Elizabeth Farina, presidente da União das Indústrias da Cana- de-açúcar, diz que o Brasil ainda não definiu a importância do etanol na matriz energética

Após a consolidação dos carros flex no mercado nacional, amparada em inovações tecnológicas que permitiram ao longo da última década substituir boa parte dos combustíveis fósseis por renováveis, as questões regulatórias e de políticas públicas ganharam peso na pauta do setor sucroalcooleiro. elizabeth Farina, presidente da união das indústrias da Cana-de-açúcar (unica) fala sobre os fatores decisivos para o desenvolvimento do setor, a redução do endividamento das usinas e a retomada do diálogo do governo federal. “essa proximidade há muito tinha deixado de existir”, afirma elizabeth. apesar dos avanços, ela acredita que há muito a ser feito em termos de políticas públicas para o setor. “não temos ainda uma definição sobre a importância do etanol na matriz energética do País”, diz.

DINHEIRO RURAL – Como anda o diálogo entre o governo federal e o setor sucroalcooleiro??

ELIZABETH FARINA – A interlocução entre o setor e o governo tem melhorado. O diálogo tem sido frequente. Isso está contribuindo para estreitar as nossas relações e, principalmente, para aumentar a confiança entre ambas as partes. Esse era o meu maior desafio, quando assumi o cargo de presidente da Unica. Essa proximidade com o governo federal há muito tempo tinha deixado de existir. Agora, há uma agenda que deve ser cumprida. Vou persistir nisso, claro, com muita simpatia. Afinal de contas, a política pública do Brasil voltada às energias renováveis em geral não está completa. Temos muito a fazer.

RURAL – Quais são os principais desafios do setor para crescer?
ELIZABETH –
O setor tem condições de reagir rapidamente, mas ainda há muitos obstáculos a serem vencidos. O principal deles é o endividamento das usinas. Cerca de 30% delas estão endividadas. Com isso, elas não conseguem acessar boa parte dos recursos colocados à disposição pelo BNDES para programas de suma importância para o seu crescimento. A pressão financeira que o setor vem sofrendo sobre essas dívidas precisa ser revista. Por conta disso, nas últimas cinco safras fechamos 40 usinas, e devemos fechar mais umas dez neste ano.

RURAL – Há uma luz no fim do túnel para o setor?
ELIZABETH –
Eu diria que falta uma luz no fim do túnel, por ainda não termos uma definição sobre a importância do etanol na matriz energética do País. Embora 40 usinas tenham sido fechadas, com uma capacidade industrial de moagem de cana-de-açúcar de 46 milhões de toneladas, novas usinas, que também surgiram no período, adicionaram 120 milhões de toneladas, em capacidade instalada no Brasil.

RURAL – A gasolina representa um obstáculo à expansão do setor??

ELIZABETH – Penso que não. Mas as decisões do governo federal de subsidiá-la, sim. A política de redução no preço da gasolina impacta diretamente na competitividade do etanol. O biocombustível de cana é que deveria ser reconhecido por políticas públicas, pela baixa emissão de gases de efeito estufa. Reconheço que já tivemos avanços na desoneração de tributos do etanol, o que contribui para a sua competitividade. Mas essa desoneração ainda não supera os subsídios recebidos pela gasolina.

RURAL – O que representa a mistura de etanol na gasolina?

?ELIZABETH – A volta da mistura de 25% de etanol na gasolina foi muito importante. De fato, isso mostrou que existe uma preocupação em usar a cana-de-açúcar. Nesse aspecto, a gasolina fica melhor, diminui a emissão de gases de efeito estufa e reduzem-se os custos. Mas, muitas vezes, o preço do etanol é mais vantajoso que o da gasolina e o consumidor não fica sabendo. Por isso, passamos a investir em campanhas publicitárias para que antes de abastecer o carro ele pondere qual é a melhor alternativa.

RURAL – O setor teria capacidade de suprir a forte demanda futura pelo biocombustível??

ELIZABETH – Acredito que sim. Nos últimos dez anos, dobramos a produção de etanol, mesmo com todas as crises que enfrentamos. Existem muitos investimentos sendo feitos em ganho de eficiência e de redução de custos. E olha que isso não ocorre apenas dentro da propriedade rural e da usina. Do lado de fora há investimentos em infraestrutura logística para transportar o etanol. Vamos continuar crescendo em produtividade. Não tenho a menor dúvida.

