24/04/2013 - 13:00
O engenheiro agrônomo boliviano Alan Bojanic, 55 anos, assumiu no início de março a chefia do escritório da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) no Brasil, em substituição ao moçambicano Hélder Muteia. Há oito anos na entidade, já atuou como representante na Costa Rica e como diretor-adjunto da FAO para América Latina e Caribe.
Com menos de duas semanas no País, o executivo já inaugurou o primeiro escritório descentralizado da entidade no mundo, em Curitiba. Outros virão no Nordeste, na Amazônia, e em países como a Rússia e a China. Em entrevista exclusiva à Dinheiro RURAL, Bojanic afirma que pretende disseminar o modelo de produção brasileiro em regiões com grande potencial agrícola, especialmente na África e na América Central. “O Brasil terá papel fundamental nesta luta para alimentar um planeta com 9 bilhões de habitantes”, diz.
Quais são as prioridades da FAO no Brasil?
Temos duas grandes áreas de trabalho no Brasil. A primeira é a de cooperação. O Brasil dá muita ajuda aos países em desenvolvimento na África e na América Central, em programas de agricultura e produção de ali mentos. Parte do nosso trabalho é facilitar essa cooperação, sempre agregando valor.
Como isso será possível?
Queremos usar as experiências bemsucedidas do Brasil, da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), mas agregando valor com o conhecimento que temos das regiões e o expertise da FAO, que atualmente conta com mais de três mil técnicos trabalhando. Fazemos uma sinergia poderosa entre os conhecimentos do Brasil, das políticas sociais e das políticas de transferências confoto dicionadas com o conhecimento técnico da FAO. Essa é a minha prioridade, na administração do sr. (José) Graziano, dietor-geral da FAO.
Existe algum programa específico para os produtores brasileiros?
Temos alguns projetos junto aos grupos mais vulneráveis nas áreas rurais, ajudando na elaboração de políticas para esses grupos, procurando trazer cada vez mais igualdade. Tivemos um encontro importante com o Ministério do Desenvolvimento Social sobre políticas para mulheres rurais. Esse tipo de atividade é central no nosso trabalho no País.
Há 30 anos, o Brasil era importador de alimentos. Hoje, o País se transformou em um dos principais produtores e exportadores mundiais. É possível repetir essa história em outros países?
O aumento de produtividade que o Brasil tem apresentado – eu diria os saltos em produtividade – é uma das experiências mais importantes que nós estamos sistematizando para transferir aos países menos desenvolvidos. A cooperação está crescendo e esperamos que se incremente ainda mais no futuro. Essa solidariedade com outros países é muito importante para nós da FAO na luta por um mundo sem fome. O Brasil tem um papel fundamental no desenvolvimento de outros países na América Latina. Tem tecnologias sociais, tem conhecimento técnico, tem alimentos para casos de emergência. O que nós queremos é que essa colaboração e a solidariedade aumentem ainda mais. Vamos precisar de um Brasil ainda mais solidário no futuro.
E na parte de produção de alimentos? Qual é o papel do Brasil nessa luta contra a fome?
O potencial do Brasil ainda é enorme. O potencial do Cerrado, o potencial para recuperar áreas degradadas também é enorme. O Brasil tem mais de 20 milhões de hectares de pastagens degradadas e tem a tecnologia para recuperar essas áreas e torná-las altamente produtivas novamente. A Embrapa tem desenvolvido conhecimento para fazer isso. Precisamos continuar aumentando a produção, pois no ano de 2050 a população vai estar acima dos 9 bilhões de habitantes e nós vamos precisar de muito mais alimentos do que estamos produzindo hoje em dia.
E qual será o papel do Brasil?
Será produzir mais alimentos, utilizando áreas degradadas, aumentando a produtividade, incorporando novas áreas de maneira sustentável, respeitando todas as normas ambientais. O Brasil terá papel fundamental nessa luta para alimentar um planeta com 9 bilhões de habitantes.
A FAO inaugurou, em Curitiba, o primeiro escritório descentralizado da entidade no mundo. O que isso significa?
Significa muitas coisas. Primeiro é que vamos estar mais perto dos produtores, mais perto da realidade de uma região altamente produtiva, de uma região que tem muitas experiências bem-sucedidas, que queremos exportar não só para a África como também para outras áreas do Brasil. Queremos ter outros escritórios desse tipo no Nordeste e na Amazônia, identificar experiências bem-sucedidas, cadastrar processos de agricultura familiar, trabalhar com energias renováveis e, principalmente, na produção sustentável no longo prazo. Queremos replicar esse modelo de escritórios descentralizados no Brasil e em outros países dos BRICs, como Rússia e China.
O Paraná foi escolhido por ser um polo de excelência. Lá, apesar de pequenos para os padrões brasileiros, os produtores são altamente tecnificados. Esse é o modelo que a FAO quer disseminar?
Procuramos a tecnificação, mas desde que seja economicamente viável para o pequeno produtor. É importante investir para ter um aumento nas receitas. Não basta produzir alimentos, é preciso que a atividade seja rentável, que possibilite uma vida digna, uma vida saudável no campo. Estamos tentando encontrar modelos de sucesso na agricultura familiar em toda a região Sul. Precisamos mostrar esse Brasil produtivo e exportador de alimentos.
Os gargalos logísticos e problemas políticos não podem atrapalhar o Brasil?
Os problemas burocráticos acontecem no mundo inteiro. Todos os países estão sujeitos a greves, a problemas nas condições climáticas e também à burocracia. O importante é reconhecer os problemas e tirar lições para melhorar. Vivemos num mundo globalizado e ele vai ficar ainda mais globalizado daqui para frente. É uma realidade e temos de nos adaptar.
E a questão do abastecimento entre países? Recentemente, um problema relacionado aos royalties da soja travou a exportação brasileira para a China…
A China também está promovendo um salto muito grande em produtividade. Existem alguns projetos importantes na área do leite. Eles eram importadores de leite e hoje já são exportadores. Há projetos em grãos. Houve uma melhora nas condições produtivas em todo o mundo. O problema ainda é a África, que é um continente com grande potencial, mas tem condições difíceis para a produção. Lá existem problemas de burocracia, violência, conflitos sociais, muito mais graves que em qualquer país da América Latina. A África, hoje, é a prioridade nesse combate à fome.
O Brasil tem produtores que usam alta tecnologia no campo, mas muitos ainda são minimamente tecnificados. Como vê a agricultura brasileira hoje?
O teto da produtividade ainda está muito mais para cima. Podemos crescer muito. Precisamos fechar a brecha tecnológica para que as pesquisas possam chegar aos pequenos produtores, aumentando a sua produtividade. Esse é o grande desafio. Temos 20 milhões de hectares de pastagens degradadas, que podem produzir 20 vezes mais do que estão produzindo. Temos um potencial enorme. O discurso de que o Brasil vai alimentar o mundo em 15 ou 20 anos não é fantasia, é uma realidade. E, para isso, o importante é transferir a tecnologia para o pequeno produtor, sempre encontrando novas formas de fazer as coisas.
Algumas tecnologias, como o uso de defensivos químicos, são criticadas, mas sem elas simplesmente não há como produzir em escala. Como equilibrar essa questão?
Temos de tentar usar o menos possível e usar da forma mais amigável.Ainda vamos ter de conviver com essas tecnologias por muito tempo. Algumas tecnologias são mais seguras, outras um pouco menos, não dá para generalizar. Mas a tendência é que a produção fique menos química e um pouco mais amigável.