28/05/2013 - 11:41
O uruguaio Carlos Buzio é considerado uma das maiores autoridades na área de tecnologia agrícola mundial. Atualmente, está no comando da CropLife Latin America, uma associação sediada em Costa Rica, que reúne as nove maiores empresas do setor de defensivos e de pesquisa no campo: Bayer, Basf, Syngenta, FMC, Arysta, Sumitomo, DuPont, Dow e Monsanto. Nos últimos anos, o executivo tem se dedicado a estudar maneiras de aprimorar a agricultura na América Latina e a levar ao campo novas práticas e produtos de última geração. Segundo ele, esse empenho será fundamental para definir o futuro da atividade agrícola na região. “Sem tecnologia, a agricultura morre”, diz Buzio, em entrevista à DINHEIRO RURAL .
DINHEIRO RURAL – Por que as transformações no setor agrícola ocorrem tão lentamente?
CARLOS BUZIO – Cinco ou dez anos são poucos na agricultura. Em 1978, quando comecei a trabalhar com biotecnologia, era uma atividade muito diferente do que é hoje. A adoção da tecnologia na agricultura, principalmente nos últimos cinco anos, tem transformado o setor em todo o mundo. Há muitas opções de produtos fitossanitários para garantir a saúde das lavouras e protegê-las de pragas. Os resultados estão cada vez melhores, mas exigem tempo.
DINHEIRO RURAL – A produtividade agrícola cresce apenas pelo fato de utilizar mais tecnologia?
BUZIO – A produtividade está aumentando a cada ano, por vários fatores. Primeiro, porque os trabalhos em genética estão sendo aprimorados. Segundo, porque os agricultores estão incorporando melhores práticas de manejo da terra. E, por último, as tecnologias garantem que aquilo que se planta seja colhido com a menor perda possível.
DINHEIRO RURAL – Se a tecnologia é tão positiva para a agricultura, por que há tanta resistência de alguns países em aceitar essas novidades?
BUZIO – O uso de tecnologia na agricultura não representa nenhuma ameaça à atividade, muito menos para os produtores ou para os consumidores. A produção agropecuária estaria ameaçada se ignorasse as novas tecnologias. Sem tecnologia, a agricultura simplesmente morre. As reações contra os transgênicos ou contra os defensivos são motivadas por questões ideológicas, não técnicas. Algumas pessoas ouvem comentários contrários à utilização de tecnologia no campo e, sem pesquisar a fundo, saem por aí fazendo barulho. Quando tentamos mostrar que estão errados, viram as costas. Elas não têm a intenção de nos escutar. É pura falta de conhecimento e de vontade de acreditar nas autoridades sanitárias de todos os países que entendem a importância dos novos produtos.
DINHEIRO RURAL – Não é arriscado dizer que todo defensivo agrícola é inofensivo?
BUZIO – Antes de chegar ao mercado, qualquer produto despejado nas lavouras é ostensivamente pesquisado em laboratórios e diretamente no campo. Nenhuma empresa séria inventa algo e joga nos alimentos para ver no que vai dar. As tecnologias são seguras e trazem muitos benefícios.
DINHEIRO RURAL – Mas há acidentes, como o que ocorreu com a dizimação de abelhas do sul da França, uma tragédia ambiental atribuída a um defensivo usado na pulverização de lavouras.
BUZIO – Esse problema é muito sério, preocupa a todos nós. As abelhas são muito importantes para toda a humanidade. Todos sabemos disso. Tanto é que, antes de começar a comercializar esse produto na França, houve testes para saber se as abelhas seriam afetadas. Ficou provado às autoridades francesas que aquele produto não causava danos ao meio ambiente e nem aos isentos. Na verdade, até o momento não existe qualquer explicação para a morte das abelhas. Fala-se em manejo inadequado dos defensivos pelos agricultores do país, mas ninguém tem provas claras de quem é o responsável. Mesmo assim, alguns órgãos reguladores têm tomado decisões unilaterais, movidos pelo medo, de proibir a venda.
DINHEIRO RURAL – O mundo precisará dobrar a produção de alimentos até 2050, segundo a ONU. Qual será o papel do Brasil nesse contexto?
BUZIO – O Brasil não é apenas mais um país produtor de alimentos. O Brasil é o rei na produção de alimentos. Trata-se de um dos poucos países do mundo, talvez o único, que tem um gigantesco potencial de expansão da fronteira agrícola. Além disso, tem clima favorável, vocação, água de sobra, capacidade de absorver novas tecnologias muito rapidamente e está aumentando a produtividade e as exportações como nenhum outro. Eu comecei a trabalhar no Brasil em 1980. Grande parte do meu trabalho era desenvolver o plantio direto. Era algo que precisava ser ensinado. Hoje, mais de 90% da agricultura se utiliza do plantio direto. É uma tecnologia fantástica sob qualquer ponto de vista, da conservação do solo, da otimização do uso da água e do aumento da produtividade. O Brasil, embora seja um líder, ainda tem muito futuro.