RURAL – Como seria esse crescimento, por exemplo, em 2020?
ELIZABETH –
Ao longo desses anos, imagino que teremos muitas oportunidades a aproveitar. Mesmo assim, dependeremos de alguns fatores. Um deles é a clareza da política de preços para os combustíveis. De qualquer maneira, teremos de dobrar a produção e tirar do papel os projetos de novas unidades. Precisaríamos repetir o crescimento ocorrido entre 2006 e 2009 e colocar 100 novas usinas em operação. O que vemos agora é que estamos terminando a safra de usinas que esse período gerou. Até porque, entre decidir construir uma usina e ela estar em plena operação, demora cerca de sete anos. Até 2020, serão necessários investimentos de mais de US$ 10 bilhões.

RURAL – Há perspectiva de abertura maciça de novas usinas??

ELIZABETH – Não. Isso dependeria de dois fatores importantes. O primeiro deles seria explorar até o limite as capacidades instaladas já existentes. Para isso, os usineiros precisariam investir mais na ampliação da eficiência de suas indústrias. Outro ponto que influenciaria a abertura de novas usinas seria conseguirmos definir uma política de preços dos combustíveis e de tributação mais clara. Só depois disso acredito que o setor começaria a pensar em novas unidades.

RURAL – O setor está passando por um movimento de concentração de grandes grupos?

?ELIZABETH – Sim, o movimento de concentração já existe. Mas não podemos dizer que quem fechou as portas o fez por ser ineficiente ou pequeno. O mercado cobra a conta de quem não possui competitividade. Perdemos 40 usinas ineficientes e ganhamos 80 eficientes? Não, isso não é verdade. Essas 40 usinas fechadas tiveram suas produções agrícolas incorporadas por outras usinas, tanto que não paramos de aumentar a quantidade de cana-de-açúcar moída. No fundo, acabou havendo uma otimização da capacidade industrial. A crise financeira global acabou pegando muitas usinas que investiam de calças curtas, e o grande penalizado foi quem apostou no investimento.

RURAL – O etanol de segunda geração vai engrenar?

ELIZABETH – Essa é uma resposta difícil de dar. Existem muitos investimentos realizados pelo setor para viabilizar essa tecnologia e há uma competição muito saudável para saber quem sairá à frente em escala comercial no etanol de segunda geração. Sabemos de muitos projetos que devem ser iniciados em 2014 e 2015 em escala comercial. Vamos ver quem conseguirá mostrar bons resultados primeiro.

RURAL – Existe a possibilidade de abrir mão dos carros flex e transformar o etanol em aditivo?

?ELIZABETH – Não vejo o setor com essa perspectiva nem alguma chance de que isso ocorra. Até porque, se isso fosse uma realidade, o setor teria de jogar fora muito etanol, pois a capacidade instalada atual já atenderia à demanda por aditivo de 2020. Mas não duvido que existam usinas que pensem nisso, por não conseguirem mais viabilizar sua produção, já que exportar é complicado. A chance de vender o biocombustível de cana-de-açúcar para a Europa é zero, e embora para os EUA a possibilidade seja maior, teríamos de importar muita gasolina para substituir os 13 bilhões de litros de etanol hidratado que o mercado interno demandaria.

RURAL – As recentes manifestações contra o aumento das tarifas de transporte impactam de alguma maneira no setor?

ELIZABETH – Esses movimentos contra os aumentos das passagens de ônibus convergem com a nossa visão sobre as políticas públicas necessárias para a produção do biocombustível. Não só para que os ônibus sejam movidos a etanol, mas concordamos também quando as prefeituras dizem que é preciso parar de dar incentivos aos transportes individuais e aos combustíveis que contribuem com a poluição e aumentam os custos do município com a saúde da população.

RURAL – É preciso incentivar também o uso do transporte público?

?ELIZABETH – Sem dúvida. Precisamos incentivar o transporte coletivo e os combustíveis que ajudam a reduzir as emissões e têm impacto positivo sobre a cidade. A proposta dos prefeitos de taxar o combustível fóssil para financiar diretamente a tarifa do transporte coletivo é um passo para ações muito positivas. Como deixar o transporte coletivo e os preços dos combustíveis limpos mais vantajosos.