin, ficando ali exaustivamente comprovada a minha inocência frente à insidiosa acusação à minha honra profissional e pessoal.

Mas isto não bastou para acalmar a sanha dos meus detratores. Derrotados na instância penal, decidiram eles contornar a minha absolvição colocando agora um processo administrativo com o qual objetivam deslustrar a minha carreira construída dentro das melhores práticas da magistratura com uma aposentadoria compulsória.

Os motivos novamente são inverídicos e resultado do trabalho de mentes deturpadas pela maldade, pela falta de equilíbrio moral. Acusam-me de ter visitado um preso sem ter para isto cumprido as rotinas necessárias. Ora, eu, na verdade, visitei o presídio em busca de subsídios para preparar a minha tese da Escola Nacional de Formação de Magistrados, cujo tema aprovado foi “O racismo estrutural com causa do super encarceramento”, tese que concluí com todos os méritos acadêmicos. Tese que trata de outro interesse transversal em minha carreira que é a proteção das vítimas de racismo, esta sociopatia que aflige a sociedade brasileira e se reflete de maneira candente no sistema judiciário.

Este meu interesse em verificar os excessos a que afro-brasileiros são submetidos diuturnamente nas ruas, delegacias, salas de audiência e presídios Brasil afora não é bem visto pelos que me acusam. Para eles falta-me vigor para enquadrar grande parte dos brasileiros vivendo um mundo sem oportunidades, sem respeito do Estado. Eles se esquecem da cor da minha pele, eles se esquecem dos meus anos de internato público, eles se esquecem dos dias de 16, 18 horas de trabalho que eu vivi até chegar aqui.

É verdade, eu não sou um deles. Eu sou dos poucos que passaram as barreiras que ali estavam postas para me impedir o progresso. E não me peçam para eu ver os brasileiros pobres como se fossem parte de outra vida minha. Eles são parte de mim, e de mim eles sempre terão a lei para cumprir e não para flagelá-los. No meu tribunal, eles ouvirão o martelo da Justiça, mas não sentirão em suas peles o látego do preconceito.