02/11/2020 - 12:00
A crise da política ambiental do governo federal abriu espaço para a participação de organizações da sociedade civil nas campanhas eleitorais, além de deslocar o protagonismo do setor para prefeituras, governos estaduais e para a iniciativa privada. Símbolo disso são as ações para a construção de plataformas e de agendas para os candidatos a prefeito e vereador no País.
A mais nova iniciativa reúne na véspera do primeiro turno das eleições 2020 entidades na Conferência Brasileira de Mudança do Clima para o lançamento, no dia 5, da Agenda Urbana do Clima, a quinta pauta suprapartidária construída neste ano para oferecer um caminho para a retomada verde no Brasil. Na semana passada, 12 governadores – entre eles o de São Paulo, João Doria (PSDB), e o do Maranhão, Flávio Dino (PCdoB) – assinaram a carta de compromisso do 1.º Encontro Internacional Governadores pelo Clima, organizado pelo Centro Brasil no Clima (CBC), uma das entidades por trás da agenda.
“Não só o esvaziamento da agenda ambiental, mas o desmonte das políticas nacionais para o setor levou os entes subnacionais – Estados e Municípios – e a sociedade civil a se apropriarem dessa agenda”, afirma Ana Toni, diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (ICS). Essa situação provocou o aumento do interesse de candidatos pela pauta ambiental.
“Este é um ano diferente. Há um interesse maior de candidatos para o tema do desenvolvimento sustentável e a mudança do clima em particular”, diz Mônica Nobre, diretora da Rede de Ação Política pela Sustentabilidade (Raps), que busca juntar o mundo político ao da sustentabilidade. A Raps registrou um aumento da procura de lideranças políticas pelo seu processo seletivo, que passou de 3 mil no período de 2018/2019 para 8 mil em 2019/2020. Neste ano, a Raps patrocina 187 candidatos em disputa por cargos de vereador e prefeitos no Brasil, parte dos quais tenta a reeleição. Além disso, reúne mensalmente 32 deputados federais e 7 senadores ligados à rede.
Para Mônica, esse interesse é resultado de um movimento global: “A China declarou que vai ser carbono neutro até 2060 e a Europa até 2050”. Ela acrescenta que a campanha presidencial de Joe Biden, nos Estados Unidos, com sua pauta ambiental, coloca o Brasil na contramão do mundo. “Não temos feito o dever de casa em relação ao desmatamento. Há movimentação do mercado privado e dos bancos, que entenderam que essa pauta não é só ambiental, mas também econômica.”
Eleitos. Para o próximo ano, a ideia é aprofundar o trabalho com os eleitos. A Agenda Urbana do Clima inclui dez tipos de ações, que vão do saneamento básico à saúde e diminuição da poluição à geração de empregos sustentáveis e energia renovável. Para chegar às cidades menores e difundir a agenda da retomada verde, Ana Toni conta que um grupo de 50 entidades planeja criar uma plataforma de ação climática, onde será possível às prefeituras buscar consultoria e assessoria, além de divulgar ações bem sucedidas na área. Entre os financiadores do projeto está a Fundação Bloomberg.
“Será uma espécie de Tinder das ações climáticas. Ali se poderá saber que organizações têm experiência com saneamento ou energias renováveis. Também onde buscar o dinheiro para financiar projetos e saber a legislação do setor”, diz Ana.
Responsável pela articulação com os governadores, o diretor executivo do CBC, Guilherme Sirkis, afirmou que os Estados têm sido o mais novo caminho da retomada verde no País. “Infelizmente, o governo federal criou um extremismo, que torna difícil o diálogo.” Sirkis espera que até o fim do ano passem de 12 para 18 ou 20 o número de governadores que vão assinar a carta de compromissos com o clima. “A questão climática não é de partido nem de governo. É política pública de longo prazo e de Estado. O Brasil não pode perder a oportunidade de se tornar uma potência econômica de carbono neutro.”
Para Mariana Belmont, do Instituto de Referência Negra Peregum, a pauta ambiental deve ser inserida no combate à desigualdade e ao racismo. “Essa crise que estamos vivendo nesses últimos meses com a pandemia escancarou a desigualdade no campo ambiental. Quando uma chuva alaga o Jardim Pantanal (zona leste de São Paulo), os primeiros atingidos são as populações mais vulneráveis.”
Também signatário o grupo C40, que engloba 93 grandes cidades (4 delas no Basil) no mundo, defende que a solução para a retomada passa pelo combate à desigualdade. Para seu vice-diretor regional para a América Latina, Ilan Cuperstein, o mundo está buscando uma nova forma de desenvolvimento. E as eleições são o momento para se buscar produzir esse novo consenso.
“Já temos quatro prefeitos (São Paulo, Salvador, Curitiba e Rio) que assumiram o compromisso de neutralidade das emissões como previsto no Acordo de Paris. Esperamos que outros prefeitos também participem dessa coalizão de municípios comprometidos com o clima.”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.