DINHEIRO RURAL – Mas a produtividade brasileira ainda precisa ser aprimorada, correto?
BUZIO – Depende da cultura. Em soja, a produtividade é muito alta. Em milho, nem tanto. Em trigo, vai muito bem, mas pode melhorar. No arroz, está melhorando cada vez mais.
DINHEIRO RURAL – Existirá uma competição entre produção de alimentos e de biocombustíveis no Brasil e no mundo?
BUZIO – Os preços do petróleo sempre definem o balanço, o equilíbrio, entre a produção de alimentos e a produção de biocombustíveis. O Brasil tem a vantagem de poder produzir alimentos em abundância e, ao mesmo tempo, um combustível de cana-de-açúcar muito eficiente. Os Estados Unidos estão tentando há décadas fazer o mesmo com o milho, mas não conseguem. E o Brasil ainda possui reservas de petróleo, caso precise priorizar o abastecimento de alimentos para o mundo.
DINHEIRO RURAL – Por que, então, os alimentos estão cada vez mais caros?
BUZIO – Muitos dizem que a inflação mundial dos alimentos tem sido causada pela produção de combustíveis. Não acredito nisso. Temos de olhar para essa questão com cuidado. Não podemos nos dar ao luxo de desenvolver irresponsavelmente os biocombustíveis e fazer com que os alimentos tenham preços proibitivos no futuro.
DINHEIRO RURAL – Então qual é a solução para a disparada global dos preços?
BUZIO – Todo mundo fala nisso, mas, se olharmos para os preços dos alimentos em geral, eles ficaram mais baratos nos últimos 50 anos. Isso porque a produtividade agrícola massificou a produção. Hoje os produtores podem colher em maior quantidade e ganhar em escala. De uns tempos para cá, muita coisa encareceu. Os carros aumentaram de preço, assim como as roupas e os eletrônicos, mas nós só falamos dos alimentos.
DINHEIRO RURAL – Qual é a capacidade de expansão agrícola no Brasil?
BUZIO – É difícil falar especificamente sobre o Brasil. Não tenho números tão precisos. Mas posso garantir que a agricultura brasileira pode multiplicar sua produtividade sem muito esforço. Além de aumentar a produção por hectare, o Brasil tem um diferencial do restante do mundo porque possui áreas improdutivas que podem ser exploradas, como pastos degradados que não servem para nada.
DINHEIRO RURAL – Há outros países na mesma condição?
BUZIO – Assim como o Brasil, a Argentina, a Bolívia e a Colômbia, que possui um território de dimensões semelhantes ao do Cerrado brasileiro, de uns cinco milhões de hectares, têm gigantescos potenciais agrícolas.
DINHEIRO RURAL – Qual é o principal desafio da agricultura na América Latina?
BUZIO – A água será um grande desafio muito em breve, em todo o mundo. Mas acho que, atualmente, a qualificação dos produtores rurais é o maior desafio. Há quem produza uma tonelada de milho por hectare e outro, que está em condições iguais, que produz dez toneladas. A razão disso é um “gap” de conhecimento, de utilização de tecnologias, de práticas agrícolas. A aceitação da tecnologia é tão importante quanto a própria tecnologia.
DINHEIRO RURAL – A aceitação é grande no País?
BUZIO – A agricultura brasileira está na vanguarda da tecnologia. Dizer que exportar alimentos é algo de colônia é bobagem. Nas últimas décadas, o Brasil soube ampliar a atividade agrícola sem negligenciar outros setores da indústria. Por isso, exporta carro, avião, máquinas de todo tipo. É incrível como o Brasil tem agregado valor à agricultura. Exportar alimentos também é geração de riqueza.
DINHEIRO RURAL – Há exemplos?
BUZIO – Sim. O Brasil exporta café de primeira qualidade, não apenas uma commodity agrícola. O mesmo conseguiu fazer com o frango. Atualmente, o País vende diretamente ao Japão, um mercado que paga caríssimo por produtos sensíveis e de qualidade garantida.
DINHEIRO RURAL – A crise europeia prejudicou os investimentos, já que as sedes das multinacionais de pesquisa agrícola estão na Europa?
BUZIO – De forma alguma. Em 2010, a indústria da tecnologia agrícola investiu em pesquisa e desenvolvimento algo próximo a US$ 5 bilhões. Em 2011, foram US$ 6,3 bilhões. No ano passado, atingiu US$ 7,3 bilhões. Isso porque, mesmo com a crise, a agricultura segue seu caminho.